Ronaldo Fraga com as modelos em Angola ©Patricia Araujo

Quando recebi o convite para desfilar no Angola Fashion Week, eu não pensei duas vezes: cancelei a agenda, pronto para tudo. E por alguns motivos. Primeiro porque o tema dessa coleção fala de Re-existência, que tem tudo a ver com esse país, que ainda tem marcas profundas da guerra civil. Outro motivo, um país de cultura e costumes tão próximos dos nossos, mas ao mesmo tempo muito distantes. E por fim, pensar que evento é esse, que organizadores são esses e pensar que num país em que tudo está para ser construído, construir uma semana de moda. Daí me agarrei na minha crença de que só a arte, e às vezes a moda, conseguem enxergar poesia em um terreno árido.

E entrar em Angola é entrar na África real. Cada rua que você atravessa te faz lembrar de uma cidade brasileira, uma situação brasileira. E nesta nova ordem mundial em que os problemas do outro deixou de ser o problema dos outros, pois hoje vivemos um conflito e um momento do mundo, é muito interessante, muito estimulante ter essa experiência. E por que não dizer inspirador? Encontrar com jovens, um país jovem onde os olhos deles ainda brilham por uma série de coisas pelas quais os nossos já não brilham mais. Então ver uma juventude sedenta por moda, uma juventude que, literalmente, em cada cabelo você vê uma sentença. Não é como no Brasil, em que existe um cabelo da moda e está todo mundo igual. Ou uma cor que está na moda e todo mundo igual. Aqui tem muito o que ser plantado. É um terreno fértil nesse sentido.

Reeditei o desfile que mostrei no SPFW. De 45 looks, apresentamos 29. Looks que trouxessem a síntese da pesquisa da coleção. Mas o melhor de tudo foi ter o casting mais lindo do mundo! O angolano é elegante, as angolanas são lindas, com um tom de pele, um brilho, um sorriso, um olhar… e um afeto em contraponto com os desmandos econômicos que o país vive. E isso foi muito bacana. Foi ver a inspiração, viver a inspiração voltando para o lugar que a inspirou. E ter a certeza de que no mundo em que vivemos somos todos refugiados.

Depoimento dado a Jackson Araujo