Elie Saab: “O sucesso depende de muita coisa e não apenas de criatividade”
Estilista libanês de alta costura conversa com o FFW
Elie Saab: “O sucesso depende de muita coisa e não apenas de criatividade”
Estilista libanês de alta costura conversa com o FFW
certamente já ouviu falar de Elie Saab, o estilista libanês por trás de looks de sonhos vestidos por rainhas, princesas, primeiras damas, celebridades e mais uma pequena porção de mulheres super ricas espalhadas pelo mundo.
O que talvez as pessoas não saibam é o “antes”. O que fez Saab abrir sua própria marca aos 18 anos, em meio a Guerra no Líbano, em 1982, que matou ou machucou quase 50 mil civis palestinos. Com uma visão própria, talento e uma obsessão pelo trabalho e pelas mulheres, Saab conseguiu prosperar, tornando-se uma dos nomes mais relevantes de Alta Costura no mundo.
Mas agora, aos 58 anos, ele vê sua marca em um novo momento de expansão. Com o filho e CEO Elie Saab Jr, o designer e empresário está mudando a estratégia para transformar a Elie Saab em uma marca de lifestyle que atende mulheres, homens e crianças nas categorias Alta Costura, Prêt-à-Porter, acessórios, noiva, fragrâncias e home.
Só em 2022, a marca entrou no segmento de prêt-à-porter, lançou perfume e começou a experimentar com o masculino, mudando seu posicionamento e criando novas oportunidades para falar com mais gente, otimizando os seus 200 pontos de venda espalhados por todos os continentes.
Em uma visita ao Brasil para lançar o Saffire Residences, um empreendimento imobiliário que conta com sua assinatura na decoração, Elie Saab conversou com o FFW no hotel Rosewood. Discreto, objetivo e gentil, ele respondia às perguntas misturando inglês, francês e libanês buscando encontrar as palavras certas para se expressar.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
Você se tornou o primeiro estilista não italiano a entrar para a Camera Nazionale della Moda, o primeiro designer libanês a vestir uma vencedora do Oscar e um dos primeiros criativos a colocar sua região no mapa global da moda. Como esse pioneirismo inspirou os designers do Oriente Médio que vieram depois de você?
Fico muito orgulhoso de responder essa pergunta porque me sinto feliz em ter aberto a estrada para muitos jovens designers. Eu trabalhei muito pra abrir essa porta, primeiro pra mim, o que fez com que tenha ficado mais fácil para quem veio depois. Muitos estilistas trabalhando hoje no Líbano passaram pelo nosso ateliê e pelos nossos workshops, de forma que, quando você fala em design libanês, é algo normal hoje. Temos um campus na Universidade Libanesa Americana para os estudantes de moda. É uma forma de devolver ao meu país e também uma forma de manter os talentos aprendendo e trabalhando dentro do Líbano.
Você não teve uma educação formal em moda. Sentiu falta na época?
Quando visito alguma faculdade, tenho tendência a achar que é uma perda de tempo porque design de moda é sobre ter uma visão, sobre como você enxerga as coisas e o mundo. Acho que a faculdade ajuda em coisas que acontecem no entorno de um estilista, mas não a ele criar sua visão própria. Ao mesmo tempo eu encorajo as gerações mais novas a estudar e por isso fiz essa colaboração com a Universidade Libanesa Americana.
Você olha para as tendências ou é orientado por elas de alguma maneira?
Nunca segui tendência na minha vida. Desde o primeiro dia, eu olho para o estilo de mulheres que acho bonitas. Esse é o meu ponto de partida. E essa inspiração chega para as pessoas em uma embalagem que muita gente gosta. Acho que o segredo da minha marca é o produto. Porque você não vai fazer sucesso se não tiver um produto bem feito, bonito e que eleve as pessoas.
Nós moramos em países que navegam por muitas crises políticas e econômicas. Como a crise em seu país afeta você e sua marca?
Eu faço com que a minha empresa não tenha relação direta com o que acontece no país. Problemas são algo frequente no Líbano… Quando eu comecei, o país estava em guerra, então isso agora não é nada pra gente. Penso sempre em olhar pro futuro e nunca parar de trabalhar. Eu moro no Líbano até hoje, apesar de dividir meu tempo também entre Paris e Geneva, mas acho importante que uma parte importante da nossa produção esteja no meu país.
Qual é a sua definição de glamour hoje?
Todas as mulheres dão um sabor diferente para a palavra glamour. Mas às vezes, quando as coisas são muito glam, também são muito cafonas, sabe? O glamour é um equilíbrio entre muitas coisas. Às vezes, você olha pra algo lindo, mas quando chega mais perto, vê que não é bem feito. Às vezes o vestido de uma pessoa é lindo e a maquiagem não é… É muito subjetivo e também tem a ver com a personalidade da mulher.
O imperfeito também pode ser glamouroso?
Às vezes você vê mulheres que não são lindas, não são chiques, mas são confiantes. Acredito que confiança é muito importante. Por exemplo, se você veste algo sem graça ou feio, mas usa com confiança, você move a atenção para você, entende? Eu acredito muito no poder da confiança.
Você faz oito coleções por ano, então a cada 40 dias você apresenta uma nova coleção. Isso não é loucura? Você acha que é assim que tem que ser?
Ótima questão. Honestamente, é muita coisa. Isso porque a gente, por exemplo, ainda não desfila o masculino sozinho. Não é todo designer que tem essa quantidade de trabalho, mas tem outros que fazem até mais do que isso. É muita coisa, não acho que tem que ser assim.
Você é workaholic?
Sou perfeccionista e apaixonado pela minha equipe, pelo meu público e pelo trabalho que eu apresento pra eles. Porque se você não se importa com isso, com as pessoas e a qualidade do seu trabalho, pode ser algo destruidor pra sua marca. Manter o sucesso é mais difícil do que fazer sucesso.
Se você fosse descrever como é a mulher Elie Saab, como você a descreveria?
Linda, confiante, atemporal, elegante. Eu tenho respeito pelas mulheres e as vejo sempre como pessoas muito poderosas. E parte do meu trabalho é fazer com elas se sintam assim e respeitadas. Por isso muitas rainhas, princesas, primeiras-damas que vem até a gente porque temos roupas que são elegantes e conservadoras ao mesmo tempo e fazem as mulheres se sentirem lisonjeadas.
Como imprimir a alma exclusiva da marca nas coleções prêt-a-porter e home?
A inspiração do PaP é a mesma da Alta Costura, só a forma de produzir que é diferente. Trabalhamos para a mesma mulher. Um designer tem que ter isso muito claro, senão o público fica perdido. Você precisa achar um caminho e trabalhar sobre ele.
Já o segmento de casas é outra história, não tem nada a ver com as roupas. Alta Costura é uma coisa e prêt-a-porter é outra, mas elas se falam, porque ambas são pra mulheres. Agora, móveis e decoração é outra inspiração porque é pra casa, tenho que pensar em como as pessoas gostam de viver, o que meus clientes precisam pra essas casas e lembrar que às vezes pessoas de gostos diferentes divide um mesmo lugar.
Sua marca começou em 1982 e você está se expandindo para novos mercados, abrindo novas lojas em todo o mundo, fazendo roupas femininas, alta costura, moda masculina, perfumes, decoração de casa… Para uma marca ser bem-sucedida no mundo de hoje, ela precisa ser uma marca de lifestyle e estar presente em todos os momentos da vida do consumidor?
Sim, com certeza. Porque muita gente sonha em ter algo de uma marca e não pode comprar as peças mais especiais. Mas ela pode entrar no universo da grife comprando um óculos, um perfume, uma maquiagem. E quando você tem tudo isso, consegue conectar com mais pessoas.
O minimalismo tem lugar no seu universo?
Eu gosto de minimalismo. Mas não sei o quanto ele pode ajudar.
Todas as mulheres têm uma insegurança ou não gostam de alguma parte do corpo. E a gente consegue camuflar essas inseguranças com a nossa roupa. Acho que o minimalismo atende a mulheres que são muito magras, quase como se fossem roupas para ficar em um cabide. E eu não vejo a mulher como um cabide.
O FFW perguntou ao seu público quem gostaria de mandar perguntas para Elie Saab. Recebemos muitas questões e selecionamos quatro para fazer ao estilista. Confira abaixo:
Você tem bloqueios criativos? O que você faz quando isso acontece?
Claro que tenho. Acredito que todo mundo passa por isso. Porque quando você trabalha o dia todo, você não está só criando livremente. Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Eu sou também o dono da empresa, tenho minha vida, tenho meus problemas, entende? Como todo mundo. Quando tenho bloqueios ou quando, ao final do dia, chega alguém com uma pergunta difícil, eu deixo para o dia seguinte. Todo mundo que trabalha muito passa por isso. E não vejo como algo ruim, mas como algo normal.
O que um profissional de moda precisa ter hoje no início da carreira?
Talento. Eu não acho que só a escola pode te tornar diferente. É a visão que você tem, o sonho que você tem que pode levar você ao sucesso. A escola pode te ajudar como muitas coisas que funcionam ao redor do design de moda, mas é difícil te ensinar a ser um estilista, porque isso depende muito da sua visão.
Acredito que junto com isso vem também a necessidade de olhar muito pro produto. Um designer de moda tem que ser também uma pessoa de produto. Porque sem produto, não tem marca. Se você é criativo e ninguém gosta do seu produto, o que você vai fazer? A criatividade sozinha não vende. Pra dar certo você precisa ter um produto que as pessoas queiram usar. O sucesso depende de muita coisa e não apenas de criatividade.
Que conselho você pode dar a alguém que quer fazer moda, mas não tem dinheiro?
Dinheiro não pode ser um problema quando você está começando. Você pode criar um produto apenas e, através dele, começar a trazer dinheiro pra sua marca. Quando eu comecei, na guerra, meu pai tava doente e eu não queria deixar ele trabalhar. Foi por isso que eu comecei, por uma necessidade. Quando alguém tem uma ideia clara e acredita em si, percebe que é possível começar sem dinheiro.
Quais são as inspirações para suas roupas e os detalhes das peças?
Pra fazer uma coleção você precisa de muitas musas diferentes. E eu olho pra essas musas porque as mulheres não são iguais e se eu for pensar apenas na perspectiva masculina, pode ficar entediante. Então eu me inspiro nas mulheres.
E temos uma equipe grande trabalhando e colaborando com as coleções.