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    FFW #43: Com humor sarcástico, a artista Chloe Wise tomou a arte e o Instagram de assalto 
    FFW #43: Com humor sarcástico, a artista Chloe Wise tomou a arte e o Instagram de assalto 
    POR Redação

    Por Luísa Graça

    “Todas as pizzas que experimentei numa viagem recente à Nápoles estavam incríveis e mudaram minha vida”, atesta Chloe Wise. Pode parecer estupidez introduzir uma artista plástica com uma frase sobre pizza, mas no caso de Wise há algum sentido. Foi com uma escultura de um bagel em forma de bolsa da Chanel que a artista canadense confundiu (ou trollou) numa tacada só a imprensa e o povo da arte e da moda logo que a amiga India Menuez apareceu vestindo a tal Bagel No. 5 num jantar da marca, em 2014. A piada, que satirizava o absurdo do desejo de consumo e do marketing de moda na cultura popular, viralizou no Instagram e teve o efeito que Chloe queria: jornalistas escreveram matérias online “revelando” a nova criação da maison francesa e fashionistas logo manifestaram obsessão pela it-bag, comprovando sua ideia de que tendências surgem arbitrariamente. A peça fazia parte de uma série de versões “carboidratadas” de bolsas Louis Vuitton, Prada, Moschino, todas feitas em uretano.

    Queijos, manteiga, frutas, vegetais e leite são também coadjuvantes para as mulheres que protagonizam suas pinturas à óleo, como as que compõem sua mostra solo mais recente, Of False Beaches and Butter Money, exibida em outubro deste ano na Galeria Almine Rech, em Paris. “O uso de comida no meu trabalho é um banquete abundante: mas são as mulheres ou a comida o banquete?”, comenta, espirituosa. As mulheres retratadas, aliás, são geralmente suas amigas, como as modelos Hari Nef e Lily McMenamy.

    Através de pinturas reminiscentes do classicismo, vídeos satíricos, esculturas e instalações, Chloe explora ideias como consumismo e fetichismo e as representações estereotipadas do corpo feminino na história da arte e na mídia, brincando justamente com o simbolismo e a linguagem da publicidade, onde tudo é colorido e acetinado. “Eu busco desmantelar a banalidade e ao mesmo tempo celebrar o humor e a beleza no ciclo de tendências que pertence à moda, à comida e à mídia mainstream”, declarou recentemente.

    O tom é sempre sardônico e um tanto autodepreciativo, o que ajudou a catapulta-la rapidamente ao status de estrela artsy do Instagram e queridinha da moda e simultaneamente a tornou um nome promissor na arte contemporânea, com exposições em Nova York, Genebra, Paris e Montreal, sua cidade natal, e participações em feiras de arte como Frieze London e Art Basel Miami. Ela compara seu tipo de humor ao de um comediante judeu e branco: tradicionalmente auto-reflexivo e, portanto, de fácil conexão com o público – “é humor millenial”, diz, do alto de seus 26 anos.

    Apesar do sucesso repentino (ou por causa dele), há quem ainda esnobe o trabalho da canadense, hoje baseada em Nova York. “As mulheres têm dificuldade em serem levadas a sério quando se envolvem com moda ou mídias sociais”, comentou em entrevista à New York Magazine. “As pessoas se sentem inseguras com aquilo que coexiste. Mas coisas podem coexistir. Mulheres podem ser inteligentes e ativas sexualmente. Mulheres podem ser engraçadas e levadas a sério”.

    Em Wise, coexistem o interesse por Karl Marx e sua teoria sobre fetichismo da mercadoria, gatos siameses, receitas de como cozinhar abóbora; influências como a arte de pintores à la John Singer Sargent, John William Waterhouse e Lucien Freud e o programa de esquetes Tim and Eric Awesome Show, Great Job!; discursos articulados sobre os paradoxos da febre da alimentação saudável entregues numa fala rápida e linguajar meio afetado, como o das garotas do Vale californiano. Que os “babacas acadêmicos” torçam o nariz o quanto quiserem, ela não pretende ser mais discreta nem menos trendy.

    Durante uma semana estressante em que o deadline para as pinturas que vai exibir na próxima Art Basel, em Miami, apertava, Chloe falou à FFW sobre misoginia, humor como resistência e, claro, comida.

    Você pinta e desenha desde pequena. Sentiu-se intimidada em divulgar seu trabalho em algum momento? Uma das coisas interessantes sobre a prática artística é que você tem de encarar o medo de ser um artista ruim para poder ser bom.

    Concordo com isso. Eu tinha um preciosismo com relação ao trabalho que eu lançava. Acho que tinha medo de falhar, medo de ser julgada. Mas uma vez que comecei a divulgar trabalhos que dialogavam com essa insegurança, obras que incluíam um lado autodepreciativo, isso tornou-se catártico de alguma maneira. E agora eu teria medo de não lançar meus trabalhos! Divulgar coisas que parecem inacabadas ou vulneráveis soa como um convite a uma conversa em que o espectador pode explorar essas imperfeições. E eu acho que isso pode ser muito bonito e engraçado.

    Seu trabalho incorpora pintura, escultura e vídeo. Como você aborda todas essas plataformas?

    Elas estão todas interconectadas, minha abordagem é bastante similar. Tenho uma estética figurativa e um senso de humor muito literal e isso parece visível no meu trabalho. Acho que os mesmos pensamentos e ideias são explorados, eles apenas tomam formas diferentes. Por exemplo, meus trabalhos em vídeo e esculturas são extremamente parecidos no sentido de que há elemento cômico em ambos, a ponto de você se perguntar se o que você está vendo é real. Além disso, acho que há um elemento que ecoa a natureza rítmica e imagética da publicidade que também tem a ver com a composição das minhas pinturas. Todas essas mídias informam uma a outra e estão em diálogo constante com a minha prática.

    Gostamos muito da brincadeira com significantes de moda e, especialmente, comida que existe no seu trabalho. O que te atrai a essa ideia?

    Comida, assim como flores e joias, sempre fizeram parte do discurso da pintura de retrato e natureza morta. Todo o meu trabalho faz referência à história da arte assim como à moda e publicidade contemporânea. Eu penso muito sobre como objetos são sexualizados pela mídia. Comida é algo que, definitivamente, pode ser sexualizado e as propagandas de comida geralmente usam as mesmas táticas da moda e da indústria pornográfica. E muitos alimentos carregam conotações de gênero, eu sempre volto a isso. Mas também procuro olhar para o simbolismo de ideias como fertilidade e abundância e a maneira que a comida era usada para representar luxo e status na era de ouro da pintura de natureza morta holandesa.

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    E, com isso, você acaba tateando também ideias como o olhar masculino e a exploração da sexualidade feminina na mídia. Acha que conforme falamos mais sobre essas questões, caminhamos pra sair desse ciclo?

    Eu certamente tenho esperança nisso! Acho que quanto mais a gente se juntar em solidariedade, mais vozes serão ouvidas e mais difícil vai ser ignorar essa narrativa. Começa com o indivíduo e se a gente conseguir comunicar essas ideias num nível mais fundamental, de pessoa para pessoa, talvez a gente consiga uma mudança significativa. O fato de a gente ter um presidente tão desastroso atualmente tem ajudado a mostrar a verdadeira natureza da misoginia desmedida que está enraizada na nossa cultura e essa exposição pode levar a gente adiante, eu espero.

    De que maneira isso dialoga com a representação feminina no seu trabalho? Você pensa em “empoderamento” quando retrata mulheres?

    Sabe, eu detesto a palavra “empoderamento” porque as marcas usam isso para vender qualquer coisa para mulheres. “Batom é empoderador! Não usar batom é empoderador! Salto é empoderador!” Vai se foder! A gente pode fazer o que quiser e acho que só vai existir empoderamento verdadeiro quando pararmos de precisar de justificativas para dizer, pensar, sentir, vestir ou fazer o que a gente quiser. Não precisamos de permissão de homens pra isso. Acho que estamos a caminho de mudar algo, mas precisamos conversar sobre essas coisas pra chegar a algum lugar. As mídias sociais são muito mais democráticas do que o sistema de galerias que, obviamente, privilegia homens em detrimento de mulheres e grupos de minoria. Porque temos acesso a esses canais e também a um público, é importante usar essas plataformas pra se engajar em diálogos sobre como mulheres e pessoas não-binárias são tratadas. Quanto mais a gente se expressar, contar nossas histórias e dividir nossos pontos de vista, menos seremos silenciadas.

    Para além desse aspecto democrático, como você enxerga as redes sociais enquanto ferramenta para exposição de artistas hoje?

    A Internet, o Instagram e outras plataformas se tornaram uma extensão normal do nosso modo de consumir imagens e, consequentemente, interagir com arte em nosso contexto social contemporâneo. Favorecer a visibilidade da arte apenas a experiências numa galeria exclui a grande maioria das pessoas que não podem ver o trabalho pessoalmente. É claro que a experiência real é muito mais intensa e eu, aliás, acho que meu trabalho é totalmente diferente pessoalmente, mas o fato de que a maior parte do público interage online com arte, fotografia, música, noticiário ou o que for, torna importante que eu considere esse aspecto quando compartilho meu trabalho. Eu o compartilho porque isso convida um público mais abrangente e eu quero trazer mais gente para esses diálogos.

    Humor é outro aspecto importante no seu trabalho.

    Muito!

    Que tipo de humor você gosta?

    Muita coisa me faz rir. Quando existe um esforço muito grande em ser engraçado, não funciona, mas eu geralmente sou atraída por humor exagerado e de mau gosto.

    Você diria que humor é uma forma de resistência?

    Certamente é uma forma poderosa de resistência e sátira é uma ferramenta antiguíssima para desmantelar sistemas e manifestações de opressão. Humor pode servir como espelho para você se enxergar, ele revela o que outros métodos não conseguem.

    O humor também permite que um trabalho seja crítico sem que soe pretensioso, o que é um grande trunfo seu. Você não parece se colocar num pedestal para questionar as ideias que questiona. A que você atribui isso?

    Eu tendo a satirizar coisas, movimentos, zeitgeists dos quais eu participo. Acho que seria professional e inútil satirizar movimentos dos quais não faço parte. Todo meu trabalho explora e critica minha própria persona, meu lugar como consumidora, como artista, os estereótipos ligados à minha participação em determinado contexto.

    O que você almeja alcançar com a sua arte?

    Dominação mundial!

    Texto originalmente publicado na revista FFW #43, à venda em bancas e livrarias no Brasil e disponível também online.

    + Tudo sobre a FFW #43 aqui

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