Essa semana, uma editora de moda foi banida do desfile da Chanel, que acontece dia 2 e outubro e fecha a temporada de Verão 2019. Jornalista veterana que fez carreira no Wall Street Journal e agora trabalha com freelancer, Christina Binkley tuitou: “Fui banida do desfile da Chanel nesta temporada. A PR ainda está chateada por eu ter mencionado a família Wertheimer (dona da Chanel) em uma matéria para o WSJ em 2015”. A marca respondeu apenas que seu desfile no Grand Palais está totalmente lotado e que não teria como recebê-la. Para quem não conhece, o Grand Palais é onde a Chanel desfila todas as temporadas e é uma das maiores locações do circuito de moda, com capacidade para sentar milhares de pessoas. Binkley também foi banida por anos da Balenciaga, na época de Nicolas Ghesquière por usar a palavra “feio” para descrever um suéter da coleção.
Parece um tanto absurdo, ridículo até, coisa de criança mimada, uma jornalista ser barrada apenas porque ousou mencionar o nome de uma das famílias mais ricas – e discretas – da França. Porém, é uma prática comum na moda e que expõe seu lado ditador na íntegra. A moda fala tanto em liberdade de expressão e democracia; vemos estilistas se posicionando contra governos abusivos e controladores. Mas na hora do desfile, é exatamente esse controle ameaçador que vem à tona por parte de algumas marcas.
I’m banned from Chanel this season in Paris. The PR are still upset I mentioned the Wertheimer family in this 2015 story for the @wsj : https://t.co/dkI8uUtkBQ (precisely, their show in the Grand Palais is “fully at capacity”. ) Gotta love fashion!
— Christina Binkley (@BinkleyOnStyle) September 14, 2018
Tem dois casos bem famosos que valem à pena lembrar, pois aconteceram com duas das principais críticas de moda em atuação, Cathy Horyn e Robin Givhan, na época para o NYT e para a Newsweek, respectivamente. Em um artigo em 2004 (sim, 2004) Horyn diz que “sem o modelo de alfaiataria e street casting de Raf Simons, não existiria Hedi Slimane”. Por essa, ela não foi convidada para a estreia de Slimane na Saint Laurent, em 2012. A história quase saiu de controle com insultos entre Cathy e Hedi via Twitter, ele chamando-a de “valentona da escola” e falando que ela nunca teria um lugar no desfile da Saint Laurent, mas que certamente teria 2 por 1 na Dior (onde Raf Simons era diretor criativo).
O New York Times é um dos poucos veículos que ainda publicam críticas sem medo da reação de marcas ou de ameaças envolvendo a retirada de anúncios. E Horyn, hoje na The Cut, é também uma das últimas leoas do jornalismo crítico de moda. Ela não escreve para agradar, este não é o seu trabalho. E por isso, também já foi banida de desfiles de Dolce & Gabbana, Oscar de la Renta, Giorgio Armani…
A outra história também é de 2012, quando Robin Givhan, vencedora do prêmio Pulitzer, recebeu um “downgrade” para o desfile da Chanel. Acostumada a sentar sempre na primeira fila, ela recebeu um convite para ver o desfile lá de trás após uma matéria longa (maravilhosa, sempre mostro aos meus alunos) em que destrói alguns mitos sobre Karl Lagerfeld com um texto equilibrado e baseado em muitas pesquisas e entrevistas.
Em 2016 a Dolce & Gabbana (a que mais barra jornalistas por suas opiniões, incluindo editores da Vogue Runway, WWD, W Magazine) desconvidou Vanessa Friedman, crítica do New York Times. Ela não foi, mas viu pela internet e fez sua crítica mesmo assim. E detalhe: Vanessa não foi convidada porque o jornal estava em uma lista negra da marca por conta de um review negativo escrito por outro jornalista há 10 anos…
O fato de um jornalista sério ser impedido de fazer seu trabalho expõe uma questão importante que a moda ainda precisa resolver.
Muitos estilistas querem ter seu trabalho nivelado a arte ou a algo visionário e de muito valor, mas se esquecem que qualquer obra prima está submetida à crítica, seja um quadro, um livro, um filme ou uma música. “Se a moda for simplesmente mais uma mercadoria, um produto, com leite, papel higiênico e água sanitária para gatos, então essa crítica não é necessária”, escreve o filósofo Lars Svendsen no livro Moda, uma filosofia. “Mas ela pretende ser muito mais”.
E o xis da questão é que a moda, apesar da evolução, ainda é exclusivista. Para entrar, você precisa ser convidado. Claro que, em um desfile, há uma questão de tempo-espaço, ou seja, não é como um museu que você entra a qualquer hora do dia e o trabalho está lá para seu deleite. O convite é mais para você poder entrar no clube. E para entrar, você deve achar tudo lindo. Mas quando tudo é incrível, o que falar ou como falar de algo que é realmente bonito? Como então você diferencia o lindo do lindo?
A justificativa da DG por banir jornalistas é a de que eles escrevem textos “injustamente duros”. Mas como bem pontuou hoje o site The Fashion Law, que primeiro reportou sobre o caso Binkley, “a definição de ‘avaliações injustas’ parece entediante na melhor das hipóteses. Em muitos casos e mais precisamente, parte de uma prática maior de marcas tentando ditar a narrativa que cerca suas coleções, punindo aquelas que realmente se esforçam para fazer críticas (diferente de elogios ou sentimentos neutros e não conflituosos)”.
Muitos, por medo, aprendem a lição e passam a escrever somente reviews positivos com medo de perder o acesso ou de prejudicar suas carreiras. Trocar elogios por acesso é uma espécie de censura?