“Ainda Estou Aqui”: Um papo com Claudia Kopke, a figurinista do filme
Em entrevista ao FFW, a figurinista fala sobre sua carreira multifacetada, os bastidores de Ainda Estou Aqui e o poder das roupas em contar histórias.
Em entrevista ao FFW, a figurinista fala sobre sua carreira multifacetada, os bastidores de Ainda Estou Aqui e o poder das roupas em contar histórias.
“Ainda Estou Aqui”: Um papo com Claudia Kopke, a figurinista do filme
Em entrevista ao FFW, a figurinista fala sobre sua carreira multifacetada, os bastidores de Ainda Estou Aqui e o poder das roupas em contar histórias.
Em entrevista ao FFW, a figurinista fala sobre sua carreira multifacetada, os bastidores de Ainda Estou Aqui e o poder das roupas em contar histórias.
Claudia Kopke é uma arquiteta narrativa, mas sua matéria-prima não é o concreto, e sim os tecidos, suas texturas e as histórias que eles contam. Figurinista renomada, sua trajetória atravessa o cinema, o teatro, a ópera e até grandes espetáculos, como as Olimpíadas de 2016. Ela conseguiu imprimir autenticidade em produções premiadas como ‘‘Tropa de Elite’’ ‘‘Casa de Areia’’ e ‘‘Que Horas Ela Volta?’’, sempre com um olhar detalhista que transforma roupas em extensões emocionais dos personagens. Claudia não veste apenas corpos, mas constrói mundos — às vezes surrados pelo tempo, outras, reluzindo com as memórias de quem os habita.
Em conversa com o FFW, ela fala sobre sua filosofia criativa, os desafios de equilibrar estética e narrativa, e as nuances do trabalho em ‘‘Ainda Estou Aqui’’, filme que coloca Claudia, mais uma vez, como forte candidata a reconhecimentos internacionais.
De ‘‘Tropa de Elite’’ a ‘‘Que Horas Ela Volta?’’, seus figurinos são conhecidos por capturar realidades muito específicas. Existe um trabalho do início da sua carreira que você sente ter sido um divisor de águas na forma como você aborda a criação?
Claudia: Engraçado, eu acho que realmente eu fui sempre levada para esse lado assim mais realista. Inclusive, por exemplo, quando eu fiz o ‘‘Casa de Areia’’ que vamos dizer que seria um figurino à vontade, sabe? Por exemplo, aquelas mulheres foram para lá cheias de malas e dali nunca mais saíram, então o máximo que tinha era uma troca ou outra, não tinha de onde tirar material. Então, a roupa vai se rasgando, tem essa observação do dia a dia nos meus trabalhos. Eu gosto disso. Mesmo sendo de época, mesmo tendo contato com família ou com material já existente como foi em ‘‘Dois Filhos de Francisco’’ ou no ‘‘Cazuza’’, eu trago realmente o meu figurino para uma coisa mais realista – sou muito pouco barroca (risos).
Ao longo da sua trajetória, você transitou entre cinema, teatro, televisão e até grandes eventos como as Olimpíadas. Como cada formato influencia a maneira como você concebe o figurino?
Claudia: Bom, sempre tem um roteiro, mas o jeito de trabalhar é completamente diferente. Teatro, por exemplo, eu fiz pouco – eu até me orgulho que eu ganhei um prêmio Shell com o Chacrinha, o musical, nunca tinha feito musical na minha vida, era uma coisa gigantesca e quando figurino tava quase pronto aí me falaram assim: ‘‘Bem, mas aí tem todas as substituições, né?’’, e eu falei: ‘‘Hã?’’. Eu não tinha a menor ideia.
E aí, o Chacrinha do Stepan (Nercessian), e o outro que substituiu o Stepan era muito maior do que ele. Então, se eu soubesse disso, por exemplo, desde o começo, eu já teria material para fazer tudo duplo – pelo menos dos principais. Então, sai correndo para poder refazer tudo, são esses tombos e aprendizados que a gente leva na vida. Mas teatro é bem coletivo assim: você fica ali – eu depois que acabou o Chacrinha não conseguia não ir ao teatro. Eu fiquei uma semana ainda ali querendo mexer em coisas, querendo melhorar. Então, parece que nunca tá pronto e uma hora você tem que se desligar daquilo assim, então é diferente o jeito e tem aquele dia a dia que é diferente do cinema. No cinema, você tem o dia a dia, mas você já filmou aquilo, teoricamente, se não tiver nenhum problema aquilo já foi, já passou para outra cena, já passou outra coisa.
Eu também fiz ópera, que é uma coisa que eu adoro, que pouco tem – até vi que tem mais óperas em São Paulo. Ópera é quase um desfile, porque você trabalha, trabalha, trabalha, trabalha e aquilo são cinco ou seis dias de apresentação e acabou. É outro tipo de envolvimento assim, sabe? Então, são cantores, é outro tipo de cuidado que você tem, não tem tanta troca assim, por exemplo com cantor gringo. É mais difícil, aqui no Rio, por exemplo, o coro do Teatro Municipal, eles são funcionários públicos, eles nunca queriam experimentar, aí você fica negociando com o diretor: ‘‘Me empresta dois, me empresta três que eu preciso provar roupa’’.
Enfim, são processos diferentes, sempre começa com uma pesquisa, com estudo. Por exemplo, ‘‘Tropa de Elite 2’’, a gente na época, a gente nem sabia se milícia era bom ou ruim, sabe? Aí, teve a CPI das milícias que o Marcelo freixo fez aqui no Rio, né? E a gente começou a ler aquilo, era tão interessante. Parecia que você tava vendo uma novela, sabe? Aí você quer ler, quer estudar, quer aprender um monte de coisa. No ‘‘Ainda estou aqui’’ também, a gente leu muito, a gente ouviu depoimento de pessoas. Então, você também tem esse interesse para além das imagens, você entrar na história com profundidade e isso é muito bacana.
Cada trabalho é um desafio diferente e eu acho que é gostoso isso na nossa profissão, apesar da ‘‘ralação’’ depois de um set de horas, eu acho que tem essa parte de pesquisa, de você entrar dentro de um assunto que é muito legal.
Desde o rock brasileiro dos anos 1980 até os 10 mil figurinos das Olimpíadas, seu trabalho atravessa épocas e formatos. Como sua visão estética evoluiu ao longo desses projetos?
Claudia: Por exemplo, quando eu fiz o ‘‘Cazuza’’, eu tinha que copiar tal e qual o Rock in Rio, porque eles iam fazer uma cena que se juntava com outra, né? Não tinha internet, então a gente tinha uma fita gravada que aí você dava um stop, levava para o moço que ia fazer – que era a roupa dele era pintada – poder reproduzir aquilo. Então, isso é uma facilidade que hoje em dia seria moleza, né? Então, eu acho que ajuda muito também hoje a gente tem documentários, a gente tem acesso muito rápido através da internet, filmes, documentários, coisas que te inspiram que não era tão fácil. Então eu acho que o livro continua, a observação continua, revista, mas aí você acrescenta outros materiais que são muito bem-vindos.
Qual você acredita ser o papel do figurino em abrir espaço para o cinema brasileiro em um palco global?
Claudia: Aqui, a gente tem um problema que o figurino não tem valor, vamos dizer assim, então você tem vários prêmios – que nem são todos – que premiam direção de arte, e figurino tem dois, sabe? Porque a direção de arte é claro que ela tá junto do figurino, mas é um outro departamento com pessoas que trabalham. Então isso é uma loucura aqui no Brasil, é muito pouco valorizada, eu estou falando em termos de dinheiro e em termos de prêmio, sabe?
Por exemplo, quando saiu aquela coisa que meu nome estava lá no Hollywood Reporter, eu nem tinha visto. Aí alguém falou: ‘‘Olha, você viu seu nome?’’. É uma coisa que a gente nem esperava, fiquei muito feliz, porque é um figurino que eu acho que foi muito adequado […] e tem esse valor da equação e dele não chamar não chama mais atenção do que deveria, mas ao mesmo tempo é um figurino simples, né? Então aquilo ali foi genial, mas porque o filme também tá com esse ‘‘burburinho’’, não é uma coisa assim que chamaria atenção.
A indústria da moda hoje fala muito sobre autenticidade. Como você vê o figurino como uma forma de educar um público mais jovem sobre narrativas culturais e históricas através da moda?
Claudia: Tudo que chama muita atenção, não é muito bom, porque você tá indo no cinema e a pessoa fala assim: ‘‘Nossa, que fotografia linda’’, poxa, você só viu a fotografia? Você não viu o filme? Você não viu que aquele filme quis dizer? Então, eu acho que é tudo junto que dá certo. Agora é claro que tem gente que observa mais, né? Que tá mais interessado, que é mais ligado à moda.
Eu me lembro que quando eu fiz ‘‘Casa de Areia’’, eu sei que na época, por um acaso, estava em moda as golinhas altas do século XIX, então parecia que eu tinha me inspirado em alguma coisa que eu tinha visto. E eu tive a felicidade, naquele momento, de fazer um filme que se passava no final do século XIX e aí as pessoas captam, entende? Não é uma coisa assim proposital, eu acho.Outro dia alguém falou: ‘‘Nossa, eu usaria todas as roupas da Veroca’’, mas não é proposital, é isso que eu quero dizer, sabe? Que bom que alguém olha e a partir daquilo percebe algum movimento ou aquilo ajuda, né? Eu acho que é sempre isso, é sempre ajudar a narrativa a contar alguma coisa, a contar história.
Aí quando me perguntam: ‘‘Ah, é bom quando as pessoas estão vivas ou quando é mais realista?’’, não é bom, não é bom, porque sempre dá medo. Graças a Deus o filme deu certo, é um sucesso, a família Paiva gosta, mas o medo da pessoa tá viva e falar: ‘‘Ah, não, não era nada disso, eu não era assim’’. Então você fica ali meio pisando em ovos, vamos dizer.
Este filme é mais uma colaboração com a Fernanda Montenegro e a Fernanda Torres, nomes com quem você já trabalhou em ‘‘Casa de Areia’’. Como foi retomar essa parceria e o que mudou na sua forma de trabalhar desde aquele projeto?
Claudia: Eu nunca tinha trabalhado com Walter e ele sempre faz essa piada de que eu não queria, de que ele me chamava, mas não é verdade, tá? (risos). Com as Fernandas sim, então elas são incríveis porque têm muita troca, tem muito questionamento e eu gosto disso. Eu não gosto de impor um figurino, eu não quero que nenhum ator esteja infeliz porque tem que ser uma coisa que eu falei que tem que ser. Então, a troca é muito boa com elas, a gente propõe, às vezes gosta, às vezes não gosta.
A Nanda (Fernanda Torres) chegou e ela queria usar biquíni na praia e eu falei: Mas como assim? Olha, a Eunice teve cinco filhos’’, e aí conversando, a gente foi para os maiôs que a gente tem foto da Eunice com aquele tipo de maiô cavadinho. Então tem horas que a conversa vai, tem horas que o ator quer uma coisa, então você vai sempre negociando ali, né? Então isso é ótimo. Dona Fernanda (Fernanda Montenegro) também maravilhosa, sempre tranquila com relação ao figurino, não tem muita demanda, sempre entende o que a gente tá propondo, sabe? E ali no caso desse filme, a gente ainda tinha uma evolução de uma para outra, então também não podia dar um corte abrusco no figurino.
E trabalhar com Walter foi incrível, ele sempre gostou do nosso departamento de figurino, a gente nunca teve nenhum tipo de problema com ele – quando a gente queria botar uma coisinha a mais ele falava: ‘‘Não, não vamos não’’ (risos) e aí você vai entendendo aquilo. Ele falou uma coisa muito bacana quando a gente foi fazer a foto final – a gente tinha feito acho que uma paleta x e depois ele falou vamos trocar – porque quando você dá uma igualada nas cores do figurino o rosto das pessoas aparece e ele queria o sorriso final, entendeu? Então se você fica com muita cor, cada um tá de um tipo. Então, quando você faz um grupo, se você quer realmente a expressão do ator, se você quer que todos apareçam, quanto mais suave você colocar esse figurino, mais legal vai ser. Então isso foi bom e entre muitos aprendizados.
Sua memória afetiva influenciou diretamente a criação dos figurinos de ”Ainda Estou Aqui”. Como foi equilibrar esse aspecto pessoal com a necessidade de fidelidade histórica e narrativa no filme?
Claudia: Bom, nossa vivência, nossa memória tá o tempo todo (influenciando). Alguém fala assim: ‘‘Ah, o que a pessoa precisa para ser um bom figurinista?’’ Eu sempre acho que é observação, observar e vai no museu e olha a pintura e lê livro. Só que para mim, eu tinha 11, mas eu sou dessa época de que vai na costureira, costura um vestido; vai na loja (de tecido), e você compra com um amor aquilo. Depois a costureira mostrava umas figuras, você escolhia – não chegava a desenhar, mas eu escolhia. Eram coisas incríveis que eram feitas. Tem um vestido que minha mãe deu pra minha irmã e eu tive raiva (risos), mas ele tinha várias meia margaridas aplicadas, é um primor esse tipo de coisa.
E essa parte toda de Londres, de anos 1970, que era a coisa mais ‘‘hypada’’, né? Eu gosto também desse assunto, desse tema, desses anos. Quando eu ia fazer 15 anos, minha avó me deu uma viagem com a Aliança Francesa e eu fui à Londres e eu fui a Biba de Londres e eu fiquei louca com 14 anos. Hoje, eu penso: uma pessoa de 14 anos? Tudo bem, o mundo era outro, né? Mas que metida, né? (risos) O professor de francês também tava nem aí, a gente saía de noite em Paris fazia o que queria. Aí minha mãe: ‘‘Não, não vai cortar o cabelo’’, logo cortei meu cabelo chanel; ‘‘Não vai ver o Último Tango’’, eu vi Laranja Mecânica que ela nem sabia que existia e era muito mais punk (risos).
Então, eu sempre pesquiso, eu gosto de ver – aquilo me traz um quentinho no coração. Aí você vai adaptando à história – claro que ninguém vai ficar ‘‘Porque eu lembrava que tinha uma saia assim que eu vou botar na Eunice’’. Mas eu tinha um biquíni amarelinho e eu tinha uma foto da família Paiva com aquele biquíni, aí a gente fez. Aí não tinha saidinha de praia, eu falei: ‘‘Ah, vou botar essa aqui que eu lembro que eu desfilei, sei lá, com cinco anos’’.
Então tinha isso, sabe? O jeito de costurar, o jeito de cortar, e pega uma modelista antiga que também sabe o que você tá falando, que entende como você vai montar aquilo. É uma delícia, mas é isso, é difícil, dei sorte. Hoje em dia, você vê essas roupas de praia, a gente tem um relevo. Na época não era assim, era tudo liso, então também dei essa sorte. Ele (membro do time) ia buscar tecido, aparecia essas coisas, aí você faz com a modelagem da época e parece que é um biquíni antigo.
Que conselho você daria a aspirantes a figurinistas?
Claudia: Eu acho que a primeira coisa é gostar de roupa. Quando vem para mim uma estagiária ou uma assistente que ama roupa, sabe, que sim entra por dentro de um brechó, de um acervo e ‘‘cata’’ e traz aquilo já é uma maravilha. Então gostar do que faz.
E segundo, se você for chamado para um trabalho, você mostrar porque veio, sabe? Geralmente, quem segue comigo, a pessoa começa como estagiária, daqui a pouco terceiro, segunda, primeira. Eu sou o tipo de pessoa que incentiva muito os assistentes, tem gente que esconde, tem medo que pega o lugar, sei lá, maluquice dessas, mas eu incentivo muito quando eu vejo que a pessoa gosta, que a pessoa quer.
Acho que é se dedicar ao trabalho que você está fazendo, não é imprescindível, mas se colocar como parte da equipe, né? Cinema e televisão é um trabalho de equipe grande, então, se você pisa na bola, não é comigo, é com todo mundo da equipe. Como eu já falei, figurino é muito observação, observar, observar, ver o jeito que a pessoa anda, porque às vezes, você olha uma coisa na rua, você fala: ‘‘Ai, imagina você botar isso no figurino, né?’’ Aí você faz esse equilíbrio entre verdade e o que é verossímil – é estudar.