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    POTENCIALIDADES > Conheça o trabalho de Valentine, mulher trans, poeta e campeã de slam
    A poeta Valentine / Cortesia
    POTENCIALIDADES > Conheça o trabalho de Valentine, mulher trans, poeta e campeã de slam
    POR Redação
    A poeta Valentine / Cortesia

    A poeta Valentine / Cortesia

    *Esse conteúdo é parte da série POTENCIALIDADES com curadoria de Jal Vieira publicada aqui e em nossas redes. Acompanhe todos os conteúdos aqui

    A série Potencialidades desta quinta tem conteúdo cruzado com o IGTV do FFW. Mostramos o trabalho da poeta Valentine, mulher trans preta que tem se destacado na cena de slam do Rio de Janeiro. Ela foi a primeira mulher trans slammer do Rio e participo da Batalha do Slam do Rock in Rio 2019.

    No nosso Instagram, ela recita o poema Numerologia do Açoite, que você pode ler na íntegra abaixo. Jal Vieira também perguntou a Valentine qual o significado de poesia para completar o conteúdo e contextualizar o quanto essa expressão criativa é importante para dar voz a mais pessoas trans, criar e abrir espaços de convivência com outros grupos e gêneros. Leia abaixo o depoimento de Valentine e ouça seu poema no nosso perfil.

    O que a poesia significa para você?

    A poesia, ela tá em tudo sabe?! Mas pra mim, a escrita na maioria das vezes é acalanto, é desabafo, é ombro amigo, porque é aonde eu posso gritar, extravasar ou falar sobre algo que sinta a extrema necessidade de falar. Principalmente por ser uma mulher negra trans periférica e estar sempre exposta a humilhações diárias, abusos, assédios, violências, agressões e até mesmo a ser possivelmente morta apenas por ser preta e trans.

    Portanto, são vários atravessamentos que eu lido e pra mim, a poesia veio como um grito de desespero porque eu tinha muita coisa pra falar, já que na minha realidade eu tenho que andar com medo o tempo todo, com raiva de cada humilhação que engulo calada pra não ser mais uma na estatística, e com a solidão e a sensação de inferioridade por conta das questões que envolvem o afeto que é negado aos corpos de mulheres negras trans. Então eu precisava desabafar aquela dor, por aquilo em algum lugar e assim, comecei também depois a sentir a necessidade de falar sobre outras coisas na poesia. Eu encontrei na poesia um acalanto.

    E escutar ou ler uma poesia também é algo que impacta, que nos faz refletir, que faz nós nos questionarmos sobre aquilo que tá sendo dito ali. Eu me arrisco a dizer que nos leva a um lugar às vezes até da empatia, porque nos faz sentir o que uma pessoa quer expressar.

    E assim a poesia se torna também um manifesto porque muitas das nossas dores são frutos de um sistema que nos condena, nos humilha, nos oprime e nos mata. E nós estarmos curando nossas dores com a poesia é algo que esse sistema, essa estrutura, não quer (e óbvio que ele também inferioriza nossa arte pra não vivermos dela, e assim nos colocar em seus estereótipos).

    Então pra mim a poesia é tudo, está em tudo e em todo lugar, e tem um poder que as vezes acho impossível de descrever, porque ela transforma.

    Numerologia do Açoite

     É que mulher preta não para nunca

    Mas se pudesse eu até parava

    Me falta ar nesse mundo

    Onde se eu não morrer de asfixiada

    Morro pras armas

    E dói

    As marcas do chicote

    Branco

    Que a mim só destrói

    No sistema

    Cis é tema

    E eu to fora da pauta

    Por ser fora da curva

    No passado brancos diziam que pretos não tinham alma

    No presente pessoas cis ainda dizem que eu não tenho uma

    Atravesso estradas que nunca foram minhas

    E se eu ainda to viva

    É porque oxum me guia

    Ora eieiô minha mãe

    Não me deixa desistir

    Se dependesse da hegemonia

    Eu nem tava mais aqui

    Mostro pra eles revolução

    E vão ter que me engolir

    Pois foi com as minhas que eu aprendi

    Que minha força vem do meu ilê

    Eu escrevo para um mundo

    Onde ninguém me lê

    Mas eu leio sorte

    E vejo mortes

    Na numerologia do açoite

    111, 80

    E que 35 antes fosse só um número

    Mas é expectativa

    De vida

    Em um sistema que só nos humilha

    A cada dia

    Mais uma entra pra estatística

    Me empurram pra prostituição

    Porque sabem que

    Prostituta na esquina

    Virá alvo fácil

    Eu to fora dela, e não é por nada não

    É pra tentar manter meu corpo em resguardo

    Afinal

    Eles falam de espaço quântico

    Enquanto quantificam nossas mortes

    Meu corpo não foi feito pra açorar aos pálidos

    Não serei mais seu suporte

    E vejo o declínio da estrutura

    Cada vez que uma preta trans se revolta

    Pois se Mawu criou o mundo

    Sou eu e as minhas quem carregam nas costas

    Se parássemos hoje

    Cês não teriam tempo nem pra falar bosta

    Aos pretos eu ja falo isso a muito tempo

    Mas vou repetir agora

    Se não caibo na sua diáspora

    É porque a sua mente ta longe de ser África

    E ta muito mais pra Europa!

    Me desculpem pelo que eu falo

    Mas é que eu ja to cansada de ouvir discurso pan-africanista

    De quem continua com mente de colonizado

    Pros que se dizem militantes e ativistas

    Eu deixo meu recado

    Já to exausta de carregar seus fardos

    Seu ativismo da boca pra fora é muito fácil

    Eu quero é ver começarem a praticar no dentro

    E pararem com esse ativismo barato

    Porque se gente preta não para de morrer

    Se mulheres pretas trans não param morrer

    Me digam

    O seu ativismo tá servindo pra quê?

    — Meu nome é VALENTINE, JAMAIS Valentina

    Se quiserem me encontrar vão me achar num Slam, NUNCA numa esquina!

    Valentine é escritora, poeta, atriz, cantora, e slammer. Se tornou destaque na cena do slam carioca em 2019. Foi primeira mulher trans slammer do RJ, e foi também a primeira mulher trans a representar o RJ em um Slam Nacional, que foi no Flup Slam Nacional 2019, onde a artista foi vice-campeã da competição. E participou da Batalha do Slam no Rock In Rio 2019 que ocorreu no palco do Espaço Favela.

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