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    Jahnkoy: “o caminho que criei serve para empoderar as pessoas”
    Jahnkoy: “o caminho que criei serve para empoderar as pessoas”
    POR Camila Yahn
    Jahnkoy na rampa da Bienal ao final de sua apresentação no SPFW / Agência Fotosite

    Jahnkoy na rampa da Bienal ao final de sua apresentação no SPFW / Agência Fotosite

    Espírito livre. Uma alma vivida. Alguém fora do seu tempo. Cabeça e coração do futuro. É difícil achar uma maneira de explicar quem é Jahnkoy. Nem ela gostaria de ser reduzida a uma palavra, um adjetivo. É pouco. A artista russa de 29 anos que se apresentou no SPFW é uma das pessoas mais interessantes e vigorosas do cenário atual. Tão aberta e ao mesmo tempo difícil de ler.

    Coloco Erykah Badu para um pouco de inspiração, In Love With You.

    O texto sai sem obedecer à minha mente, assim como foi meu encontro com ela.

    Eu entrevistaria Jahnkoy no dia seguinte à sua apresentação no evento. No hotel, com calma, sentaria frente a ela para entender seu processo criativo, o que ela acha sobre o sistema de moda, o que tem a dizer sobre apropriação cultural, como sua origem russa influencia seu trabalho, etc. Mas nada disso aconteceu.

    Fui recebida por Jahnkoy e Andre J., amigo que a acompanhou na viagem. Ela vestia suas peças coloridas, um mash-up cultural como os que vemos em seu trabalho, cheia de adereços + pulseiras e braceletes que faziam um barulhinho quando gesticulava, de forma que nossa conversa teve de fundo o som dos gestos de Jahnkoy. Para quebrar o gelo inicial, perguntei o que tinha achado da performance no dia anterior.

    “O prédio é lindo, mas são das pessoas que nós gostamos. É tão lindo não falar a mesma língua e ainda assim, estarmos tão conectados em apenas um dia… Nós conhecemos os meninos na noite antes do desfile e já nos sentimos como uma família.

    Fiz esse meu trabalho em Nova York. Foi feito nos arredores onde eu moro, para e com as pessoas que vivem lá. Então, todos os modelos que trabalham comigo são parte desse longo processo. Conheci alguns logo que cheguei, outros mais tarde, mas são as pessoas que construíram minha comunidade, que me fizeram crescer e me educaram. Nós temos dividido esse trabalho junto pelos últimos três anos, então pegar esse trabalho e trazer para outro continente… Da Rússia para o Brasil, é um longo caminho. Fazer isso e ainda conseguir esse entendimento com as pessoa e poder compartilhar através do coração realmente nos fez sentir especiais e felizes.

    Jahnkoy diz que os meninos que desfilaram para ela em São Paulo estavam mandando mensagens agradecendo pela experiência. Eu digo que ela os empodera e deu a eles o presente de uma experiência diferente que representa força e resistência.

    Mas essa é a proposta do meu trabalho, ela me diz. Esse caminho que criei é para empoderar pessoas. Ver esse poder neles me dá alegria e isso é suficiente pra mim. Ontem foi um momento mágico, poder dividir essa energia e também encontra-la em outros irmãos.

    Um amigo descreveu você como uma russa com alma africana.

    Eu não acredito em nomes. Alma é alma. Alma não é africana, não é russa. Alma não pode ter um território político. Mas eu entendo o que ele diz, porque tenho desse espírito. Mas é um bom espirito, e nós nos unimos nele.

    Você fala muito sobre comunidade, compartilhar, trocar, conexão. Construir juntos.

    Nós estamos nas cidades, numa selva de concreto. Onde você socializa? Na rua? Nos carros? Quando era criança, falava tchau pra minha avó e saía correndo. Aqui, eu não poderia fazer isso. Então, onde é o lugar onde crianças, pais e amigos podem ficar juntos e apenas serem eles mesmos e se divertirem?

    As roupas que faço criam oportunidades para nós nos juntarmos. Foi isso o que eu encontrei no design de moda. Por exemplo, eu amo desenhar e pintar. Mas se simplesmente faço uma pintura que vai pra parede, ela não une as pessoas. Pra mim, a moda é o canal para juntar as pessoas, um tipo de criatividade que diz: eu posso criar, reunir 50 pessoas em um dia. Pra mim, o momento antes do show é o mais mágico porque nós passamos o dia juntos e nos divertimos, celebramos, dançamos, comemos. Isso é o que eu quero dizer com comunidade.

    Enquanto eu ainda estava sob o “efeito Jahnkoy”, encantada e intrigada, tentando abrir uma porta invisível, senti que ela parecia esperar mais do que a formalidade de pergunta e resposta. Já estava cansada disso, de responder as mesmas perguntas cerebrais e diz que após a indicação para o Prêmio Louis Vuitton, fala-se mais dela, mas através de menções curtas e matérias repetitivas.

    Foi aí que fechei meu caderninho e resolvi não perguntar mais nada. Respeitei o caminho natural que aquele encontro estava tomando. Em 10 minutos meu tempo acabaria e eu ficaria cheia de questões sem respostas.

    O que você quer atingir com seu trabalho?

    Esse é apenas o começo. Acabei de mostrar uma coleção em Nova York chamada The Messenjah. Criei vários looks a partir de peças da Puma que resultou em uma edição limitada que foi vendida na Bergdorf Goodman. Esse é um trabalho que eu acabei de começar e espero que, com o suporte da Puma, nós iremos continuar. A mensagem é empoderar as pessoas para entender que nós somos mensageiros do nosso tempo.

    Suas criações causam um impacto nas pessoas. E o que você sente?

    Nem sei uma palavra para descrever o que a gente sente. Logo depois de um projeto, é um momento mágico e difícil pro cérebro digerir. E depois vem aquele vazio.

    Você tem uma mensagem que extrapola a questão da roupa. Tem um posicionamento anti fast fashion, anti sistema e ao mesmo tempo, essa é uma indústria maluca e super capitalista.

    Acho que nós podemos falar não sobre esse business, mas sobre nós. Acho que podemos reformular a frase e dizer: nós nos tornamos malucos e injustos. Nós, como pessoas, somos loucos. Está tudo uma loucura.

    Hoje eu liguei a água no hotel e comecei a pensar: de onde vem essa água? Porque eu venho de uma vila onde não há água corrente. Eu vou, bombeio, puxo, pego água, lavo a louça, molho as plantas, tudo muito sustentável. Vem da terra e volta pra terra. Mas agora, nós nos separamos da terra. Nós não sentimos as árvores, a terra, estamos sempre nos antibióticos e remédios para dor.

    Você se considera uma ativista?

    Craftivist.

    Qual a sua mensagem?

    Nós enquanto pessoas temos que nos ajudar, mas parece que estamos sempre competindo uns com os outros. Se estamos em competição, como vamos viver nesse mundo. Nós já passamos por tantas guerras, genocídios, estupidez, ignorância, falta de compreensão… Por quanto tempo ainda? A história vive se repetindo. Parece que estamos andando, mas é tão devagar. Há muito a ser feito ainda e é dever de todo mundo. Então, estamos chamando todos os leões para erguer e brilhar porque nós precisamos do apoio do povo. Essa coleção tem essa mensagem e eu fiquei feliz de poder ter mostrado em lugares como Cape Town, NY, China e Brasil.

    A recepção/percepção muda dependendo do lugar?

    É a mesma coisa. Percebi que quem conecta, conecta, não importa de onde vem.

    E agora você tem pessoas que conectam com você, mas também falam com uma grande audiência. Erykah Badu e Mia têm usado suas peças…

    Damian Marley também. Quero pessoas com quem eu reverbero e que me façam crescer. Eu adoraria que o Bob Marley pudesse estar aqui e vestir minhas coisas. Acho que tem a ver com o espírito. E para mim, os meninos que estavam usando minhas roupas na apresentação não são menos importantes do que eles. Erika está sendo uma super apoiadora, eu só tenho a agradecer. Ela tem sido uma verdadeira irmã pra mim.

    Como você reverencia uma cultura sem se apropriar dela?

    Eu tenho um problema com esse termo porque não entendo o que ele significa. Não entendo como uma cultura pode ser apropriada. Cultura é um ensinamento, um modo de vida, o que nós acreditamos, o que nós gostamos, como nós pensamos. Isso é cultura. E nós temos diferentes culturas. Eu tenho a minha própria cultura, a minha pessoal, e ela é baseada nas muitas pessoas que fizeram parte da minha vida e livros e coisas que vi, as músicas que ouvi, então a minha cultura é complexa, diversa e vem de pessoas da Índia, África, Rússia, Jamaica… Os britânicos que me educaram em suas escolas fizeram minha cultura também.

    Eu nunca tinha ouvido esse termo até vir para a América. Mas se eu entendi corretamente, apropriação em um trabalho significa quando elementos de algo, como o estilo de vida de um povo, são usados de uma forma deslocada. Colocam em algum lugar onde aquilo não pertence e não informam que aquilo foi tomado. E isso significa cópia. E é o que acontece na moda o tempo todo. Valentino acabou de copiar minha jaqueta, você sabia? Então, isso é apropriação. Não é cultural, é cópia. Isso é a moda que está dando voltas nela mesma. E eu olho para as revistas contemporâneas, são tão velhas… O que há de excitante nelas? Nada. Para mim, nada.

    Jahnkoy parecia mais à vontade, a conversa estava fluindo melhor e eu lembrei de uma viagem que fiz para Rússia há muito tempo.

    Eu estive na Rússia 15 anos atrás.

    Pra onde você foi?

    Moscou e São Petersburgo. Tava grávida de seis meses.

    Nossa, mas quantos anos você tem?

    42.

    Não é possível! Parece tão, tão jovem. Então significa que você tá vivendo uma vida feliz!

    Foi uma experiência diferente por causa da língua. Sentia que não havia uma abertura para turista, então eu falava em português, eles respondiam em russo e a gente se comunicava através dos gestos.

    Mas é isso, você só consegue se conectar com as pessoas se você for diretamente até elas. Você tem que conviver, estar com elas. Mas hoje nós construímos fronteiras e jaulas para nossa mente. É louco. Quando vou pra Rússia, minha avó acha que eu sou tão estranha… Ela não quer nem andar do meu lado. Não é doido isso? Ela gostou de um artigo que o NYT fez sobre mim. Daí eu falo: “mas vó, se você gostou de mim na matéria, porque você não gosta de como eu me visto?”.

    Jahnkoy estudou economia e design de moda. Antes de viajar para os Estados Unidos, sua mãe a fez cortar seus dreads porque não sabia como os negros iriam reagir ao seu cabelo. “E cheguei nos EUA com a cabeça raspada, trabalhei nos empregos mais chatos, vivi na rua, comendo um dólar por dia, noodles de uma loja chinesa. Então descobri que a arte era mais predominante em mim. Foi uma grande jornada até hoje e ainda há muito pela frente”.

    Você é uma artista que usa a moda como plataforma. E você tem essa mensagem. Mas em algum momento não vai se deparar com o sistema?

    Eu crio meu próprio sistema. Se as pessoas são loucas, eu preciso ser louca também? Imagina fazer uma nova coleção a cada mês, não é uma loucura? Quando você terá tempo pra pesquisar? Para desenvolver algo? Assim você só tem tempo pra copiar/colar, copiar/colar, vender, vender, vender. Eu não vou pular de um abismo porque os outros pulam.

    Acho que as pessoas têm que meditar e absorver o mundo, ver como as coisas estão acontecendo, como o sistema está operando, pesquisar, se educar, se abrir para o mundo.

    Você pode ser diretora de uma grande companhia ou uma pessoa que trabalha das 9h às 17h. É a mesma coisa. Nós estamos criando essa realidade falsa e achamos que somos pessoas de primeira ou segunda classe… Está na hora de a gente parar com essa coisa preto, branco. Mas temos que entender que no nosso sistema, como vivemos hoje, as pessoas de pele escura sofrem mais pressão que as pessoas de pele clara e isso nós todos sabemos. E por que não estamos fazendo nada sobre isso? Por que as pessoas têm que me chamar de branca? Ok, eu nasci na Rússia, minha pele é clara, mas eu me recuso a ter esse rótulo. Ok, nós usamos palavras preto e branco para descrever alguém, mas esquecemos que essas palavras são as mesmas que causam opressão e divisão. Então se sabemos que isso está separando a gente, porque continuamos dizendo?

    Você tem um sonho?

    Eu vivo o meu sonho. O sonho é todo dia.

    Andre: Jahnkoy está além do ponto de sonhar. O sonho permite que você tenha a visão e as ações vêm a partir disso. Então sonhar é necessário.

    Sabe, na minha vila a gente brincava na rua de terra e quando chovia, criava essas lagoas. Teve uma estação que as borboletas vieram colocar seus ovos na água e toda essa rua ficou lotada de borboletas brancas e os carros passavam e esmagavam as borboletas e eu comecei a correr feito maluca tentando salva-las. As borboletas estão fazendo o trabalho delas, não diga que elas têm que ir para outro lugar. Talvez a gente tenha que se mexer um pouco pra deixar as borboletas existirem, ou os tigres, os elefantes… A gente coloca eles em prisões, é insano. Coloca eles em qualquer lugar, jogamos eles lá e nos divertimos, levamos nossas crianças. Eles são forçados a pular para te entreter, é escravidão. Nós ainda estamos vivendo na era da escravidão? Provavelmente sim… O mundo inteiro tem que mudar. E por onde começamos? Com a gente. Nós não somos diferentes dos animais, nós viemos da natureza, mas criamos esse elemento fashion, super carros, relógios.

    Nessa altura, Jahnkoy já tinha pedido para adiar seu compromisso e o que a gente fazia lá já estava longe de ser uma entrevista.

    Sabe, eu escrevi as questões que escrevemos normalmente para conhecer a pessoa em uma entrevista, mas você mudou todo o processo, eu disse. E foi a melhor coisa porque talvez eu não perguntaria o que deveria para escutar o que você falou.

    Mas você veio aberta pra conversar com a gente. É uma conversa. Estamos raciocinando juntas. Não é sobre eu te falar qual é a verdade. Não sou eu que vou te falar o que é certo ou errado. Não há julgamento porque ninguém está somente certo ou errado. Nós criamos e vivemos em um sistema que é muito complexo e sabemos que é ruim.

    Há muito a ser feito ainda.

    Sim, e é diário.

    Andre: quando você disse que mudou suas perguntas quando chegou, isso é uma troca de energia. Eu sinto que te conheço há mais tempo…

    Eu também sinto que te conheço há muito mais tempo!, diz Jahnkoy. E eu não preciso saber o seu nome ou de onde você vem. Eu já te conheço. E eu já posso confiar em você.

    Parece fácil viver isso com vocês aqui, mas daqui a pouco eu volto pro mundo da pressão e opressão, das preocupações com dinheiro, trabalho, crianças. Isso eu penso todos os dias: que postura ter, qual mensagem deixar pros meus filhos no meio desse caos…

    A única coisa que você pode dar a eles é liberdade. E eles vão te dizer o que eles querem. Minha sobrinha tem 12 anos e é chinesa-russa que nasceu nos EUA. Ela convive com pessoas de diversos países na escola e eu pergunto: como vocês se dão? E ela: ótimo! Tem uma menina nova na minha classe, ela tem outra religião, ela usa um lenço… Sabe, as crianças não têm nada disso, elas são boas, não nascem com nenhum preconceito. Hoje, ela está totalmente americanizada, o sistema pegou ela. Mas ela vai ficar bem. Eu também um dia quis ser a garota da capa da Yes Magazine, revista que lia na época.

    Eu lembro dessa revista.

    Na National Geographic eu via tantas pessoas diferentes, de estilos diferentes. E eu não entendia que as revistas de moda tinham sido criadas para mostrar a vida contemporânea, como deveria ser. E a proposta das revistas de história e geografia é diferente, é de educar, mostrar sociedade moderna, os costumes, trajes e histórias do mundo. É aí que o problema começa, quando a gente começa separar o vestuário da moda. É por isso que somos o que somos hoje. Achamos que vestuário é uma coisa e moda é outra.

    Você gosta de ler?

    Leio o que minha pesquisa me leva. Meu trabalho é uma jornada. Tento entender o que está acontecendo no mundo, Jogos Olímpicos, colonização, história da América, tudo o que preciso saber para a construção de um projeto. Eu tinha um livro chamado Mixed Blessings sobre a ocidentalização das Filipinas. Em poucos anos, o povo já vestia roupas ocidentais, mudaram totalmente pro padrão europeu.

    O mesmo acontece aqui com os índios que foram catequizados e até hoje sofre interferência da igreja.

    Em todo lugar do mundo estão impondo uma verdade sobre a outra e isso não é liberdade. Isso é exatamente o que a gente está lutando contra.

    Então, no nosso último minuto, ela conta uma história que encerra e define seu pensamento:

    Eu estava sentada no metrô, um homem sentou ao meu lado, olhou minhas roupas e disse: você definitivamente nasceu no século errado. Eu falei, sim, entendo o que você quer dizer. E ele começa a falar comigo sobre o sistema e em um segundo, ele capta meu espírito. Era um homem negro, como dizem. E antes de eu partir, ele disse: “meus ancestrais chegaram em navios de escravos, mas sabe o que é diferente hoje? É que agora nós todos somos escravos”. Ele resumiu a verdade. E eu sou feliz de apoiar e carregar as pessoas que vêem essa verdade. Não importa de onde eles vem.

    A presença de Jahnkoy no Brasil é uma iniciativa do Projeto Estufa e Centro-br com o apoio da Puma, SPFW, Sebrae e Texprima.

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