Você pode nunca ter ouvido falar de Holly Blakey, mas certamente já viu seu trabalho inúmeras vezes. A coreógrafa britânica, 30, passeia entre a dança artística e a cultura pop e hoje é o nome emergente mais forte na dança contemporânea.
Holly já coreografou videoclipes para Coldplay (Adventure of a Lifetime) e Florence and the Machine (Delilah, indicado ao MTV Music Awards) e para marcas como Dior (muito bom, veja aqui), Gucci, Paul Smith e Claire Barrow (jovem artista/estilista que conhecemos em Londres).
Como coreógrafa autoral, ela apresenta nesta semana em Londres a dança Some Greater Class, seu primeiro show de longa direção, em que aborda a separação entre arte e cultura pop, justamente o lugar onde ela vive. “Eu amo os clipes pop. Nunca liguei se eram bem feitos, se eram arte ou não. Mas muita gente liga. E de repente, tudo o que fiz nessa esfera começou a receber menos valor. Então comecei a me perguntar: por que todo mundo é tão elitista? Por que somos artistas se não tentamos falar com todo mundo?”.
Em vez de se enfraquecer com as críticas que recebeu por trabalhar com estrelas pop, ela as confronta de forma não verbal, apenas com o corpo. O resultado é impactante o suficiente. Holly descreve seu estilo de dança desta forma: “como as coisas se parecem quando são quatro da manhã”. Muitas vezes, olhar suas performances não é muito distante de estar em um clube lotado, suado, quando as inibições todas já foram embora.
Some Greater Class tem a linguagem de um clipe sexy, só que é mais extreme e verdadeiro. “Estamos acostumados a ver isso de uma perspectiva heteronormativa, super sexualizada e fetichizando jovens mulheres. Quando duas bailarinas fazem um dueto quente na minha peça, não é sobre ser sexy, é justamente sobre o quão não sexy a mulher pode ser. Nós deveríamos nos permitir ser várias coisas enquanto mulher: vulneráveis, loucas, o que a gente escolher”.
Essa Holly Blakey que vemos hoje, segura, criativa e confrontadora, levou um tempo a ser construída – e não da maneira mais fácil. Ela nasceu em Yorkshire e começou a fazer aulas de bale aos três anos. Mas o início de sua carreira foi paralisado quando ela foi diagnosticada com anorexia na adolescência. “Você não pode negar o stress pelo qual o corpo passa em uma rotina rígida de ensaio. Eu queria ser dançarina, custasse o que custasse. E a questão com a aneorexia é que você quer ser anoréxica. No balé, essa é uma questão seríssima. Está mudando um pouco, mas a anorexia é gigante entre bailarinos. É uma pressão perversa no corpo”, ela conta ao The Guardian.
Holly passou seis meses no hospital. Logo quando saiu, pulou de audição em audição, mas nunca era selecionada. Devastada, passou mais um ano sem dançar. Foi a descoberta da dança contemporânea que mudou as coisas pra ela, especificamente quando entrou para a companhia Ludus Dance, que tem uma abordagem menos rígida. “foi uma experiência libertadora. Lá, o meu corpo era suficiente, não importava sua forma”.
Depois disso, ela conseguiu vaga no curso de dança da Roehampton University e na época participou como bailarina de um clipe dos Charlatans. Mas algo ainda parecia fora de lugar: ela não se sentia segura como performer. Até que em 2012, aos 24 anos, ela recebe o convite para coreografar um videoclipe da jovem cantora britânica Jessie Ware. “Foi quando tudo mudou e comecei a considerar a ser coreógrafa e não bailarina. Eu deveria digirir as coisas e não estar nelas”, disse em entrevista ao It’s Nice That.
De lá pra cá, Blakey dirigiu clipes para Gwilym Gold, Klyne e Mabel e coreografou para Florence e Coldplay. Chris Martin, inclusive, é um de seus clientes. Ele primeiro contratou Holly para o ensinar a se movimentar no palco. E essa foi a gota d’água para a classe artística.
“Fiquei interessada por como as pessoas do meu círculo de dança passaram a enxergar o fato de eu me envolver em trabalhos mais comerciais. Isso não era visto como arte e sim como algo sem valor. Então comecei a trabalhar com essa questão e a pensar na relação entre as pessoas que se acham melhores que as outras e quem está estabelecendo esses valores. Meu trabalho tenta contestar todos esses ideais”.
Os bailarinos são suas ferramentas de trabalho. Nas danças, parecem devotos de um deus pagão, tomados por uma força maior. Em Abide, ela fez uma parceria com o músico e artista visual Woodkid. Ele chegou nela com cinco partes de uma música “Cada um dos cinco dançarinos era acionado por um trecho. Quando tocado, a dança era ativada”. A coreografia, apresentada para duas mil pessoas, foi conduzida ao vivo por Holly. “A imagem do show já era forte, mas havia uma sensação de algo novo na forma como criávamos ou como a dança existia enquanto performance”.
Em Convergence, Holly trouxe os músicos Dark Star e Gwilym Gold e o jovem estilista Phillip Lou, que criou o figurino. Havia um trecho de música para cada dançarino que poderia ser tocado em qualquer ordem, criando uma performance única a cada vez. “Para os dançarinos, é uma forma bem sádica de trabalhar”, diz Holly. “Eu posso pegar um deles e matá-los, de novo e de novo e isso pode virar a performance em si. Estou empurrando os limites da responsabilidade de um coreógrafo e muitas pessoas falam que sou irresponsável porque mostro uma falta de cuidado. Eu quero explorar isso”.
Mas ela sabe que não poderia fazer as performances que faz com um grupo de dançarinos com quem nunca trabalhou. “Nós já passamos por muita coisa juntos, então sei que eles confiam em mim”. E confiança é a base para um trabalho coletivo e disruptivo. “O sistema não funciona mais. Os jovens hoje não estão mais obedecendo as regras. Eles estão fazendo seu próprio trabalho com sua própria estética”.
“Aprendi a confiar em mim e percebi que minha voz é tão válida quanto a de qualquer um.
Some Greater Class será exibido no Royal Festival Hall, em Londres, nos dias 29 e 30 de julho.