Quem já viu um desfile da Amapô sabe que é uma experiência da qual entramos de um jeito e saímos de outro (sempre melhor). As diretoras criativas Carô Gold e Pitty Taliani têm uma característica maravilhosa enquanto marca: além de serem autênticas, se manterem sempre fieis à sua verdade, elas sabem rir de si mesmas. São divertidas, o melhor sentido de loucas e livres (se eu contar que elas construíram essa coleção em UM MÊS, só pode ser coisa de louco mesmo).
Elas pularam duas temporadas, mas a espera (tanto pra elas quanto pra gente) valeu à pena. A dupla transformou a passarela em um baile de forró onde modelos, dançarinos e amigos da marca surgiam vestindo roupas que surgiram de um encontro da Amapô com Cariri.
Através de uma parceria com o Senac Ceará, elas mergulharam na riquíssima cultura local e no trabalho do mestre Espedito Seleiro, conhecido por seu trabalho artístico no couro. Há exatamente um mês elas pegaram seu primeiro avião rumo à Cariri e lá participaram de festas e atos tradicionais, como a romaria, visitas à igreja de Padre Cícero, muitas idas às oficinas de Espedito e de outros artesãos locais, como a senhora que faz as florzinhas de papel que decoram todos os oratórios da cidade, em um trabalho admirável de cores e texturas, totalmente brasileiro, com aquela inocência que já não existe mais. No desfile, os tênis inteiramente ornamentados viraram os oratórios. Já as peças que têm o 3D de casinhas foram inspiradas no Centro de Cultura Popular Mestre Noza, criado em homenagem ao artista pernambucano Inocêncio Medeiros da Costa, considerado o primeiro artesão da região. Lá muitos artesãos produzem e vendem peças de madeira.
Ao longo do processo, Carô e Pitty enfrentaram dois grande desafios: o de filtrar de alguma maneira a quantidade de informações que há na cultura cearense e nordestina e conceber a coleção de forma colaborativa com um grupo de alunos do Senac que tiveram uma participação ativa no processo criativo. “Quando a gente voltou do Ceará, fizemos um workshop com eles e em duas semanas eles trouxeram croquis e ideias que se juntaram às nossas. E a partir daí fomos traçando os caminhos”, conta Pitty no camarim, pós desfile, com a filha de Carô no colo e os amigos por perto. “Não há nenhum look que não tenha a mão de um aluno. Foi colaborativo mesmo. Uma loucura, mas mas também muito gratificante”, completa Carô.
Na primeira fila, seu Espedito recebia reverências dos modelos e dançarinos que passavam pela passarela/baile de forró. “Meu coração quase sai pela boca, mas deu pra aguentar. Foi muito bonito ver o Cariri vir pra aqui… a gente só pode ficar alegre. É um trabalho que existia lá escondido nas fazendas, na caatinga, no mato e hoje tá na cidade grande”, disse ao FFW após o desfile.
Espedito tem uma herança forte na bagagem. O trabalho com couro, ele aprendeu com seu pai (que fazia as sandálias para Lampião), que aprendeu com o pai dele. Mas foi Espedito quem transformou em arte, tingindo e recortando o couro. “Eu tô completando oitentão e, quando eu sair daqui, tem algumas pessoas que ficam mantendo isso vivo. Temos que mostrar o que temos no nosso Nordeste, nosso Brasil, pro mundo todinho. E é bom esse pessoalzinho mais novo, que não entende o que é a cultura brasileira, é bom que vejam isso”. (Camila Yahn)