Por Luiz Henrique Costa
Imagine que um dia você está tranquilamente tomando seu café de manhã, dando aquela lida básica no Twitter e de repente, ding-dong, uma maluca bate na sua porta com um ofício na mão alegando que você não tem mais condições de cuidar de si. ‘Que piada de mau gosto, nem é meu aniversário’ pensa você.
Mas não é piada, a maluca em questão está falando sério, é articulada, cinicamente afável e além do ofício, tem na frente da sua casa uma viatura com dois policiais de prontidão para te escoltar como se estivessem diante do autor confesso de um crime hediondo.
Desesperador? Agora pense que esse pesadelo não seja tão impossível assim. E isso acontece no filme ‘Eu Me Importo’, no Brasil lançado pela Netflix.
Pois é, embora essa comédia agridoce e com tons de suspense não seja abertamente inspirada na história da golpista April Parks, condenada nos Estados Unidos a cumprir até 40 anos de prisão por aplicar golpes muito semelhantes, é impossível não associar o caso com esse filme muito bem conduzido nas mãos do ainda pouco conhecido diretor e roteirista J Blakeson.
Rosamunde Pike dá vida a odiável falsa tutora de idosos, Marla Grayson, e se você achava impossível ela parecer ainda mais psicopata do que em ‘Garota Exemplar’, se prepare porque ela vai te surpreender aqui. Marla lidera uma espécie de quadrilha que incluem o diretor do asilo, a companheira faz-tudo, a médica que frauda os laudos e, embora não fique escancarado, até mesmo o juiz, que se não for cumplice no esquema é um imenso paspalho. Na mente inescrupulosa de Marla o mundo é divido entre leões e cordeiros, e isso fica ainda mais evidente quando a câmera registra a personagem de costas analisando friamente o mural com fotos das vítimas na parede. Ela tem controle absoluto de cada detalhe, de todas as pontas. Uma fucking lion, em suas próprias palavras que tem como marca registrada seu corte de cabelo chanel milimetricamente aparado. O barato do filme se dá pra valer quando os olhos astutos de Marla acendem pra vitima (quase) perfeita, a personagem da Dianne Wiest, que vive confortavelmente e sozinha, na dela, depois de uma vida inteira de labuta. A atuação de Rosamund rendeu a ela o Globo de Ouro de melhor atriz de comédia e musical por Marla.
Quem não se lembra, nos primórdios na Sessão da Tarde, da Dianne Wiest vendendo cosmético de porta em porta e descobrindo em uma casa meio abandonada um exuberante jovem que tinha tesouras no lugar das mãos no clássico filme do Tim Burton? No filme, a personagem de Dianne – com a melhor das intenções, é verdade – resgatava Edward dos escombros sociais e o levava direto para o redemoinho de uma vizinhança cínica, dada a fofocas perversas e que, passada a sensação de descoberta do estranho, o tratava como uma ameaça em potencial para todos. Pois é, invertam-se os papéis e quem está quietinha no lar-doce-lar dessa vez é a Dianne Wiest e quem acena as garras é a truqueira-mór da Rosamund Pike. Ainda bem que, diferentemente do mãos-de-tesoura, a personagem da Dianne não é nada boba e tem os amigos certos que não vão sossegar enquanto não a libertarem do cativeiro legalmente resguardado.
Soma-se ao elenco a mão mais inteligente dos Sete Reinos de Game of Thrones, o talentoso Peter Dinlage, e o resultado é o mais puro e imperdível entretenimento, que em certo momento se torna uma espécie de Tom e Jerry moderno com dois personagens sem o menor escrúpulo moral no centro do enredo.
Com um desfecho que pode soar preguiçoso e desnecessário ‘Eu Me Importo’ é o caso raro de um filme adquirido simultaneamente pela Netlfix nos Estados Unidos e América Latina e no restante do mundo pela Amazon Prime Video e, portanto duplamente fortalecido pelas maiores potencias de distribuição que conhecemos hoje. Sem dúvida vale a pena ser visto.