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    Flip
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    POR Camila Yahn

    Mauro Munhoz em sua casa em São Paulo, projetada pelos arquitetos da MetroArq ©Juliana Knobel/FFW

    A Festa Literária Internacional de Paraty – Flip -, evento que reúne autores nacionais e internacionais em palestras e mesas de discussão, acontece todos os anos por volta do mês de julho na orla da cidade fluminense de Paraty, no estado do Rio de Janeiro. Mas engana-se quem pensa que a Flip é um festival de livros. Mauro Munhoz, arquiteto e diretor-presidente da Associação Casa Azul, a ONG responsável pela organização da Flip, corrige: “A Flip é um projeto educacional que decorre ao longo do ano e o evento é só a ponta do iceberg”. Um iceberg que vem crescendo e servindo de inspiração e motivação para a continuação do projeto social que a Casa Azul desenvolve na cidade. Este ano, o evento acontece entre os dias 4 e 8 de julho e o autor homenageado é o poeta e cronista brasileiro Carlos Drummond de Andrade.

    Mauro é envolvido com Paraty desde criança, época em que passava férias na casa do seu tio; em 2003, foi responsável pela surpreendente primeira edição da Flip, juntamente com a editora inglesa Liz Calder, o escritor e navegador Amyr Klink e o também escritor e editor Luiz Schwarcz. A eloquência em pessoa, o diretor explicou como um projeto de revitalização urbanística pode resultar em um evento literário de tamanha proporção que comemora a sua décima edição este ano, com uma programação de peso.

    A Flip vista de noite ©Reprodução

    Veja aqui a entrevista completa:

    Como surgiu a Flip?  

    A Flip surgiu de muitos caminhos, muitas variáveis. Eu sou um arquiteto urbanista e comecei fazendo um trabalho em Paraty, uma escola de capacitação das pessoas da cidade, nas artes e nos ofícios do mar, que chamava Escola do Mar. Quem estava liderando esse processo era o Amyr Klink. Para mim, era uma oportunidade de fazer uma arquitetura que fosse além das questões da arquitetura privada. Era um empreendimento privado do Amyr, mas que mexia com interesse público, e isso me interessava muito. Para desenvolver esse projeto eu precisei estudar o entorno de Paraty, suas circunstâncias culturais e naturais. Esse estudo me fez ver uma coisa que intuitivamente eu já sabia, porque frequento Paraty desde a infância e conheci a cidade em uma época muito interessante, final dos anos 60/início dos 70, e me envolvi muito com o lugar. Voltei para a faculdade de arquitetura e transformei aquele projeto em uma dissertação de mestrado, na USP. Em paralelo, comecei a construir uma série de relações, protocolos de intenção, e criar uma possibilidade de fazer uma coisa que já não era uma escola de capacitação de mão de obra, mas sim um projeto urbano de requalificação dos espaços de uso coletivo que ficam em contato com a água, seja dos rios ou do mar em Paraty. E esse é o projeto que de certa forma foi um dos movimentos importantes para a festa literária.

    Como foi a transição do projeto de requalificação dos espaços para um projeto cultural?

    Comecei então a fazer uma série de reuniões com as associações de moradores e percebi que essas pessoas tinham uma certa ambiguidade no seu relacionamento com essa visão de futuro que eu tinha. Apesar de acharem oportuna, certa e interessante essa ideia, elas tinham dúvida se isso era uma coisa viável. Ficamos nesse beco sem saída: o projeto só iria para a frente se o morador se apropriasse do projeto e ele só iria se apropriar do projeto se tivesse a certeza que ele ia para a frente? E como sai disso? É desse beco sem saída que sai a Flip (risos).

    Em uma dessas reuniões tinha um consultor francês, especialista em 3º setor, que falou o seguinte: “Só tem uma saída: você tem que transformar isso em uma bola de tênis que o morador daqui possa também jogar no chão e ver que pula, que tá vivo. Você tem que fazer um outro projeto que tenha a mesma visão de mundo, a mesma filosofia, só que diferente de um projeto de infraestrutura urbana, que demanda prazo de 20 anos e quantidades de recurso muito grandes. Normalmente isso acontece na área da cultura”. Isso ficou na minha cabeça. Coincidentemente, o Amyr me apresentou a Liz Calder que conhecia modelos de festivais de literatura revolucionários e diferentes, que não eram baseados no mercado no livro, eram baseados na literatura.

    O centro histórico de Paraty ©Reprodução

    E por que a literatura?

    A literatura é uma coisa muito interessante. O que falta na questão da arquitetura e urbanismo é que as pessoas entendam que arquitetura e urbanismo pressupõem uma dimensão cultural e artística. E se você for ver, a arte na sua dimensão cultural mais essencial é a literatura. Ela existe em todas as artes. Você vai fazer um filme, você começa escrevendo um roteiro. O desenho da cidade é feito com letras, a legislação urbana é literatura. Específica, mas é literatura. Então era interessante a gente conseguir fazer uma transformação fundamental na vida da cidade usando a força da arte e da cultura.

    Em que sentido a Flip revitalizou a cidade?

    Sabe qual é o maior problema econômico de Paraty? Baixa estação. Paraty era inviável economicamente antes da Flip. Era impossível você ter uma cadeia produtiva dimensionada para a o verão, e ficar “às moscas” até ao próximo verão. Paraty ia entrar em um processo de decadência: a ideia de você dinamizar a economia promovendo que as pessoas tenham segunda residência no teu município é uma estratégia para acabar com o município. Não existe futuro possível para Paraty se tiver essa sazonalidade que gera a baixa estação. Então pensamos em gerar uma atividade no “fundo do poço econômico”, em julho. Hoje entra mais dinheiro na cidade nos cinco dias da Flip do que no Réveillon e no Carnaval juntos. A Flip conseguiu criar uma estabilidade econômica para o município.

    Como a Flip interage com a cultura de Paraty?

    É com uma visão de mundo a longo prazo, por meio da educação e da cultura. Desde a primeira Flip temos um programa de incentivo à cultura permanente, que trabalha com todas as escolas de Paraty. Para essa mudança de paradigma começamos a trabalhar com a geração que tinha sete anos na época. Hoje, esses meninos têm 17 anos e estão envolvidos com a Flip. A gente tem projetos como a Flipinha e a FlipZona, que trabalham com crianças e jovens durante todo o ano em oficinas de capacitação profissional como as que temos agora de cenografia e cenário. A ideia é pegar as crianças, os jovens e os adultos e criar um envolvimento com essa economia criativa relacionada ao turismo cultural, que é um turismo mais sustentável.

    Quais as diferenças entre a primeira edição da Flip e esta, que é a décima?

    A primeira Flip é um caso emblemático. Foi uma surpresa. O mais bonito foi ver alguns paratienses mais velhos comentando que durante esses dias da Flip, em 2003, Paraty reviveu o universo dos anos 60 e 70, quando era completamente isolada das rotas econômicas, e frequentada por intelectuais e artistas. De lá para cá Paraty cresceu e se descaracterizou muito. Tem um grande parceiro nosso, paratiense, chamado Luis Perequê. Ele é musico e tem uma instituição que chama Silo Cultural Jose Kleber e um conceito interessante que chama “defeso cultural”, com o qual a Flip se identifica muito. Defeso na pesca é quando você deixa de pescar porque o camarão ou o peixe estão se reproduzindo. Se todo o mundo respeitar, e esperar, todo o mundo também vai ter mais recursos no futuro. O Perequê fala que a gente também precisa pensar no “defeso” para Paraty. Hoje, Paraty está explorando o turismo com muitos eventos que não precisa. O turismo que fica o ano inteiro pode tornar-se uma coisa predatória. Ele destrói aquilo que ele atrai.

    Carlos Drummond de Andrade, autor homenageado nesta edição da Flip ©Reprodução

    Como vê a relação do Brasil com a literatura?

    O número de livros por habitante no Brasil está crescendo muito mais do que na Europa. Não só do ponto de vista do mercado, mas do impacto que isso vai ter na cultura. A literatura não está só no livro. Ela está na música, na tradição oral… e o Brasil tem uma força de cultura popular muito interessante e rica.

    Quem faz a curadoria da Flip?

    A gente fez uma estratégia muito interessante: a Flip tem uma personalidade, mas a cada dois anos a gente tem um novo curador. Eu faço um paralelo: uma das coisas mais interessantes em Paraty é que no centro histórico não tem duas casas iguais. E no entanto, você anda pelas ruas e existe um sentimento de todo. A gente tem o sangue novo que todo curador trouxe, mas com uma coerência de visão muito forte ao longo dos anos.

    Acha que pode haver Flip em outros lugares?

    Igual às casas, ela pode ser inspiração e referência para outros lugares, mas não vai ser igual.

    Em que gostaria que a Flip se tornasse?

    Ela é um projeto cultural, mas não é só um evento, ela tem uma dimensão de permanência. O que ela tem de interessante para crescer é esse enraizamento mais aprofundado e que pode florescer em outras dimensões.

    Quanto custa montar uma Flip?

    A Flip, com a Flipinha e a FlipZona juntas, R$ 8.200 milhões. Com o programa educativo e tudo.

    + Veja aqui a programação completa do evento.

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