FFW Insider entrevista Patricia Bonaldi: “Jamais serei minimalista”
As vésperas do seu próximo desfile na New York Fashion Week, a estilista e empresária mineira abre o jogo com o FFW
FFW Insider entrevista Patricia Bonaldi: “Jamais serei minimalista”
As vésperas do seu próximo desfile na New York Fashion Week, a estilista e empresária mineira abre o jogo com o FFW
Em meados de agosto, o FFW foi convidado para conhecer de perto o projeto “Costurando Sonhos” de Patricia Bonaldi, em Uberlândia, onde ela reside. A estilista e empresária nos recebeu em sua própria casa em um dia bem quente – mas que, segundo a anfitriã, estava até ameno pros padrões do triângulo mineiro.
A mineirice da estilista é, assim como suas peças, do tipo exportação: com doçura, olhos nos olhos, sorriso no rosto, clima intimista, toque e sinceridade. Características que não anulam o tino pros negócios e olhar estratégico que ocupa hoje um lugar quase solitário dentre as marcas que representam o Brasil internacionalmente.
Dirigida a quatro mãos, ao lado do marido Luiz Moraes, o negócio familiar vai de bem a melhor, com mais um desfile confirmado na NYFW no dia 09 de setembro, abertura de uma segunda loja internacional, investimento no mercado europeu e, de quebra, um desfile no Brasil em novembro. Os highlights da nossa conversa que transita sobre business, meditação, desejos e filantropia, você confere na sequência.
O começo de tudo
Conheci Patrícia, ou melhor, sua PatBo em uma edição do Minas Trend em 2011, no estande notei que era ela quem recebia os compradores, editava as araras, falava com a imprensa, organizava pedidos e pensava na logística. Foi exatamente essa lembrança que me veio à memória quando começamos a conversar e percebi que essa onipresença ainda faz parte da sua natureza.
“Venho de uma família simples, estudei em escola pública, tive que lutar desde cedo para alcançar meu espaço. Passei na federal, fui cursar direito… Eu era bem CDF, bem nerd, mas no meio da faculdade me envolvi com moda”
“A minha mãe sempre me levou pra comprar tecido, a gente sempre mandava fazer roupas. Então a minha relação com costureira, bordadeira e lojas de tecido sempre esteve presente. Naturalmente na adolescência, eu fui criando personalidade e tomando as rédeas, escolhendo o que queria ou não. Sou de uma geração que não via a moda como se vê hoje, então eu me questionava ‘vou conseguir ganhar dinheiro? Vou ter futuro?’. Quando há 20 anos, montei uma multimarca e as roupas não vendiam, notei que sempre queriam comprar o que eu estava usando. Logo, percebi que tinha que mudar a rota e passei a fazer o sob medida”.
E tendo o manual como mote e diferencial, Patricia envergou pelo feito a mão, enquanto desenhava, atendia e atuava como comercial. A exportação, inclusive, já começa em suas primeiras edições no Minas Trend. Uma das primeiras a olhar para o trabalho foi a Harrods [cultuada loja de departamento inglesa]. “Minha cliente até hoje”, ressalta. E, como dizem, o resto é história.
Turning point (no plural)
Foram vários pulos e replanejamento que Patrícia teve ao longo do percurso, mas um dos principais, foi quando percebeu que a moda festa dos longos ricamente bordados enchia os olhos dos clientes [especialmente dos internacionais], mas que era no casual que ela podia explorar mais a veia criativa e criar os famigerados storytellings (hoje mais populares, mas na época não tão explícitos na estratégia de grandes marcas).
“Fui a única estilista que fez collab com a Converse, lembro que, na época, eles me disseram: ‘Te convidamos porque sua marca é playful, fearless and bold’. E eu levo esses atributos até hoje comigo”, revela.
Os passos (ousados) e decisivos
Da saída do sob medida para a abertura da primeira loja em São Paulo (que faz parte dos 12 pontos de venda físicos no Brasil), passando pela presença em Nova York – com direito a um showroom na Quinta Avenida e ter se tornado membro do CFDA, Patrícia tem feitos impressionantes. “Step by step, não tive grandes saltos, tudo foi muito bem pensado, tem linearidade. Eu me orgulho que tenha sido assim, pois é como eu acredito que tenha que ser”, pondera.
Foi ela também a responsável por apostar alto em influencers (na época ainda definidas como bloggers) as usando como modelos. “Fui a primeira a fazer campanha com blogueiras! Óbvio que enfrentei preconceitos, tudo que é novo incomoda, acho natural. Mas lembro que fomos para o Rio, fizemos aquelas imagens, pois eu acreditava que era algo certo a se fazer, já que elas desejavam minhas roupas. Sei como a internet pode ser controversa, mas, para mim, foi bom ter essa abertura, as pessoas foram se identificando e eu tendo a oportunidade de contar minha história, minha visão e narrativa”, analisa.
Processos e backstage
“Monto minhas ideias como um patchwork. Na PatBo a gente junta as coisas aqui e ali. Jamais serei minimalista [risos]. O que eu mais amo é justamente unir e sobrepor. Sou uma pessoa com visão múltipla. O exercício maior é fazer essa união de uma forma harmônica – misturar flores bordadas, aviamentos, texturas, é onde eu mais vibro! Independente da tendência da vez, somos assim desde o dia um. Nos EUA temos um calendário bem definido: resort, spring, summer, fall. Mas com as nossas particularidades: no inverno produzo menos, enquanto meu verão é lançado lá em três fases, por exemplo”, entrega.
Já no Brasil, Patricia conta que além das grandes coleções de verão e inverno, há uma série de cápsulas criadas a partir de datas especiais, como réveillon e Dia das Mães. “Aprendi com o internacional a trazer esse formato mais fragmentado. O mais desafiador é que estou sempre fazendo três coleções ao mesmo tempo. Tenho uma marca com olhar e estratégia globais. São poucas coisas que adaptamos para cada Hemisfério, porque queremos que a experiência de compra seja a mesma”.
Estratégia e próximos passos
Patricia chegou ao mercado norte-americano em um momento bem particular, no qual se lembra que suas peças podiam ser encontradas na Harrods, ao lado de Elie Saab e Marchesa [marca preferida e desejada no início dos anos 2010]. “Foi importante essa auto análise. Se um buyer compra suas peças por mais de uma temporada, o que isso significa? Eu entendi que precisava continuar sendo eu, mas entregando a ele o que desejava com os meus códigos. Por isso, eu olhava pro mix de produtos, para os preços, para todos os detalhes que me destacariam”.
“Vamos abrir uma operação forte na Europa via Portugal. Merchandise é a palavra de ordem para quem quer exportar! Não é mais olhar para uma peça meramente bonita, não pode ser mais do mesmo.
“Os Estados Unidos, a Europa, já têm tudo, então preciso de um produto único, ele é base, e ele precisa ser diferenciado, mas trazer identidade e olhar”.
Terra Natal
“Hoje seu foco atual está no mercado internacional? A Patbo já atingiu tudo o que podia aqui no Brasil?”, pergunto.
“Eu acho que estou só começando [risos]. Cheguei lá não! Isso é só o começo… Ainda cabe mais lojas. Não dá para ser gigante, já que 90% é manual, também não pode quantidade por conta das minhas clientes. Não quero pulverizar. Quero ampliar de outras formas, fazer sapatos, lifestyle… Já vendemos do biquíni ao vestido de festa, estamos em vários momentos da vida da cliente e é aí que preciso explorar ainda mais”.
““Eu acho que estou só começando [risos]. Cheguei lá não! Isso é só o começo… Ainda cabe mais lojas.”
Desafios internacionais x nacionais
“No internacional, sem dúvidas, gestão de pessoas, eu e Luiz, principalmente no início demoramos muito para entender a importância do RH, cuidar e desenvolver pessoas. 90% dos seus problemas são solucionados. Se você tem costureira, bordadeira, precisa ter um RH! Atualmente tenho uma diretora de recursos humanos, tenho essa estrutura, que cuida de pessoas. Afinal é isso que faz ser o que somos: pessoas. Hoje sou apaixonada por esse assunto, dar feedback, amo essa parte do negócio”.
E os maiores desafios que enfrenta aqui, no Brasil?
“Mão de obra especializada. Não temos iniciativa do governo, por isso, a privada se sobrepõe, não é algo cultural ainda no nosso país. Se não temos os profissionais prontos, precisamos ensinar a trabalhar, capacitar, é algo muito maior e efetivo! É preciso criar um polo de ensino. Basicamente tudo sai da minha fábrica em Uberlândia, faço poucas coisas em São Paulo. A escola de bordados, se eu não tivesse tido essa atitude, eu não conseguiria manter meu negócio, foi a forma de manter viva a marca e também de dar continuidade a processos manuais que eu acredito!”.
“Falta mão de obra especializada. Não temos iniciativa do governo, por isso, a privada se sobrepõe, não é algo cultural ainda no nosso país.”
Receptividade no mercado estadunidense
Você comentou que sente uma abertura maior nos EUA, tanto entre stylists, quanto celebridades e formadores de opinião. Por que acredita que isso acontece?
“Tento dar lógica, lá eles já têm tudo, nós ainda temos um deslumbramento, porque estamos começando a consumir luxo, estamos aprendendo a lidar com isso. Então quando você cresce com tantas marcas grandes e estabelecidas e surge algo novo, eles estão mais abertos. Demorei muito mais no Brasil para expandir do que nos Estados Unidos. Nós temos essa coisa cool que eles ainda têm curiosidade. Hoje eu tenho essa teoria, antes, no começo, não entendia”.
E no Brasil você sente algum preconceito sobre seu trabalho por parte dos profissionais de moda?
“Eu não levo nada para o pessoal, sobre algo que uma pessoa ou grupo tenha dito ou se não me validou. É uma mentalidade que fui criando e lapidando desde o começo. Se não gosta do meu trabalho eu realmente não interpreto como algo pessoal”.
Efeito J.Lo
Semanas antes, quando decidimos que Patricia seria a nova capa do FFW Insider, me deparei com a imagem de Sofi Tukker com um macacão de plumas e fios dourados, a imagem glam e super seventies, é só um dos inúmeros exemplos do que a mineira vem conquistando organicamente. Outra aparição recente foi Jennifer Lopez usando uma de suas criações.
Como suas peças foram parar na J.Lo? E qual o efeito de uma celebridade do calibre e alcance dela para uma marca brasileira no mercado estadunidense?
“Eu amo mais isso do que ganhar dinheiro [risos], esse reconhecimento é lavar a alma pra mim! Depois de tanta luta, tudo isso é orgânico, nem teria como pagar 4 looks para ela usar, ela gosta da minha marca, tem essa identificação. Uma grande confirmação da minha história e narrativa. O impacto? É gigantesco, as clientes de diferentes lugares do mundo querem exatamente aquelas peças e passam a olhar a marca com mais carinho”.
Para estar bem no presente
Você é uma mulher de negócios. Te sinto bem envolvida em todos os processos, mas apesar do peso de ser uma líder e gestora, te vejo com uma doçura bem sua, o que faz pra ter esse equilíbrio ou o que faz pra desligar?
“Sou hiperativa [risos], tem gente que tem TDAH, eu sou super foco, vou esmiuçar, eu não vou parar de ver aquilo, enquanto não souber tudo o que quero. Nível de energia muito alto… Eu era bem estressada, mas pra conseguir dar conta, trabalhei o meu lado pessoal. Eu medito dia e noite, no almoço, para dormir. Foi a forma que achei pra dosar minha ansiedade. Eu era mais reativa, sofria. Nunca fiz terapia, mas eu me trabalho, trabalho em mim e não nos outros. Não é culpa de ninguém, só de concluir isso já diz tanta coisa. Sou muito disciplinada. Isso também ajuda muito a minha vida. Preciso ter método”.
“Eu era mais reativa, sofria mais. Nunca fiz terapia, mas eu me trabalho, trabalho em mim e não nos outros. Meus problemas não estavam fora.”
Futuro
“Quando as coisas tiverem mais planas, quero focar ainda mais no meu Instituto, sem fins lucrativos para trilhar o caminho de outras pessoas, vai me preencher ainda mais – mais do que a criação preenche hoje. Vai ser muito transformador. Em pouco tempo, espero já estar vivendo isso… dar espaço a novos nomes! Por enquanto, estamos focadas em bordado e costura, mas quero aumentar isso: marketing, jornalismo, design gráfico… Eu não tive onde recorrer, quando era mais jovem, eu tive que aprender errando, mas quero que a nova geração não precise passar por isso e que possam ter essa oportunidade”, finaliza.