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    “FFWMAG” 39: Giovanni Bianco fala sobre trabalho, Madonna e o “drama” das novas mídias
    “FFWMAG” 39: Giovanni Bianco fala sobre trabalho, Madonna e o “drama” das novas mídias
    POR Camila Yahn
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    Giovanni Bianco ©Alex Batista

    “Meu trabalho é vender”, diz Giovanni Bianco na lata. De fato, o equilíbrio entre elegância, inovação e fácil compreensão é a receita mágica deste diretor de arte carioca que conquistou o Mundo da moda, com letra maiúscula mesmo.

    Giovanni é um furacão, enérgico, pensa rápido, fala rápido. Não gosta de ouvir a mesma coisa duas vezes nem de repetir algo já dito antes. “O que você quer saber sobre minha vida que já não sabe?”, pergunta. O ponto é que escutar as histórias de Giovanni de sua própria boca tem outro sabor.

    Do escritório dele, a GB65, na ultracompetitiva Nova York, ele atende marcas como Versace e Miu Miu. No Brasil, entre as campanhas mais conhecidas estão as da Arezzo, que reinventam a imagem das atrizes das novelas das 9.

    A conversa aconteceu no apartamento de Giovanni em São Paulo, em um prédio projetado por Paulo Mendes da Rocha – ele acaba de se mudar para novo endereço, este assinado pelo arquiteto e amigo Isay Weinfeld. Giovanni começa a entrevista sentado, mas logo está de pé, falando também com as mãos, e assim permanece até o fim. Entre muitas histórias, comenta sua relação com Miuccia, Donatella e Madonna, fala sobre o timing enlouquecedor da moda hoje, do “momento ridículo” das redes sociais, da falta de bons diretores de arte no Brasil e da infância humilde e italianíssima em Santa Teresa, no Rio.

    Esse é o enredo de vida de um leonino que não aguentou esperar e nasceu na porta do hospital. Criança que trabalhava na feira; jovem carioca que queria ser artista; brasileiro que cavou seu espaço na elite mundial da moda. Giovanni entra com o pé na porta e talvez seja mesmo seu entusiasmo e sua coragem, mais do que qualquer outra coisa, que façam dele um dos diretores criativos mais incensados da atualidade.

    Como foi sua infância e sua relação com a família?

    Sou filho de pais italianos, que se conheceram em Santa Teresa, no Rio. Fiquei lá até ir para Milão, aos 23 anos. Meu pai era feirante e minha mãe trabalhava em uma fábrica de macarrão. Nas horas das refeições, minha família se reunia para discutir os problemas. Normalmente, aos berros. (risos) Não tive uma base cultural, e a educação dos meus pais era na base da porrada. Não tenho vergonha de dizer: minha mãe deixava a colher de pau na água fervendo para me bater. Era a maneira dela de dar limite e amor.

    Você chegou a trabalhar na feira com seu pai?

    A feira me moldou muito. Comecei a ir com 5 anos. Aprendi a me relacionar, a conhecer o jogo de sedução entre venda e compra. Meu pai falava que eu era muito preguiçoso, porque chegava e sentava no caixote. E ele dizia que não se podia ser um bom feirante sentado. Eu também tinha uma coisa cromática muito louca com as frutas. (risos)

    Quando a moda entrou na sua vida?

    Foi em 1993, com a Dolce & Gabbana. Em Milão, pelos primeiros cinco anos, o meu único contato de moda era a Piera Paula, que era uma modelo famosa na época [hoje Piera é o braço direito de Giovanni no Brasil]. Eu era pobre e comia na casa dela. Fazia catálogo para galeria, logos e não sabia a diferença entre Armani e Versace. Achava que era artista e que moda era algo superficial. Então conheci o Stefano Gabbana e o Domenico Dolce em uma festa e eles perguntaram se eu queria fazer um trabalho para a D&G. Logo depois peguei Dsquared2 e Max Mara.

    Você construiu um negócio bem-sucedido em Milão. Por que mudou para Nova York?

    Eu já estava muito bem em Milão, mas tinha 30 e poucos anos e se não fosse para Nova York naquela época, não iria mais. Largar tudo em Milão e ir embora para Nova York com a cara e a coragem não é fácil. Mas queria novos desafios e que meu trabalho fosse mais global. E eu não falava nada de inglês. Já não consigo flexionar nada no plural nem no português, imagina no inglês. Hoje falo tudo errado, mas falo. E só fui ter problemas com isso agora, aos 50 anos. A primeira pergunta que a pessoa faz hoje quando ouve meu inglês é: “Há quantos anos você mora em Nova York?”. Então tenho me apresentado ultimamente assim: “Sou o Giovanni, sou disléxico e cometo erros em inglês”. (risos)

    E como é o dia a dia trabalhando com os melhores profissionais do mundo em Nova York sem falar a língua direito?

    O Steven Klein me faz uma pergunta e tem dia que sai tudo direito. Em outros, coloco dez palavras em italiano no meio. (risos) Mas, olha, sempre trabalhei internacionalmente. Até seminário no Japão eu já dei, falando qualquer língua. Encontro métodos para explicar meu trabalho, isso nunca foi problema para mim.

    Como define sua profissão? E como é o seu trabalho? Você ainda diagrama no computador?

    Falam que eu sou um diretor criativo, mas trabalho com comunicação visual. Há uns dez anos não sento no computador e é a maior tristeza da minha vida. Quando comecei a trabalhar nem existia computador, então tenho facilidade de sentar, passar o briefing e acompanhar. Meu trabalho hoje é o da pessoa que contextualiza. Tenho facilidade de olhar 360 graus, ver onde aquilo vai atingir, para quem etc. Quando era pobre, fazia tudo sozinho e era sempre o mais rápido para terminar layouts. Hoje, tenho que me preocupar com a ideia. Cada vez mais sou administrador, cuido de uma área burocrática, faço reunião com contador, agente, cliente… O trabalho de criar representa 40%; o resto é apagar fogo.

    Qual tipo de trabalho dá gosto fazer?

    Os sem limite de budget, como o catálogo da Miu Miu, que é “o” sonho. Daí ninguém toca. Em quatro horas eu mato o que um assistente levaria uma semana para executar.

    E como é trabalhar com você? Sua fama é a de que você é um cara difícil e temperamental.

    Sou difícil, porém divertido. Só rola drama com as pessoas não profissionais que tentam usar o lema “se colar, colou”. Comigo não cola.

    Qual é o nível dos diretores de arte no Brasil? Por que há poucos bons profissionais voltados para a moda?

    Faltam oportunidades de veículos e clientes. Eu me tornei bom por ter tido tantas oportunidades. Temos bons profissionais em potencial, mas poucas revistas e poucos clientes de moda. E também falta iniciativa dos novos talentos, ter coragem, ir para o mundo. Eu fui para a Europa sem dinheiro, dormi na estação de trem; estava disposto a ralar. Não sei o quanto as pessoas têm de disposição hoje para isso.

    O Photoshop é usado em excesso nos dias de hoje. Quando você acha que ele é necessário?

    Ele é um retrato do mundo em que estamos vivendo. A vida das pessoas não é sem Photoshop. As mulheres saem maquiadas, fazem botox. É um reflexo da sociedade atual. Duvido que alguém, hoje, queira fazer uma foto e optar por aparecer ao natural, com rugas ou outras marcas.

    Os grandes grupos de moda mudaram totalmente o mercado. O foco no lucro e no crescimento limitou de alguma forma a criação de campanhas e imagens de moda?

    Totalmente. A ideia criativa em si virou 20% do trabalho.

    Isso quer dizer que a qualidade caiu de certa forma?

    Caiu. Não tenho mais tempo para pensar. Antes tínhamos quatro semanas pra entregar um trabalho. Hoje o timing é desumano, o cliente quer sair da foto já com o layout, com o logo dele aplicado, tudo pronto. É tudo para amanhã. Mas eu aplico minha energia, vou à loucura. Sofro e gasto muito tempo porque acredito que a qualidade do trabalho é fundamental. Sou loucamente perfeccionista, então acho que sempre poderia ser melhor. Pode ser o pior trabalho do mundo, mas faço como se fosse a capa do disco da Madonna. Tento me superar e fazer tudo no meu limite, e mesmo assim ainda fico com dúvidas. Entende agora por que me acham difícil?

    Falando em Madonna, como surgiu essa parceria?

    Foi uma questão de estar no lugar certo na hora certa e ter o bumbum virado para a Lua. Fui para Los Angeles fazer um trabalho com Steven Klein e Brad Pitt – que acabou atrasando – e o Klein falou: “Amanhã vou fotografar uma amiga minha, você pode me ajudar?”. Ele queria me testar e ver se eu ficava mais tempo na cidade apenas por ele. E a amiga era a Madonna! Daí fizemos as fotos de divulgação da Re-Invention Tour.

    Como é trabalhar com ela, até onde ela interfere e até onde você pode criar?

    Hoje tenho liberdade para falar qualquer coisa, mas a colega decide tudo, tem um controle absurdo. A Madonna era tão importante na minha geração… Sou fã até hoje, e ela sabe disso. Mas sabe também que sou superprofissional. Criamos uma relação, e a amizade foi consequência.

    O que você aprendeu com ela?

    A Madonna é inacreditável. Quer fazer algo que vai ser um sucesso? Então faça, refaça. Olhe e faça de novo. Reveja. Não se acomode. Isso quer dizer: trabalhe duro. Ela é uma máquina, ela dá o sangue. E é no que eu acredito também. É árduo, ninguém nasce genial, a genialidade está no quanto você usa sua máquina de trabalho.

    Você também trabalha muito com outras duas mulheres fortes, Miuccia Prada e Donatella Versace.

    Miuccia é superformal, o oposto da Donatella, que te bota no colo. Aprendi muito trabalhando para Prada e Miu Miu. Tenho uma coisa muito latina, de ser amigo logo, e isso não existe com a Miuccia. Não é que seja esnobe, é algo cultural; os italianos do norte não são nada latinos. Existem o mundo físico e o jurídico, e a Miuccia deixa isso bem claro. Com a Donatella, antes de começar a trabalhar, você já está amigo. Já em um trabalho com a Zegna, sento numa mesa enorme com 400 executivos de terno e gravata e a moda é o que menos conta. Tenho que ir de camisa e blazer, parece que é uma reunião de banco. Com a Donatella vou até de chinelo.

    Muitos profissionais postam no Instagram fotos de clientes famosas, mas você não faz isso.

    Não tiro proveito de nada disso. Não tento ficar amigo das pessoas para conseguir as coisas. Tem que acontecer naturalmente, se tiver que acontecer. Tenho foto com centenas de artistas e não posto nada. Tem imagens minhas com a Rihanna que poderia postar, mas para que vou botar essa foto? Consigo as coisas com a qualidade do meu trabalho.

    As pessoas te cobram isso?

    Eu sei o meu papel no jogo, o quanto o social é importante, mas cuido da minha vida. Sei de onde eu vim, só consegui ter sucesso por causa da qualidade do meu trabalho. Mas não sou idiota. Meus clientes quase me obrigam a ter muitos followers no Instagram. De vez em quando tenho que fazer uma selfie porque ganho mais seguidores com isso. É um momento ridículo esse.

    A internet e as redes sociais provocaram uma enorme mudança no nosso mercado e na maneira como as pessoas se relacionam.

    A internet criou uma geração preguiçosa. Hoje você tem tudo muito fácil. Todo mundo opina sobre tudo, é irritante. Antes você tinha que ser estudioso, compenetrado e com vontade pra saber das novidades. Hoje não precisa fazer esforço algum.

    Certamente as novas mídias aumentaram seu volume de trabalho.

    Com certeza. O drama é que cada dia, em vez de eu fazer uma coisa bem-feita, tenho que trabalhar dez vezes mais ganhando dez vezes menos; tenho que ficar pensando no que vai ser a próxima merda, porque se eu não for atento, o cliente vai achar que sou velho. Por isso só tenho jovem trabalhando comigo, quero a energia deles.

    Trechos da entrevista concedida originalmente para a “FFWMAG” 39. Para ler na íntegra, a revista está disponível em bancas e livrarias e também através dos sites FFWSHOP e Livraria Cultura.

    + “FFWMAG” 39: Erika Palomino fala sobre novo momento, moda e blogs

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