Por Lucas Dias, especial para o FFW de Paris
2020 é um ano decisivo e importante para a moda. Das eleições presidenciais nos EUA, ao cenário político europeu em ressaca do Brexit à turbulências políticas e econômicas causadas pelo pânico do novo coronavírus (COVID-19) que já mostra impactos alarmantes na economia mundial e nos resultados financeiros da indústria, que passou a depender da China para boa parte do seu orçamento em vendas, tanto domésticas quanto através do turismo de chineses.
A temporada de prêt-à-porter feminina para o Inverno 2020 se mostrou como uma primeira resposta aos desafios do presente e futuro. Nos calendários, desfiles cancelados e alguns diminuídos em capacidade depois de uma explosão em casos confirmadas de pessoas infectadas na Lombardia, região no norte da Itália, levaram eventos e desfiles como os de Giorgio Armani e Laura Biagiotti a serem cancelados na reta final da semana de moda em Milão.
Já em Paris, o impacto do pânico foi sentido nas salas de desfile. Editores, modelos, celebridades e compradores chineses não compareceram. Alguns desfiles e eventos, como os das marcas chinesas Shiatzy Chen e MARRKNULL, além dos das grifes francesas A.P.C. e Agnès B.e também não aconteceram.
Nas passarelas, a reflexão de um clima econômico turbulento e incerto se fez por ideias escapistas e focadas na beleza e savoir-faire quase como uma celebração sobre o que a moda – e o que cada maison – tem de melhor a oferecer.
Coleções focadas em um produto final e que já miram diminuir a queda nas vendas com o impacto econômico do novo coronavírus, como as Virginie Viard para a Chanel, Hedi Slimane para a Celine, Clare Waight Keller para a Givenchy, Miuccia Prada para a Miu Miu e Anthony Vaccarello para a Saint Laurent vieram carregadas de ideias sobre sofisticação, beleza e brilho com uma narrativa otimista e leve, bem oposta ao dos dias em que a era do streetstyle reinava e designers buscavam cada vez mais produzir coleções que refletiam o desejo de um público – principalmente mais jovem – que de tudo sabe, é ativista por natureza e busca incessantemente um estilo único e roupas que refletem suas personalidades e valores.
Marcas mais jovens como a Rokh, Kwaidan Editions, Kenneth Ize e Mame Kurougouchi também se destacaram ao mostrar narrativas ricas e coleções bem pessoais que celebravam as capacidades técnicas dos seus respectivos designers e, em particular nas coleções da Mame Kurougouchi e Kenneth Ize (novidade no calendário que trouxe Naomi Campbell para a passarela no primeiro dia de desfiles em Paris), a celebração do savoir-faire cultural de diferentes civilizações. Um throwback dos anos 80, década marcada pela afluência social, guarda-roupas opulentes e extravagantes e anos dourados nos resultados financeiros das principais marcas de luxo da época, também se mostrou bastante comum entre os designers e vieram carregadas de otimismo.
Discursos políticos e palavras-chave como sustentabilidade e diversidade se transformaram em conceitos tímidos entre os designers. A nova forma escapista e bela de se enxergar o futuro não os deixa de lado, porém a ideia de que o discurso político e social das coleções seja gritante, transparente e central não é mais o foco principal, e se transforma aos poucos em valores que já são essenciais a serem praticados sem a necessidade de se utilizar disso como marketing.
Porém, nem tudo são flores. Um novo uniforme urbano também se desenvolve a partir de ideias que refletem o passado não tão distante do streetwear com sofisticação e opulência também se fez muito presente. Nicolas Ghesquière na Louis Vuitton, Julien Dossena na Paco Rabanne e Glenn Martens na Y/Project, que já vem à algumas temporadas trabalhando com a ideia de misturar referências históricas e aristocratas com a praticidade do streetwear mostraram mais uma vez coleções ricas em detalhes e referências.
Já em contrapartida, um futuro distópico e apocalíptico que reflete bem as ansiedades e preocupações dos dias atuais se fez bastante presente. Demna Gvasalia na Balenciaga, Casey Cadwallader na Mugler, Rick Owens e Marine Serre apostaram em suas mensagens de um futuro digno de roteiro de filme sci-fi. além dos cenários impressionantes, as coleções de ambos os designers misturavam roupa e tecnologia como forma de proteção para os dias que estão por vir sem deixar o foco nas técnicas impressionantes de modelagem e estudo de materiais de lado. Na mesma ideia, marcas mais jovens como a Ottolinger das suíças Christa Bösch e Cosima Gadient, e Coperni, dos franceses Sébastien Meyer e Arnaud Vaillant também se destacaram com técnicas de construção e destruição e uma visão futurista sobre os códigos que definem a feminilidade.