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    Estilista indígena expoente, Day Molina fala sobre representatividade, apropriação cultural e conquistas de novos espaços

    Descendente de uma família indígena do Nordeste, a stylist, estilista e empreendedora Day Molima, 32 anos, tem sido uma voz importante, especialmente no mundo da moda, no combate ao racismo e na conquista de espaço para que mais profissionais indígenas possam surgir e prosperar.

    Day entrou na moda por acaso.“Minha bisavó era costureira no sertão de Pernambuco, mas eu tinha muito problema em fazer moda, pois sempre achei muito excludente, nunca vi nossa beleza representada nesses espaços”, conta em uma conversa que tivemos pelo zoom. 

    Ao procurar um trabalho para se manter, ela acabou indo parar no ateliê de um figurinista “e comecei a me apaixonar pela história da roupa, criação e reaproveitamento têxtil”.  E lá ela foi se desabrochando enquanto criativa também, começou a fotografar e flertar com a moda.

    “Se a gente não falar da pauta indígena, também estamos sendo racistas. Então está começando a existir uma reflexão e eu acho que tenho uma contribuição em relação a isso.”

     

    Conseguiu uma bolsa de estudos e foi para Buenos Aires fazer direção de arte e fotografia. Voltou ao Brasil, fez outros cursos e começou a trabalhar com produção de moda e styling. Isso foi há 12 anos. Seu primeiro trabalho como stylist foi assinando um editorial autoral com uma marca de sua cidade, Niterói, em 2008.

    Hoje, Day assina ensaios para veículos como Fashion Revolution, Carta Capital, EOL e Oká Magazine, a primeira revista cultural criada, feita e pensada por indígenas criativos (a próxima edição sai neste mês e tem capa criada por ela). Ela se divide entre sua atuação como stylist e como estilista de sua própria marca, a Nalimo, que lançou há quatro anos e é representante do Fashion Revolution em Niterói.

    Leia abaixo os principais trechos da conversa com Day Molina:

    A estilista, empreendedora e stylist Day Molina / Foto: Cortesia

    A estilista, empreendedora e stylist Day Molina / Foto: Cortesia

    Tem muita gente da moda te seguindo no Instagram e suas postagens são hiper compartilhadas. Você tem provocado discussões e reflexões importantes no meio.

    O fato de eu ter um pouco de visibilidade, de ter revistas e editores me seguindo… Acho que isso tem provocado discussões no meio. Por exemplo, as pessoas não entendem que apenas colocar uma modelo no desfile ou na capa não é representatividade. Que marca contratou um fotografo indígena? Quem contratou uma mulher indígena? Uma mulher trans indígena? Tem poucos indígenas envolvidos na moda. Isso reflete a desigualdade, é um rolê tóxico, uma estrutura racista e excludente. Se a gente não falar da pauta indígena, também estamos sendo racistas. Então está começando a existir uma reflexão e eu acho que tenho uma contribuição em relação a isso.

    Como é essa questão em outros países?

    Aqui tem poucas marcas e criativos indígenas. Lá fora o movimento é muito grande. Tem modelos indígenas que estão protagonizando revistas como Vogue. Mas aqui a gente tem ainda esse tabu.

    Onde você mais percebe isso?

    O México, por exemplo, tem dado bastante visibilidades aos talentos indígenas. Tanto nas capas quanto em editoriais de moda produzido por indígenas. Nos Estados Unidos por exemplo, tem indígenas criativos criando tênis, roupas, acessórios e outros artigos de moda. Esses criativos estão frequentemente sendo vistos em veículos de moda. E tem modelos que usam dessa visibilidade para chamar atenção para as causas climáticas, ambientais e tradições indígenas.

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    Muitos reis e rainhas de Abya Yala para revelar beleza nativa e propósito nesse mundo à fora! Many Abya Yala kings and queens to reveal native beauty and purpose in this world outside! ✊🏽 Nós podemos (e devemos) decolonizar todos lugares possíveis. Quando me deparo com esse lugar de protagonismo isso traz fôlego para continuar. Costumo abordar esse assunto por atuar na moda e criticar a escassez de representatividade indígena. Não no sentido de mercantilizar nossas culturas e estéticas. Mas para promover igualdade social, representatividade das causas, bandeiras de luta e resistência histórica. A invisibilidade midíatica é o reflexo do cenário social que insiste em nos apagar. Somos predominantemente indíviduos não vistos socialmente, excluídos de debates e espaços necessários. Simplesmente ignorados, como se fossemos inexistentes. Não somente existimos, como (re)existimos. Nossa estética é equiparada a beleza colonial. Estar nas capas ainda é algo raro para o nosso povo. Mas a cada conquista, algo novo acontece. E brota uma semente de novas possibilidades. Acredito em novos mundos, novos lugares, novas direções, novas mentes e recomeços. Luto por lugares contemporâneos que caibam nossas tradições, nossa estética, nossas linguagens e tudo que somos integralmente. • • • Check out a new article from the amazing relative @_haatepah_ talking about scalable activism in Vogue American #descolonizeamoda #decolonize #native #indigenouspeople #modelnative #indigenasnamoda

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    Percebe que algo mudou nesses anos em que você tem atuado na moda?

    Sinceramente, eu não acho que mudou. O que aconteceu é que as pessoas começaram a se tornar mais conscientes. Tanto que nesses 12 anos, criei muitas imagens que não tinham essa linguagem que me representava. Quando a gente é jovem, quer se adequar a esses espaços até que entendemos que se a gente não trabalhar para mudar, nada vai mudar de fato.

    Foi aí que você começou a trabalhar mais as questões indígenas nos processos criativos também?

    Sempre levantei essas questões no olho no olho e me dei conta que não era suficiente. Percebi que isso também era importante porque provocaria mudanças estruturais de algo que só era falado entre amigos, numa bolha. Comecei a levantar reflexões e percebi que o nível de consciência das pessoas estava aumentando. Dentro do Fashion Revolution já levantava essas questões, dentro de grupos de estudos sempre falava de raças e etnias. Mas não vejo essa mudança estrutural na moda ainda.

    Imagem criada por Day durante a quarentena em que mergulha em sua origem, trabalhando com a memória de sua avó, Naná / Foto: Mateus Santanna

    Imagem criada por Day durante a quarentena em que mergulha em sua origem, trabalhando com a memória de sua avó, Naná / Foto: Mateus Santanna Modelo: Zahy Guajajara

    Tem um post seu que você fala que as revistas de moda dos anos 90 tinham garotas de todos os tipos, menos do seu. Qual o impacto que isso tem em jovens indígenas?

    Quando falo das revistas dos anos 90, isso reflete muito uma realidade. Não ter me enxergado nessas revistas, não ver beleza originária nesses espaços me faziam achar que moda não era um lugar pra mim. Hoje vejo que muitas garotas indígenas ainda crescem sem esse referencial. E esse referencial é importante pra sua auto estima. Parece que você é estranha, feia, que não faz parte desse mundo. Pra mim, moda era um lugar de gente branca e traços europeus. Não se enxergar nesses veículos que deveriam representar todos os corpos é muito maluco.

    “Quando falo das revistas dos anos 90, isso reflete muito uma realidade. Não ter me enxergado nessas revistas, não ver beleza originária nesses espaços me faziam achar que moda não era um lugar pra mim.”

     

    Você colabora como stylist em diversos veículos. Eles também acabam sendo pontes pra causa indígena?

    Sempre tive muita resistência em colaborar com alguns veículos até entender que era necessário para causar mudança. Ter uma stylist indígena cria uma relação de diálogo e essa relação é mto importante porque vai cooperar pra que algumas mudanças estruturais aconteçam. Os veículos com os quais eu colaboro hoje me dão visibilidade. Mas ainda é muito pouco. Outros veículos precisam se abrir.

    Imagem criada para a agência Model Academy / Foto: Lucio Luna

    Imagem criada para a agência Model Academy / Foto: Lucio Luna

    Como você percebe a geração atual de criativos indígenas?

    A nossa geração de criativos indígenas é a que está fazendo uma revolução pois ela está em outros espaços para além da aldeia, somos livres e podemos escolher onde viver. Ninguém questiona um branco pra saber se ele vai viver na cidade ou no campo. O quanto nossos avós e ancestrais não eram interessantes pra essa sociedade branca? Pessoas pobres e analfabetas nunca foram aceitas. O racismo alimenta uma estrutura que mostra um nível de ignorância tão forte a ponto de achar que indígenas não consomem. Tenho várias amigas com carro e consumidoras, por exemplo.

    “A APROPRIAÇÃO CULTURAL TIRA O DIREITO DE FALA DE ALGUÉM E BANALIZA UMA COISA QUE É DO OUTRO”.

    Apropriação cultural é uma outra questão muito séria que acontece na moda. Quais são as principais problemáticas que você enxerga aqui?

    É uma violência porque ela deslegitima algo que é sagrado culturalmente. O cocar tem muitas simbologias, desde a simbologia de guerra até de cura. O Brasil é um território indígena e esse território está sofrendo várias retaliações, como terras invadidas, irmãos indígenas morrendo. A apropriação cultural tira o direito de fala de alguém e banaliza uma coisa que é do outro. E a moda tem essa relação mto forte com a estética então ela se apropria de coisas que não entende, não respeita, mas se apropria desses elementos e estilos que são muito bonitos e fortes. Acho muito tenso. Chegou o tempo em que a gente precisa refletir essas questões, justamente por ter a ausência de corpos indígenas nesses lugares. Existem vários intelectuais indígenas discutindo isso na internet.

    Sobre sua marca Nalimo, o que te inspirou a criá-la?

    Há quatro anos criei uma marca minimalista que reflete minhas escolhas pessoais. Sempre fui muito básica e nunca tive necessidade de vestir tudo, ter todas as tendências. Curtia isso pro meu trabalho como stylist, mas não pra minha vida. E achava importante ter também consciência e respeito às pessoas, por isso ela também tem uma relação forte com a sustentabilidade.

    Como você define a Nalimo e onde as pessoas podem encontrá-la?

    É uma marca minimalista e atemporal. Trabalho com preto, branco e cinza e tenho roupas que vestem diversos corpos, independente de temporada. Não tenho essa sina por estampa.Faço muito do processo da marca: desenho, crio, modelo, desenvolvo as peças pilotos, penso as campanhas. Sempre tenho um olhar mais politico ou que envolve a questão das florestas. Por enquanto trabalho a venda online pelo Instagram. 

    Foto da Nalimo, marca minimalista de Day Molina / Foto:

    Foto da Nalimo, marca minimalista de Day Molina / Foto: David Arrais

    Quais os propósitos da Nalimo?

    Quero fazer algo que seja bom, durável, inovador. Acho uma questão inovadora quando as pessoas veem uma marca minimalista criada por uma indígena. Minha marca é uma marca humana e, por trás dela, tem uma mulher indígena. Trabalho com todos os perfis e padrões na Nalimo. Conversando com uma editora, ela comentava: “mas sua marca não tem nada indígena…” Eu poderia fazer o marketing do oportunismo falando que minha marca é indígena, mas não é esse o diálogo que eu construo. Construo o diálogo que vai quebrar preconceitos. Esse é o lugar onde muitas pessoas querem ver pessoas indígenas.

    “VISIBILIDADE É PODER. DÊ VISIBILIDADE A QUEM VOCÊ ACREDITA QUE MERECE PODER”.

     

    Você fala muito sobre descolonizar a moda e romper barreiras de apagamento. Como esses processos podem acontecer de forma potente, como a moda pode ser essa agente de mudança?

    Visibilidade é poder. Dê visibilidade a quem você acredita que merece poder. O que você está proporcionando quando compartilha um conteúdo? Você está dando poder a uma pessoa com uma causa importante e necessária e contribuindo para que o mundo se torne um lugar melhor. Quando você fecha uma porta, fecha a possibilidade de um diálogo importante. É importante inserir pessoas e não excluir.

    Precisamos descolonizar o nosso olhar, torna-lo menos eurocêntrico e normativo. A beleza não mora no padrão, é uma coisa subjetiva. São assuntos urgentes a serem trocados. Tudo começa com oportunidade. Sem oportunidade, indígenas não terão voz.

    Para fomentar esse movimento na indústria criativa, Day criou o perfil @indigenasnamoda, conectando indígenas de todo país para discutir a moda nacional.

    Abaixo, ela indica alguns criativos indígenas do Brasil para seguir:

     @weenatikunaarteindigenacaptura-de-tela-2020-08-17-as-12-40-55
    @piratapuya captura-de-tela-2020-08-17-as-12-42-26

    Bio jóias e arte originária

    @joiawayra captura-de-tela-2020-08-17-as-12-43-40
    @tapixi captura-de-tela-2020-08-17-as-12-44-23

    @tamikuatxihiarteindigena captura-de-tela-2020-08-17-as-12-45-29

    Arte contemporânea 

    @denilsonbaniwacaptura-de-tela-2020-08-17-as-12-47-06
    @isaelmaxakali

    captura-de-tela-2020-08-17-as-12-48-40
    @jaider_esbellcaptura-de-tela-2020-08-17-as-13-13-20

     @sallissarosacaptura-de-tela-2020-08-17-as-13-10-24

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