Se vai servir para alguma coisa, essa época see now buy now-millennials-influencers está clareando algumas questões. Quando tudo fica igual e um assunto gira em torno de três palavras, a gente consegue observar com distanciamento e enxergar o que é importante de fato. A moda é um negócio, mas seu motor necessita de algo além da eficiência para continuar funcionando: paixão. Como eu escrevi neste outro texto, é ela que faz a diferença no final das contas.
Na moda e no Instagram, tudo parece lindo, sempre. Mas se tudo é lindo, como qualificamos algo quando é lindo de verdade?
O desfile de Marc Jacobs, mostrado ontem à noite em Nova York, serve como um bom exemplo. Marc já fez e tentou de tudo. Fez grandes desfiles, com grandes cenografias. Em sua época na Louis Vuitton realizou verdadeiros espetáculos unindo moda e arte e iniciando a febre das colaborações. Desde que saiu da Perry Ellis, ele não conheceu nada além do topo da pirâmide. Até recentemente, quando começaram a rolar especulações sobre seu desligamento da marca que fundou. Sua marca, adquirida majoritariamente pela LVMH em 1997, passa por momentos difíceis – a segunda linha Marc by Marc Jacobs foi encerrada e diversas lojas fechadas. No ano passado, Bernard Arnault, CEO do grupo, disse em uma reunião com investidores estar “mais preocupado com Marc Jacobs do que com as medidas do president Trump”. Neste mês, o designer John Targon, da marca Baja East, foi contratado como diretor criativo contemporâneo, como se o próprio Marc tivesse perdido o faro para a contemporaneidade.
E eis que em meio a todos esses rumores, Jacobs ressurge e, com um desfile emocionante, salva uma semana de moda que vive seu próprio momento conflituoso, tentando encontrar uma data e um sistema que sirva à todas as marcas de seu calendário – tarefa talvez impossível nos dias de hoje.
Possivelmente, essa pressão comercial provocou efeito inverso em Marc, deixando-o ainda mais livre para fazer o que sabe fazer melhor: demonstrar seu amor pela moda, seu grande conhecimento e cultura de moda.
As palavras teatral, dramático e artístico foram usadas para descrever seu desfile, mas vale destacar que isso foi conquistado exclusivamente pelas roupas, pela sua capacidade como estilista. Silhuetas extremas, texturas ricas e proporções exageradas construíram cada um dos 54 looks. Casacos volumosos, ombros enormes, calças de couro amplas, amarrações no pescoço e na cintura que lembram esculturas de flores, tudo em uma combinação singular de cores. Os chapéus pretos que adornavam as cabeças de algumas modelos ajudaram a criar uma atmosfera de mistério.
A coleção agitou editores, jornalistas e fãs de moda que estavam saudosos da época em que uma experiência como esta, com ideias e propostas diferentes, costumavam atrair as pessoas para as marcas e empurrar a indústria pra frente. Os principais editores de moda do mundo homenagearam a coragem e o posicionamento do estilista enquanto criador.
Tem sido cada vez mais difícil um desfile te transportar para um lugar, uma época, seja ela real ou parte do universo imaginário do designer. O desfile hoje, de uma forma geral, é muito bem executado, muito eficiente e muito pragmático também, feito para conversar direto com as planilhas e com o desejo imediato, aquela paixão de verão que tem hora certa pra acabar. E que certamente vai acabar. Para um estilista deixar sua marca na história, é necessário mais do que isso.