A diversidade não está mais na moda?
Profissionais denunciam retrocesso na inclusão de minorias, tanto nos bastidores quanto diante das câmeras.
A diversidade não está mais na moda?
Profissionais denunciam retrocesso na inclusão de minorias, tanto nos bastidores quanto diante das câmeras.
A diversidade parece já não estar mais na moda. A frase pode soar provocativa, mas reflete o sentimento de muitos profissionais negros, trans e indígenas em relação ao cenário atual. Apesar de o mercado ter abraçado, em um passado recente, o discurso da inclusão e da diversidade, esses valores parecem estar cada vez mais restritos às vitrines.
Quando se busca dados concretos sobre inclusão, a realidade é desanimadora: informações transparentes e atualizadas são raras. Um exemplo é o último relatório do CFDA, publicado em 2021, que já apontava sinais de um declínio no debate sobre diversidade – uma tendência que só se agravou desde então.
Há algumas semanas, uma renomada maquiadora negra usou o Instagram para desabafar sobre a escassez de oportunidades de trabalho, um relato que desencadeou uma onda de depoimentos similares. Entre eles, o de Gustavo H. Paixão, fotógrafo indígena com 13 anos de experiência na moda carioca.
Em uma publicação no Threads, Paixão destacou a dificuldade de crescimento profissional enfrentada por pretos e indígenas, frequentemente preteridos em favor de profissionais brancos inseridos em bolhas privilegiadas. O desabafo expôs uma ferida antiga da indústria: a exclusão sistemática de talentos diversos, apesar do discurso de inclusão amplamente propagado.
BARREIRAS NOS BASTIDORES
Furar a bolha é algo difícil, ainda mais ponderando que esse é um mercado que opera na dinâmica dos contatos, onde quem não teve a mesma formação, pertenceu aos mesmos círculos ou teve a mesma origem não consegue adentrar com a mesma facilidade. “Esse é o maior desafio que tenho, pois parece que é mais importante conhecer as pessoas certas do que entrar pelo próprio talento. Isso reforça uma hegemonia branca. Profissionais brancos têm o privilégio de acesso ao conhecimento, seja intelectual ou de influência, enquanto há um apagamento de negros e indígenas nesses espaços” compartilhou Gustavo ao FFW.
Frequentemente, os responsáveis pelas decisões em campanhas publicitárias escolhem corpos diversos apenas para estampar as fotografias, buscando transmitir uma imagem de inclusão que, na prática, não se reflete nos bastidores da indústria. “A indústria da moda clama por uma diversidade que é uma inclusão midiática, ou seja, você vê por exemplo indígenas estampando capas de revistas, fazendo campanhas e comerciais, mas quantos indígenas trabalham dentro do backstage? você vai ver que é algo próximo de zero”, pondera o fotógrafo.
“Quantas travestis e negras você vê maquiando nos desfiles? Eu praticamente só vejo a mim mesma, e muito devido à minha bagagem anterior”, diz Maxi Weber, uma das maquiadoras mais premiadas da ind;ustria, com 30 anos de carreira. “Quando olhamos revistas, vemos uma modelo preta na capa, mas a equipe por trás ainda é majoritariamente branca. Parece que houve um retrocesso; parecia que iríamos avançar, mas o controle voltou às mesmas mãos”, complementou.
PELO VISTO, NÃO SOMOS MAIS O HYPE
Para a stylist Naiara Albuquerque, o discurso inclusivo tem se tornado cada vez mais raso e vazio – uma percepção que ela compartilha com muitos. Em junho deste ano, uma pesquisa realizada pela HR Tech InfoJobs revelou que 59% das pessoas acreditam que a inclusão nas empresas permanece apenas no discurso. O motivo? Moldar a opinião pública, projetando uma imagem de empresas inclusivas, modernas e sintonizadas com as discussões contemporâneas, enquanto a prática real muitas vezes contradiz essa narrativa.
“Criou-se uma pressão para que empresas incluíssem pessoas de diferentes recortes, como PCDs e profissionais negros. Essa inclusão, no entanto, foi mais por obrigação do que por vontade genuína de mudança; as empresas temiam ser vistas como racistas ou gordofóbicas”, explicou Naiara. Com o tempo e menos cobrança, Naiara alega que a pauta está sendo deixada de lado, sendo comum campanhas de Novembro Negro serem feitas sem a presença de profissionais negros nas equipes. “As empresas não parecem perceber a importância de nos incluir de verdade. Parece que, passado o hype, fomos colocados de volta de canto “, pontuou a stylist.
As oportunidades, quando comparadas aos anos da pandemia, têm minguado. Caia Ramalho, fotógrafa que fez capas de grandes veículos de moda do Brasil, diz que conversando com amigos, tem percebido que tudo tem piorado. “O que converso com o meu círculo de pessoas mais próximas é que parece que “passou a onda” da diversidade. Eu vejo que foi um movimento que ganhou uma força durante a pandemia, que foi iniciado, principalmente, pelo movimento negro e que deu respaldo para que outros movimentos também tivessem mais espaço dentro da moda”, explicou.
Embora seja branca, ela enfrenta os impactos desse desprestígio por ocupar o espaço de uma das raras fotógrafas de moda transgênero no mercado. “Eu tenho trabalhado consideravelmente cada vez menos. A procura está muito menor e mais nichada. Sinto que, inclusive, as pautas de nicho estão ainda menores do que já eram. Mas tenho ainda clientes que me apoiam e acreditam no meu trabalho”, relatou.
BUSCANDO ALTERNATIVAS E RESISTÊNCIA
Grandes empresas têm anunciado vagas direcionadas à população negra, buscando promover diversidade em suas equipes. No entanto, o último relatório de transparência da Fashion Revolution, divulgado em novembro de 2024, revelou um cenário preocupante: embora mulheres negras ocupem 54% das vagas de entrada, como posições de trainee, elas enfrentam barreiras significativas para alcançar cargos de liderança.
Atualmente, 77% das posições de alta liderança são ocupadas por homens brancos, seguidos por mulheres brancas (17%), homens negros (4%) e mulheres negras (apenas 2%). A ausência de dados sobre profissionais trans expõe ainda mais a falta de representatividade e inclusão efetiva. O cenário evidencia a urgência de iniciativas afirmativas e mudanças estruturais para romper com a desigualdade profundamente enraizada nas empresas.
Como resultado, cresce o número de profissionais que recorrem a alternativas fora de suas áreas de atuação para conseguir pagar as contas. Caia é um exemplo disso: “No último ano, precisei me abrir a novas possibilidades de trabalho, algumas em frente às câmeras, como modelo, para que fosse possível me sustentar”.
Naiara, que atua como stylist, encontrou no cinema uma opção de continuar fazendo seu trabalho, mas por outra perspectiva: “Esse trabalho permite contratos mais longos, trazendo alguma estabilidade financeira, o que é essencial. No entanto, ainda precisamos nos adaptar e buscar alternativas”. Ela também abriu seu acervo alugando peças para outros stylists e figurinistas.
Maxi tem plena consciência de que os desafios são ainda mais intensos quando se é negra e trans. Determinada a mudar esse cenário, ela fundou uma escola de maquiagem e cabelo, onde compartilha seus conhecimentos e proporciona a seus alunos e alunas a oportunidade de vivenciar a prática diretamente nos bastidores da Casa de Criadores.
Seu trabalho é um lembrete poderoso: transformar a indústria vai além de promover representatividade nas telas e vitrines. A inclusão real só acontece quando as portas dos bastidores também se abrem, permitindo que a diversidade ocupe espaços de criação e decisão, fortalecendo uma luta que precisa ser coletiva e constante.
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