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    Neta de Vilanova Artigas escreve para o FFW sobre o centenário do arquiteto
    Neta de Vilanova Artigas escreve para o FFW sobre o centenário do arquiteto
    POR Redação

    Por Laura Artigas, especial para o FFW

    Vilanova-Artigas

    Vilanova Artigas ©Arquivo pessoal

    O professor de roteiro advertia que adaptar uma história real para a ficção pode ser uma tarefa árdua. Um roteiro de ficção precisa de uma estrutura, e de certa lógica, já os fatos da vida real nem sempre fazem sentido.

    Em 2009 me deparei com vida de Vilanova Artigas acumulada em caixas e pastas em um quarto na casa dos meus pais. Desenhos e mais desenhos.

    Artigas foi um arquiteto do “breve século XX”, segundo o conceito do historiador inglês Eric Hobsbawm. Ele nasceu durante a Primeira Guerra e morreu antes da queda do Muro de Berlim. E pôde viver a Guerra Fria que pautou o período in loco. Morou nos Estados Unidos, fez seu próprio “on the road” nos anos 1940, antes do Jack Kerouac, e passou alguns meses na União Soviética mais tarde, em 1953.

    As palavras de Artigas seduziram alguns e incomodaram outros como o governo militar, por exemplo. Vovô tinha uma verve potente, mas dizia as coisas mais belas quando desenhava. Seu traço era livre e preciso e o enfrentamento do papel em branco foi o desafio favorito no mundo, ponto de convergência entre a razão e a emoção. Lugar onde seus sonhos ganhavam forma. E ele tinha muitos. Dedicou a vida a colocá-los em prática.

    Os rascunhos dos artistas sempre me pareceram mais interessantes do que a obra final. Promovem aquela adorável subversão de espiar a intimidade alheia. Conviver com os desenhos do Artigas foi o primeiro passo para tentar retomar nossa convivência de quatro anos.

    Minhas memórias a seu respeito foram construídas graças às muitas e muitas histórias contadas por minha avó, pelos meus pais e por alguns amigos dele com quem convivi desde pequena. Uma sequência de fotos feita no inverno de 1983 na casa do Campo Belo, a segunda residência do arquiteto, projeto de 1949, me ajudou a dirigir as cenas. Nela, visto um conjuntinho de moletom vermelho e seguro uma amostra de carpete verde (nos anos 1980 os apartamentos da classe média costumavam ter piso de carpete). As amostras de material de construção que ele recebia aos baldes eram brinquedos divertidos. A da foto decorou a sala da Barbie por um tempo.

    Ser “neta do Artigas” é nascer com uma bagagem cultural privilegiada, é acostumar-se a viver em locais bem projetados e sentir-se muito triste sem luz natural. Contudo, também é nascer coadjuvante. Por isso, durante muito tempo a pergunta “Você nunca pensou em ser arquiteta?” soou como uma ofensa. Costumava a me referir ao papo sobre arquitetura como “arquitetês”.

    Aprendi o básico da língua por osmose, ainda que não domine sua gramática. E esta ficha caiu em um momento bastante trivial. Uma colega de trabalho, que organizava o casamento e reformava o apartamento simultaneamente, comparava o valor da decoração de flores do salão de festas com o preço cobrado pelos arquitetos para fazer o projeto executivo da obra. Optou por pagar o primeiro e dispensou o segundo, preferindo dar um “jeitinho”. As flores ficaram lindas e a obra custou três vezes o planejado. Assim, compreendi que a profissão do meu avô era vista como um luxo e não como uma necessidade pelos não alfabetizados em “arquitetês”.

    Comprar um projeto de arquitetura é comprar um plano. Um sonho. É subjetivo. E os brasileiros nunca foram muito bom em planos e investimentos a longo prazo. Artigas entendeu este calcanhar de Aquiles nacional desde cedo. Ele amava o Brasil e criou efetivamente, desenhando em muitos papéis, o projeto para o país melhor. Começou a colocar o plano em prática quando fundou a FAU-USP em 1948 e depois liderou a reforma de ensino da instituição em 1962. A solução era bastante objetiva: formar profissionais humanistas, instruídos para construir efetivamente uma sociedade mais justa.

    Artigas argumentava que um aluno de primeiro ano não poderia ser tratado realmente como um ser “sem luz”, tal qual sua etmologia (do latim alumnié = “sem luz”). Pois ele já acumulava experiências de viver em casas e em cidades. O teto da FAU-USP é totalmente transparente para iluminar as mentes e as pranchetas dos estúdios de projetos.

    Nos desenhos das casas de Artigas as salas são amplas, os quartos pequenos e os banheiros poucos. Artimanhas que obrigam a interação familiar. A convivência era outra bandeira dele, porque só ela explicita personalidades, promove e supera os conflitos absolutamente humanos.

    A curiosidade sobre o meu avô foi nutrida pela faculdade de jornalismo e instrumentalizada na especialização em roteiro de cinema. Tinha, portanto, uma história com uma curva dramática potente, protagonista com conflitos internos e externos bem definidos, e dois pontos de viradas no cômodo ao lado na casa da família.

    Minha busca maior no filme foi tentar sentir como era estar com ele. Assim, no documentário “Vilanova Artigas: O arquiteto e a luz” (que também co-dirigi) os entrevistados emprestaram suas sensações. Tanto na convivência pessoal, como nas conclusões viscerais sobre vivenciar uma obra sua.

    “Sem nenhuma concessão ao barroco”, disse o Artigas sobre o projeto da FAU-USP em 1973. Nesta jornada comecei a compreender o meu avô. Esta frase talvez resuma sua personalidade, seu estilo de projetar e sua atitude em relação ao mundo. Ele buscava a simplicidade, a essência e o necessário, a razão, o amor – pelas pessoas e pelo fazer. Artigas amou muito. Qualquer semelhança com a ficção será mera coincidência.

    Assista ao trailer do documentário “Vilanova Artigas: O Arquiteto e a Luz”:

    Laura Artigas é jornalista, roteirista, cineasta e neta de Vilanova Artigas e assina o roteiro e a direção (junto com Pedro Gorski) do filme “Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz”. O texto também integra o site da Ocupação.

    Serviço “Vilanova Artigas 100 anos”

    Documentário:

    “Vilanova Artigas: o arquiteto e a luz”

    Estreia 25 de junho nos Cinemas Itaú

    Exposição:

    Ocupação Vilanova Artigas

    De 24 de junho a 9 de agosto
    Itaú Cultural
    Avenida Paulista, 149 (Metrô Brigadeiro)

    Livros:

    “Vilanova Artigas” (livro de projetos)

    Autores: Rosa e Marco Artigas
    Lançamento: 1º de julho no Itaú Cultural com palestra do arquiteto Paulo Mendes da Rocha

    À mão livre do vovô” (livro infantil com desenhos do Artigas para o netos)

    Autores: Michel Gorski e Silvia Zatz
    Lançamento: 11 de julho no Itaú Cultural (dentro do evento “Se essa rua fosse nossa”)

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