Estamos viciados em sumir?
Do contatinho de app e Instagram ao amigo de longa data, sumir tem se tornado uma alternativa vista como prática (mas igualmente dolorosa).
Estamos viciados em sumir?
Do contatinho de app e Instagram ao amigo de longa data, sumir tem se tornado uma alternativa vista como prática (mas igualmente dolorosa).
O “ghosting” se tornou um termo cunhado na atualidade para se referir quando alguém simplesmente some, sem dar pistas ou muito menos se despedir. O que antes era limitado a relacionamentos amorosos, trocas e flertes virtuais foi aumentando a outros âmbitos da vida, incluindo, amizades. Em “Just Friends”, livro de Gyan Yankovich, lançado em janeiro de 2024, a autora reflete sobre esse comportamento que vem se tornando cada vez mais rotineiro.
Um estudo qualitativo de 2018 nos EUA (leia aqui em inglês) analisou as diferenças entre a forma como as pessoas abordam os problemas nos seus relacionamentos românticos, em comparação com as suas amizades. O The Guardian, que analisou a pesquisa em janeiro deste ano, destacou que: embora as pessoas esperem que os seus parceiros respondam aos problemas de uma forma ativa – seja conversando, seja discutindo – é muito mais aceitável esperar uma abordagem passiva quando se trata de amigos.
A pesquisa descobriu que quando surge um problema com amigos é provável que adotemos duas abordagens: ou esperamos que as coisas melhorem – sem que ninguém realmente mencione o problema – ou nos afastamos completamente do amigo. Basicamente: sumimos.
Ghosting: como a saída mais prática.
“Já existia desde os nossos avós: ‘chá de sumiço’ ou ‘tomei um bolo’, eram as expressões usadas para definir mais ou menos o que apelidamos de ghosting”, relembra o psicanalista Felipe Jarrusso para quem questionei se ‘estamos viciados em sumir?’.
“Curioso você usar a expressão ‘viciados’, já que o vício se subentende como uma patologia, mas não. Pensando na palavra “viciados”, podemos associá-la também ao processo de dependência que o sujeito pode vivenciar com o sumiço do outro — uma situação que alimenta a fantasia. Nós somos seres relacionáveis, apaixonáveis, vivemos no coletivo. Mas esse momento extremamente neoliberal onde tudo vira consumo, incluindo as nossas relações, por conta de apps e redes sociais, nos dá essa sensação de possibilidades infinitas e outra possibilidade também, que é a de não se responsabilizar”, pondera Jarrusso.
Mas se o outro foge e some, como é para quem fica?
“Há um medo de ser odiado, deixar de ser amado e de achar ‘não vou dar conta, então prefiro sumir’. Mas assim como um relacionamento amoroso, a amizade também apresenta pistas, um esfriamento… Especialmente amizade longas, com anos, décadas de existência, podem mudar por conta das diferenças que surgem no percurso: visões religiosas, políticas ou até mesmo identificação. Por não querer verbalizar algumas questões, se decide ‘vamos ficar em silêncio’ e se resolverá. Mas é um fantasma que ronda tanto quem abandona, quanto quem se sente abandonado”, analisa Felipe.
E tem como se blindar ou como superar isso?
“Tentar não alimentar esse fantasma que se materializa com a ausência, falta, lacuna… Não entrar num âmbito narcisista com pensamentos como ‘não fui bom o suficiente’, ‘o que fiz de errado’, ‘o que há de errado comigo para ser abandonado’. Lembra que quem abandona também é abandonado. Perceber o peso de dar ao outro esse ideal de completude. A esperança aqui pode até ter um papel não tão positivo. São fantasias que não serão respondidas”, finaliza.
Para quem quer refletir mais sobre o tema:
Copo vazio – Natalia Timerman.
A gente mira no amor e acerta na solidão – Ana Suy.
Tudo sobre o amor – Bell Hook.
Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico – Christian Dunker, Nelson da Silva Junior e Vladimir Safatle.
Além do princípio do prazer – Sigmund Freud.
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