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    Conheça a história de Kiri Miyazaki, a estudante de moda que planta índigo japonês
    Kiri Miyazaki / Clara Zamith Cortesia
    Conheça a história de Kiri Miyazaki, a estudante de moda que planta índigo japonês
    POR Camila Yahn
    Kiri Miyazaki / Clara Zamith Cortesia

    Kiri Miyazaki / Clara Zamith Cortesia

    Fuçando pelo Instagram, me deparei com o perfil @filmeindigo, de uma menina que planta sementes de índigo japonês no quintal de sua casa para fazer tingimento natural.

    As fotos do perfil são bonitas e bucólicas e mostram um universo delicado, apaixonado e em contato com a natureza. E meio a imagens de plantações, estufas, experiências azuis e o dia a dia num sítio, há fotos que parecem um print de uma tela de filme, como a de um fusquinha chegando na fazenda ou a fazenda molhada através da janela do carro. Bem diferente do que a gente pensa quando imagina uma estudante de moda. Sim, a dona do perfil, Kiri Miyazaki, 29, está terminando a faculdade de moda na Belas Artes. Nada lá nas fotos dá essa dica, a não ser pelos potes com tinta azul e as roupas que ela tinge artesanalmente.

    O nome @filmeindigo é porque ela está finalizando um documentário que é o seu projeto de TCC. “Tingimento Natural com Índigo: da germinação à extração do pigmento azul” venceu um edital e recebeu financiamento do ProAC.

    Vamos voltar um pouco atrás porque a história da Indigo se mistura à história pessoal de Kiri. Filha mais velha de pai japonês, foi com sua família morar no Japão aos 17 anos, no ano em que deveria entrar na faculdade aqui no Brasil. Por mais que ir ao Japão possa parecer um sonho para muitos de nós, Kiri sempre gostou de estudar e seu sonho naquele momento era entrar na faculdade. Lá, teve que interromper os estudos porque seu japonês não estava fluente e precisou trabalhar. “Trabalhei dentro de uma fábrica de eletrônicos montando celular”, diz. E a gente sabe como é no Japão: Kiri ralou pra caramba, mas seu esforço era recompensado. “Lá, por mais que você seja operário, vive com dignidade”, disse em uma conversa por Skype.

    A família retornou três anos mais tarde, mas Kiri voltou com sentimentos cruzados em relação ao Japão. Não era aquele Japão das fábricas de celular que ela queria ter vivenciado. Logo mais voltaremos a esse assunto.

    Kiri no Japão em foto da irmã Karol Miyazaki

    Kiri no Japão em foto da irmã Karol Miyazaki

    Quando precisou escolher uma faculdade, escolheu moda e entrou na Belas Artes. “A moda tem essa coisa de vilã, essa carga de ser superficial. Então demorei para aceitar que queria fazer isso. Eu gosto da parte da reflexão, não só da roupa. Gosto de pensar”.

    Foi em uma aula de superfície têxtil com a professora japonesa Mitiko Kodaira que ela teve sua primeira experiência com tingimento natural. Tinha interesse em descobrir formas diferentes de tingir, usando plantas, e fez seu primeiro teste com açafrão. “Foi quando eu comecei a descobrir o que gostava numa roupa, a aparência que eu gostava em um tecido e também a entender que eu queria seguir esse caminho mais natural. Gosto de usar ingredientes naturais que não agridam o meio ambiente”.

    Em 2014, Kiri começou a estudar tingimento natural. Fez o primeiro curso aberto de Flavia Aranha, a quem ela chama de orientadora. “Ela me ensinou sobre o mundo do tingimento com plantas. Uma mulher de extrema sensibilidade e que sempre ouviu minhas histórias”. E foi em outro curso com a estilista que Kiri teve seu primeiro contato com tingimento com índigo. Passou a estudar sobre o assunto e viu que dentro da sua própria história havia uma conexão com esse ofício. Descobriu uma fazenda na região de Tokushima, no Japão, que plantava e fazia todo o processo de tingimento. E lá foi ela fazer um curso de 30 dias. “Voltei transformada porque voltei com um projeto de vida”.

    De volta ao Brasil, fez vários experimentos e levou seis meses para conseguir germinar as sementes de índigo japonês. “Aqui temos outro solo e outras condições climáticas. Não tenho nenhum repertório de agronomia, então vou atrás de quem pode me ensinar”.

    Iniciou uma plantação em Juquitiba, mas teve problemas com o solo. “Além dele estar pobre pois nada é cultivado faz muito tempo no local, tivemos infestação de formigas cortadeiras que destruiu por três vezes nosso transplante e como não usamos nenhum veneno em respeito a nossas crenças de cultivo orgânico decidimos diminuir a quantidade”. E trouxe tudo para o quintal de sua casa em São Paulo. “Tenho 16 vasos de quase 100 quilos no meu quintal”.

    E hoje o seu mundo gira em torno dessa plantação, já que o índigo japonês exige uma dedicação diária. Existem várias espécies de índigo (no Brasil há três delas, segundo Kiri), mas na espécie japonesa, o processo de extração é diferente e vem acompanhado de um ritual: de plantar até você ter o composto, o processo leva um ano. “É uma coisa linda, é de uma paciência oriental mesmo”, ri. “Imagina viver nessa sociedade que a gente vive hoje e fazer uma coisa que leva um ano do começo ao fim”.

    Depois de colocar as sementes em uma sementeira com terra, deixa por um mês dentro da estufa e só então transplanta pro chão. Daí, surge a folha de onde você tira o pigmento azul. A partir do momento que você colhe a folha, ela entra num processo de fermentação de 120 dias e só então fica pronta para uso. O material orgânico que resulta se chama Sukumo e é o índigo fermentado pronto para fazer a mistura do tingimento.

    Foto: Clara Zamith / Cortesia

    Foto: Clara Zamith / Cortesia

    Sobre a questão do tingimento artificial nas grandes empresas, ela explica: “o índigo natural pode ser usado em maquinário industrial de tingimento para larga escala, mas a empresa teria que assumir que nunca um azul iria ficar igual ao outro. E isso é difícil dentro de uma grande empresa. Você pode fazer tudo exatamente da mesma maneira, mas ele não vai sair igual”.

    E qual seu objetivo final?, eu pergunto. Imaginei que ela pudesse lançar uma linha só com produtos tingidos manualmente, mas a resposta dela foi: ensino e pesquisa. No segundo semestre Kiri inicia o mestrado sobre tingimento natural e deve transformar sua pesquisa em um livro com uma linguagem mais acessível. “Quero que seja um conhecimento compartilhado e que não seja esquecível. Estou até buscando uma casa maior para aumentar a plantação e poder oferecer o índigo para outros artistas e profissionais”.

    Aqui você pode assistir ao teaser do curta que, segundo Kiri, “é um documentário poético que dissemina a informação, mas também é um tratado de paz com meus ancestrais”. Ou também, por que não, uma história de amor.

    Tingimento Natural com Índigo: da germinação à extração do pigmento azul tem direção executiva de Amanda Cuesta e direção de fotografia de Clara Zamith, que também assina as fotos desta matéria.

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