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    SXSW: Cássio Prates escreve sobre os highlights do festival, que focou em questões de diversidade
    SXSW: Cássio Prates escreve sobre os highlights do festival, que focou em questões de diversidade
    POR Redação

     

    Imagem geral do SXSW ©Reprodução

    Imagem geral do SXSW ©Reprodução

    Por * Cássio Prates, especial para o FFW

    Um aplicativo que dispunha de infinitas palestras, na maioria das vezes com horários e temas conflitantes, fazia com todos andassem pelo Austin Convention Center de cabeça baixa vidrados em seus celulares decidindo qual seria a próxima sala com uma grande novidade, um insight brilhante ou uma nova ideia pra ser implementada na semana seguinte.

    O SXSW, conhecido por sua dianteira em temas que se relacionam à tecnologia, completou 30 anos em 2017 com uma média de 80 mil pessoas que conflitava tênis alta aderência de marcas esportivas assinadas por designers famosos com flats de marcas de skate que apoiam bandas recém-nascidas, trouxe mais do que questões puramente envolvidas com tecnologia.

    Pra quem foi ao evento buscando o aplicativo do momento ou o futuro da realidade virtual, não foi dessa vez. Questões de diversidade e minoria foram o leitmotiv da edição.

    Em 2014, quase como uma resposta a um número crescente de entusiastas fashion buscando uma maneira de se reinventar no novo cenário mundial, a organização do SXSW criou o SXstyle. Nesse ano, o tema central era a convergência entre arte, moda e tecnologia. O evento aconteceu durante três dias em um prédio menor, um pouco deslocado e as palestras não foram muito diferentes: um pouco distantes de todas as questões mais importantes, digamos assim, da pauta atual. Salvo algumas boas exceções, a grande maioria das apresentações falou como converter comunidades de micro influenciadores em vendas, trazendo cases de aplicativos que misturam street style com produtos na vitrine. Nada muito novo, nada muito relevante naquele clima see now buy never.

    Não é novidade que todo mundo está desesperado por vender, que é coerente ter um site, um app, uma experiência que reverta [imediatamente] em vendas, afinal de contas estamos todos com a cabeça grudada no celular e, enquanto esperamos pela próxima palestra que nos apresentará a coqueluche do momento, adquirimos itens indispensáveis pra viver no Ebay, no Amazom ou no Net-a-Porter, conforme nossa conta bancária. Porém, enquanto a moda não enxergar a tecnologia como um meio invisível de estar conectado com questões do tempo não sei se muita coisa vai mudar. Acho que você já entendeu onde eu quero chegar, mas vamos aos bons exemplos.

    Falando de moda e tecnologia, o diretor do setor de inovação da London College of Arts, apresentou um modelo fashioneer, um novo formato de profissional híbrido que mistura qualidades de designer de moda e engenheiro, para que a moda não fique escondida em aparelhos tecnológicos, na sua maioria esquisitos. Na palestra, Matthew Drinkwater trouxe um modelo de raciocínio para criação baseado na tríade make, show, sell, onde junto com o processo de criação o designer deve pensar como a tecnologia pode auxiliar, sem que isso interfira esteticamente no resultado do produto, ultrapassando a questão dos wearables. Um dos exemplos citados foi a colaboração do designer inglês Adrien Sauvage com a Microsoft na criação de calças que carregam baterias de celular, em bolsos desenhados especialmente para o seu mobile. Uma mistura em que as duas áreas se somam de maneira simples e invisível.

    Nesse mesmo contexto, a Levi’s criou em parceria com o Google um jacquard que mistura fibras naturais com condutores tecnológicos. A jaqueta jeans funciona com um touch nas mangas onde você pode controlar seu celular pelo toque enquanto anda de bicicleta, por exemplo. A peça estava disponível para teste e será vendida a partir de setembro por US$ 350.

    Outro bom exemplo é o Empathy Lab, uma parceira entre o Refinary29 e a Columbia University para “prototipar” soluções que cultivem a empatia em setores político econômicos menos desenvolvidos, a partir do storytelling agregado a tecnologia. A Refinary29 é um exemplo desse playground visual em que tecnologia, criatividade e estilo andam juntos e impulsionam um crescimento exponencial de visibilidade e $$$, e o projeto parece ser um dos poucos que busca hackear novas formas de viver e de dar voz a minorias através do design. Eles trabalham com open tools e conteúdo aberto, vale a pena perder alguns minutos pesquisando a iniciativa.

    Também teve o momento hors concours do festival com Marc Jacobs falando sobre “O Estilista na era das redes sociais”. Marc fez um bate e volta até Austin em um jatinho particular e foi entrevistado pela diretora criativa digital da Vogue americana Sally Singer – usando um vestido de sua última coleção – e fez um discurso engraçadinho contando seus aprendizados e dificuldades com as redes sociais, afirmando ser um zero à esquerda em tudo que diz respeito a tecnologia. Criou sua conta no Instagram há dois anos e ainda tem algumas dificuldades com a ferramenta, vide a foto do seu traseiro que postou erroneamente quando a intenção era ser um direct. Essas limitações digitais se mostraram inversamente proporcionais a capacidade do estilista de engajar pessoas na sua rede pessoal, postando entre fotos dos seus cachorros e jantares com famosos, pontos de vista políticos, como a selfie com a camiseta da Hillary durante o período eleitoral. Sobre o quanto isso interfere na sua marca, Marc disse, “não gostou, pare de me seguir”. Simples assim.

    Mas voltando ao tema central do SXSW, as palestras que mais motivaram, engajaram e, por sua vez, geraram filas quilométricas foram as que conseguiram interagir tecnologia com temas importantes do ano.

    O festival parece ser uma realidade paralela, onde durante uma semana você se depara com uma cena cheia de robôs carinhosos, com casas e cidades inteligentes, data base que funciona e soluciona problemas, e uma realidade virtual de dar frio na barriga, que ninguém fala, mas ainda custa uma fortuna. Porém, nesse ano foi impossível, após poucas horas de sono mal dormidas, dezenas de café e uma tentativa irreal de controlar a ansiedade você não acordar, abrir sua programação do dia em meio a abas do navegador que noticiavam mais um absurdo que o presidente dos Estados Unidos havia assinado, falado (ou seria cuspido) e não mudar automaticamente o seu schedule.

    Os jovens americanos, uma parcela significativa do festival, se depararam com uma realidade nunca vista antes. Desde que tiveram entendimento de mundo, foram governados por Obama com todo seu discurso de direitos humanos e, de uma hora pra outra, sem ninguém acreditar, foram agraciados com o novo presidente Donald Trump.

    Esses jovens estão sem saber o que fazer. Muitos deles protestam, outros buscam aulas de culinária alternativa, numa tentativa de se isolar em algum lugar bem longe. Alguns apelam ao mindfulness. Todos estão tentando entender além das entrelinhas e talvez por isso essa temática fez tanto sentido para o festival.

    Temas que variavam entre aplicativos que descobriam notícias falsas publicadas pelo governo na era da pós verdade, a resposta das mulheres muçulmanas na mídia e os novos padrões de beleza como uma forma política, foram bem recorrentes. O Girls Lounge tinha fila “one in one out” na entrada. O lounge promovia um encontro de mulheres buscando igualdades no mercado de trabalho. Na missão do grupo, frases como “igualdade de sexos não é algo legal, mas sim um imperativo social e econômico”, faziam bastante sentido naquele espaço e naquele país.

    Jessica Shortall ©Reprodução

    Jessica Shortall ©Reprodução

    Jessica Shortall, líder do Texas Competes, um grupo de empresários que advoga pelos direitos LGBT, fez uma excelente apresentação falando como conseguiu provar através de database que estados homofóbicos geram menos negócios e não são favoráveis à economia, numa tentativa de tornar o Texas um lugar menos conservador. Militante para a aprovação da lei do banheiro sem gênero, Shortall abriu as portas para business que abraçam a causa LGBT como principal bandeira e enfatizou a necessidade de construir pontes com pessoas que têm crenças diferentes, de encontrar um terreno firme para enraizar argumento com dados e não somente pela emoção.

    Jill Soloway, criadora da série produzida pela Amazon “Transparent” (vencedora de dois Globos de Ouro e cinco Grammys), falou sobre ser uma diretora mulher, de como dirigir a indústria criativa está altamente atrelado à desejos e que esses desejos são podados ao sexo feminino durante a infância e adolescência. Jill falou que a jornada para acabar com o pensamento essencialista no que diz respeito a gêneros é começar a compreender o corpo e o espírito como agentes políticos no espaço: preencher esse espaço físico sendo você mesmo e liberando seus desejos é o que vai alavancar a revolução de gênero.

    Não muito distante desse universo, o arquiteto Michael Ford falou sobre hip hop atrelado à arquitetura e do seu projeto de construção do “Universal Hip Hop Museum” no Bronx, o que ele chama da primeira representação de arquitetura do hip hop no mundo. Segundo Michael, somente 4% dos arquitetos norte americanos são negros e não existe nenhuma representação da arquitetura afro no país, o que por si só já é um espécie de exclusão e xenofobia. O desafio do arquiteto é fazer com que a cidade reflita a sua diversidade criando espaços para que a comunidade negra e do hip hop possa interagir de uma forma mais humana e igual.

    E no meio de todos esses exemplos, a moda parece que pegou seu google glass, pode ser até aquele da DVF, e foi pra um outro lugar, meio irreal, meio projetivo, buscando vender, vender e vender através de estratégias efêmeras, cenários utópicos, tecnologia aparente e digital influencers que mais se parecem com robôs esquecidos de questões sociais, econômicas e psicológicas reais por entre os nossos celulares que, no final das contas, nos faz comprar ou não um produto.

    No ano que vem uma certeza: voltaremos ao festival ainda humanos, tentando encontrar uma solução para os problemas do mundo, que nada mais é — ou ao menos deveria — uma solução pra nós mesmos e, porque não, para nosso negócio.

    Que no próximo ano o google glass da moda não dê tela azul, que ela consiga enxergar mais nitidamente o que está acontecendo no mundo e usar o seu poder para transformar, como já estamos vendo nas últimas temporadas. Às vezes tentar estar muito na frente pode ser um grande atraso.

    Vale lembrar que o SXSW é um festival gigante, com uma infinidade de temas e essa é uma visão pessoal, a partir das pautas que escolhi acompanhar.

    * Cássio Prates trabalha no marketing da Melissa, onde também atua nas pesquisas de comportamento e moda.

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