A cada negro que sobe, outro é puxado para cima
por Iris Ingrid, do Original Favela
Quando pequena, torcia pro preto não morrer no filme de ação. Sempre fui ligada nas mídias, filmes, revistas, marcas em alta, a moda em si. Por ser preta, sempre procuro um preto no meu espaço, preto em algum cargo. O fato de ver um preto me fazia sentir representada. Lembro que quando o preto era vilão do filme, eu torcia pra ele ficar bonzinho. Sendo mal, ele teria um final ruim.
Assim que cresci e tive noção de espaço, cultura e quem eu sou, conclui que a mudança vem de nós. Um passo para um futuro melhor é dado pelo interessado — no caso, eu. Quando iniciei meu projeto Original Favela, pensei comigo mesma: “quero ganhar dinheiro do meu corre, mas antes disso quero representar, ser lembrada como uma empreendedora negra que só trabalhava com negros”. Meu foco não foi status e muito menos glamour: o meu foco foi representação. Quando eu digo que quero fazer girar dinheiro, fazer dinheiro entre o povo preto, eu falo sobre nós precisarmos falar sobre nossas lutas de irmão pra irmão. Quem sabe das nossas causas e frustrações melhor que nós?
Eu vou construir um império preto. Estou farta de ver gente que tem acesso e que tem estrutura subindo na vida. Não que eu torça pelo mal do homem branco. Só que eu torço ainda mais pela vitória de quem veio de onde eu vim, pois aqui tudo que nós conquistamos é com muito esforço e luta. A falta de acesso e de dinheiro nos faz dar valor aos mínimos detalhes, nos ensinou a torcer um pelo outro, sendo que estamos numa seleção para o mesmo cargo.
Quando digo mesmo cargo, não é de gerente e muito menos de uma vaga de emprego. Estou falando de reconhecimento e oportunidade. Quantos primos de vocês talentosos e inteligentes prestaram vestibular num assalto e se formaram ladrões? Quantos conhecidos músicos assinaram contrato de anos trancafiado numa cadeia? Quantas vezes nós vamos perder pessoas queridas, pessoas que admiramos, pessoas com potencial pro mercado branco? “Mercado branco” seria onde nós somos contratados para limpar, onde somos os coadjuvantes da nossa história.
Já que ao longo da minha infância eu não me sentia representada, acordei e decidi: eu vou me representar. Se depender de mim — e só depende de mim fazer isso –, do fotógrafo ao advogado, da costureira ao DJ, todos vão ser negros, como eu. E aí quando uma nova geração nos ver, diferente de mim, ela vai torcer para o preto e vai ver ele ser vitorioso. Vai se espelhar e acreditar: ele conseguiu, eu consigo. E é daí que a gente molda o futuro, como naquela frase do Mano Brown, da música “Vida é Desafio”: “como fazer duas vezes melhor se você está pelo menos cem vezes atrasado?”.
Na fala do Brown, quem está em desvantagem é o preto, mas não no meu império. Cem vezes atrasado tá quem ainda não abriu os olhos e entendeu que nós pretos estamos no poder, que somos protagonista da nossa luta e que vamos ser o que quisermos ser. Que nem o acesso, nem o dinheiro e muito menos a discriminação nos atrasará. Atrasado está o sistema, que é capitalista e que ainda acredita ser o senhor do engenho.
Original Favela é um brechó online comandado por Iris Ingrid e Anne Oliveira. Elas garimpam em brechós da periferia, lavam, consertam e vendem as peças online. Todos os modelos nas fotos tiradas pela Iris para divulgação do material são negros.
Colaboração: página Zumbi Vive
Para saber mais, siga @meiofio, @quelacrioula e @originalfavela
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