Com 33 anos, a francesa Nelly Ben Hayoun tem uma trajetória e tanto. Conhecida como uma “designer de experiências”, ela já trabalhou com a NASA em um projeto envolvendo bandas e artistas como Sigur Rós, Prodigy, Damon Albarn e Beck para levar suas músicas para o espaço, aInternational Space Orchestra (ISO) – a primeira orquestra mundial de cientistas espaciais da NASA e que virou até um filme que rodou vários festivais (você pode alugar ele por aqui).
Hayoun foi nomeada pela Icon Magazine uma das 50 pessoas que estão construindo o futuro e ganhou um prêmio da Wired por seu trabalho e seu potencial de causar um impacto significativo no mundo. Em 2015, ela lançou Disaster Playground, um filme baseado em uma investigação de procedimentos de emergência para desastres como asteroides intrusos ligados à terra.
Agora, ela se prepara para lançar seu novo documentário I Am (not) A Monster, que aborda algumas das crenças da diretora no que diz respeito ao direito à educação e pensamentos plurais. “Educação deveria ser gratuita e independente de políticas governamentais”, diz em entrevista ao site It’s Nice That.
Influenciada pela filósofa Hannah Arendt (cunhadora do termo a “banalidade do mal”) cujos textos nos alertam sobre os perigos de regimes autoritários e cita Trump e Bolsonaro como exemplos, Nelly vai à fundo nas questões que acredita serem imprescindíveis para um mundo mais justo e harmonioso. “Como uma mulher que cresceu em uma família de imigrantes, o filme expressa minhas crenças mais fortes: que as nações devem ser questionadas como um formato e que considerar um novo modelo para educação é mais urgente do que nunca”.
O filme tem participação das ativistas Noam Chomsky e Nadezhda Tolokonnikova (Pussy Riot), do construtor de robôs Hiroshi Ishiguro e muitos dos alunos de Hannah Arendt, além de outros profissionais e pensadores subversivos. O longa mostra Nelly mergulhando nos pensamentos de uma variedade de estudantes e escolas alternativas através de entrevistas.
Ao longo do documentário, ela interpreta sua musa inspiradora Hannah Arendt, interrogando os participantes sobre o que configura um monstro na sociedade atual, além de entender como figuras políticas, como Donald Trump e Marine Le Pen,
são capazes de ganhar apoio. “O filme defende uma reivindicação da propriedade da política a partir da perspectiva dos cidadãos e através do olhar para a educação neste momento da história, onde tendemos a esquecer o quanto é importante desenvolver uma forma crítica de pensamento”.
Ela mesmo, quando não está envolvida em alguma filmagem, cuida de sua universidade de pós graduação University of the Underground, em Amsterdam e Londres. Com seus colegas, ela ensina a pluralidade em disciplinas e pensamentos através do cinema, música, design, política, teatro e linguística. “Senti que precisava construir uma federação de parceiros em torno de nossa estrutura educativa para demonstrar a importância do ato de pensar e a necessidade de uma pluralidade de pensamentos e educação transnacional”.
Fazer o documentário e ouvir vozes diversas mudou a maneira como ela enxerga alguns assuntos. Por exemplo, ela achava que nunca deveria receber em sua escola um aluno que apoia Trump ou é pró-Brexit, mas foi ouvindo Roger Berkowitz, diretor acadêmico do Hannah Arendt Centre for Politics and Humanities, que a fez repensar. “Ele fala sobre ‘a era da solidão’, onde estamos todos de acordo com nossos próprios pontos de vista e não ouvimos nem queremos conversar um com o outro. Ao fazer isso, nós reforçamos um único ponto de vista, o que é algo usado em regimes autoritários”.
Nelly hoje diz que o propósito real de uma escola é ser “uma plataforma para pensar. E nesse contexto, minhas crenças pessoais não devem ser aplicadas”.
Em relação ao design e à criação, Hayoun sugere que um novo modelo de liderança é crucial se quisermos que a indústria do design seja mais representativa e inovadora. “A indústria de design está carente de uma base de pensamento crítico e as instituições públicas não são projetadas para integrar esse tipo de pensamento à criação. Para mim, design tem que ser sobre modificar estruturas de poder”.
Tudo o que ela faz é repleto de significados, ousadia e coragem para questionar as bases que sustentam muitas das estruturas sobre os quais o mundo ainda se apoia. Enquanto o filme não estreia, vale ver o trailer e mergulhar em sua obra dinâmica e brilhante.
I Am (not) A Monster estreia no segundo semestre deste ano.