Por Luiz Henrique Costa
O filme recém-lançado do diretor super jovem Aneesh Chaganty é um achado no catálogo da Netflix: um suspense direto, envolvente e que você vai sacar logo de cara a charada. Isso é ruim? Nem sempre. O que faz uma história prender o expectador não é um terceiro ato ou final rocambolesco à la M.Night Shyamalan, mas como o filme se desenvolve através de uma estrutura coerente, personagens carismáticos e o roteiro. São muitas as qualidades presentes em “Fuja” onde o diretor se utiliza dos elementos máximos do gênero, mas sem cair no suspense previsível da mocinha aos berros sendo perseguida enquanto o namorado está desmaiado no sótão.
Após um parto problemático, Diane (Sarah Paulson) dá a luz a uma menina que nasce prematura e com um prognóstico pessimista por parte dos médicos. Caso ela sobreviva ao período de desenvolvimento na incubadora ela ficará com algumas sequelas permanentes como diabetes, asma, hemocromatose, arritmia e paralisia nas pernas.
Felizmente Chloé (Kiera Allen) sobrevive e absorvendo todos os cuidados dentro da sua rotina, ela se torna uma adolescente com uma vida normal, estudiosa, cheia de planos e com o sonho de ingressar em breve na faculdade. O problema é que embora em uma das primeiras cenas do filme a mãe da menina dê uma resposta certeira na reunião de pais – sobre como a filha não somente está preparada para a vida adulta, mas, como é possivelmente muito mais preparada que os demais alunos – os cuidados especiais que Chloé demandou na infância acabaram engatilhando um lado super protetor e excessivo por parte da mãe.
Ao mesmo tempo em que criou a filha em um lar confortável, adaptado, com uma horta anexa no quintal da casa pensando em uma alimentação balanceada, Diane é uma mulher controversa que mantém a jovem em uma casa isolada, com uma rígida rotina de estudos e a controla com privações que vão se tornando cada vez mais claustrofóbicas. A adolescente parece não ter amigos, é impedida de receber diretamente a correspondência, tem acesso restrito à internet e não tem celular.
O roteiro é habilidoso desde o prólogo em decidir não segurar informações do expectador e logo nos revela que Chloé vive não somente uma rotina de privações e falsa liberdade, mas que a mãe é o principal obstáculo no seu caminho. Para alguns a estrutura desenvolvida no roteiro de Aneesh em conjunto com Sev Ohanian pode parecer subestimar o poder da lógica de quem o assiste, mas a dupla sabe bem onde quer chegar e em que velocidade. O ritmo lembra em muito o trabalho anterior feito pelos dois, “Buscando”, de 2018, igualmente certeiro e eficiente.
Nas atuações, além da descoberta da jovem e promissora Kiera Allen, temos mais um excelente desempenho de Sarah Paulson com o mesmo brilho que dá o tom até nas temporadas mais irregulares de “American Horror Story”.
Em sua crescente tensão, “Fuja” também merece destaque para a direção de fotografia assinada por Hillary Spera, que não se não é ousada na concepção das imagens, é atenta e funcional nos detalhes tão importantes para filmes do gênero como o jogo de luz e sombra do interior da casa e a visão urgente da menina para o mundo de fora, como na ótima cena do telefone em que ela observa apavorada a mãe através da janela.
Enxuto e direto, temos um filme que se equilibra entre casos verossímeis e hediondos da vida real, como da americana que envenenou o próprio filho com doses comprovadamente fatais de sal, e da ficção exagerada. Para quem se frustrou com o final acelerado da novela das nove e a mudança súbita de outra mãe controladora e gosta de personagens mais convincentes e bem estruturadas é uma ótima pedida.