“minha roupa não é ‘it’, do momento, tendenciosa” André Namitala, da Handred
O FFW conversou com o diretor criativo na ocasião da abertura de sua terceira loja sobre virtual x analógico, sexualidade, rituais e intimidade
“minha roupa não é ‘it’, do momento, tendenciosa” André Namitala, da Handred
O FFW conversou com o diretor criativo na ocasião da abertura de sua terceira loja sobre virtual x analógico, sexualidade, rituais e intimidade
No Rio, após uma manhã nublada, percebo que se forma uma luz bem específica de outono pela janela do táxi, estou a caminho do shopping Leblon, na zona sul carioca. Ali, pelo segundo dia consecutivo, já que na noite anterior o motivo foi a abertura da quarta loja da Handred. O endereço caçula é mais mignon, se comparado aos irmãos mais velhos – localizados em Ipanema (RJ), Jardins e shopping Iguatemi (ambos SP) –, mas resume bem a aura da marca: telúrica e etérea, modernista e contemporânea, algo que fica explícito no mobiliário que mistura peças clássicas de Sérgio Rodrigues com as do jovem Rafael Triboli.
Dentro do café da Livraria Travessa, André Namitala, diretor criativo da Handred, me encontra e confidencia: “a limonada daqui se tornou quase um ritual, sempre peço…”. Me dando um gancho para o início da entrevista, que você confere, na íntegra, a seguir.
VA: Curioso você falar “ritual”, você tem muitos rituais?
AN: Acredito que tenha alguns rituais, alguns até se normalizaram de tanto que os pratico no dia a dia. Mas foi algo que foi crescendo com a religiosidade. Converso muito comigo mesmo, pedindo e agradecendo. E em cada seara do meu dia, da minha vida, do meu trabalho, mentalizo um orixá, que saberá me guiar da melhor forma.
VA: Você é super cheio de energia, falante, contagiante… O que faz para desligar?
AN: Amo, antes de ir para o ateliê, sentar no sofá e beber café sem pensar em nada, algo que por mais que dure 30 segundos, faz toda a diferença para mim. Esses pequenos rituais me ensinaram a me dar limites: se estou no uber, estou no uber, não tento ficar resolvendo mil coisas. Se estou em uma reunião e o WhatsApp apita, eu viro o celular e continuo a reunião, sem correr para descobrir a urgência. Aprendi a ser mais presente. E, para isso, preciso estar descansado, durmo 9 horas por noite – e tanto na hora de dormir, quando acordo, peço apenas uma coisa: calma.
VA: E esse desejo de calma é para lidar principalmente com o quê?
AN: Me entendia como estilista, mas demorei até me desenvolver como CEO, não gostava da sigla. E para isso, para ser CEO, eu preciso de calma. Ninguém está no meu lugar e, vice versa, então para ser estilista e CEO é preciso equilíbrio e, claro… muita calma.
VA: Foi o Iguatemi que trouxe esse amadurecimento para se ver no lugar de CEO. Afinal, antes eram só as lojas de rua, imagino que estar numa dinâmica de shopping deva ter influenciado em algo, não?
AN: Foi bom pela notoriedade. Eu acesso outras bolhas, assim como aqui, agora, no Leblon. É um processo que tem sido interessante, até porque não possuo um sócio ou investidor, então despertou um outro lado, mais estratégico, em mim.
VA: Você comentando sobre estratégia, fez eu lembrar que muitas marcas cariocas acabam tendo o estigma de não serem tão bem recebidas em outros estados. Mas a Handred contraria isso, já que tem mais uma loja à caminho, né? [Em breve, o shopping Higienópolis, será o quinto ponto de venda da marca].
AN: Sinto que São Paulo quer esse lifestyle, essa sensação de férias, essa leveza… sem cair em algo clichê. Somos menos tropicais e mais modernistas, o que nos garante esse diálogo com o urbano. Acredito que seja isso o motivo dessa identificação.
VA: E onde a cliente carioca e a cliente paulista se encontram? Onde você acredita que esteja essa intersecção?
AN: Percebo com muita clareza que é um gosto pela qualidade. Minha roupa não é “it”, do momento, tendenciosa. Ela é discreta, ao seu modo, mas possui códigos muito bem definidos. Tem uma profundidade. Gosto de trocar com os clientes, eles são criteriosos, então procuro formas de explorar o que gosto sem ser raso.
Por exemplo, quando viajo, independente do CEP, sempre procuro por lugares que eu entenda a história do lugar e quem está produzindo sua história atualmente, então vou para sebos, antiquários, mercados… Uma pesquisa ferrenha, que torna tudo mais íntimo.
VA: Sinto realmente que tudo volta à intimidade. Noto como você se realiza no ateliê, naquele momento do processo, que consegue trocar com as modelistas e costureiras com total franqueza.
AN: Sou canceriano. Amo o ateliê porque é ali que tudo se materializa. A roupa chega, eu experimento, passo o dia com ela no corpo. Sou zero prático, sou super passional, analógico. Gosto de sentir, isso porque eu odeio small talk, trocas superficiais e com a roupa é a mesma coisa, precisa ser íntima e precisa ser real.
VA: Você é analógico [risos]. Em tempos ultra conectados e com as redes sociais sendo obsessões contemporâneas, como você lida com elas?
AN: Sim, sou super, você sabe! Gosto de observar, não de ser observado. Quando viajo e alguém elogia minha roupa, por exemplo, raramente eu respondo ‘eu quem fiz’. Porque gosto de ouvir o que a pessoa tem a dizer sem saber que sou eu quem assinou, ela será bem mais franca.
VA: E hoje com as pessoas sendo curiosas, elas adoram ver quem está por trás, quem desenha. Então sinto que você mostra para o público como as usa, o que acaba humanizando de certa forma…
AN: Sim! Porque até quando apareço o comprometimento maior é com a roupa e não comigo. E também eu amo o varejo, sou vendedor, gosto de fazer a roupa imaginando como e para quem ela será vendida.
VA: Mas essa veia comercial influencia de que forma o seu processo criativo?
AN: O tecido é sempre o ponto de partida, os materiais em si. Penso muito a partir do tecido, levo um pedaço para casa, observo, toco… Não fico desenhando 10 mil vezes. Tenho uma ideia, um dia depois ela toma forma no ateliê, por isso que amo tanto estar nele. Influencia porque trabalho com possibilidades que por mais trabalhosas que sejam, eu sei que vão se tornar reais, palpáveis.
VA: Você disse que ama estar no ateliê, queria saber quais outros lugares você ama estar na Handred e quais os que menos se vê ou menos gosta de frequentar?
AN: Amo ser estilista, fazer a roupa em si, o Diretor Criativo no meu caso é o fazedor de roupas. Onde menos me encontro, mas aprendi e aprendo todos os dias a frequentar é na micro gestão de pessoas, no financeiro, no e-commerce. Esse ano, 2023, é um dos anos que mais estou organizado com contratos, licenciamentos, com tudo que é tributário, com tudo que envolve planejamento.
VA: Quanto você está planejado? O próximo semestre? O próximo ano?
AN: Tenho o próximo semestre definido e o próximo ano arquitetado. Sei exatamente quantas peças serão produzidas no próximo semestre e, também, no próximo ano.
VA: Olha só… E André,você acredita que o fato de ser um homem gay influencia no seu trabalho como criador ou são coisas que se independem?
AN: Claro! Olha que delícia poder ser criativo. Minha marca foi a minha vingança, a minha arma, a resposta a todo bullying que passei, aos traumas, às vezes que fui reprimido. E tenho a sorte de responder a isso com criatividade. A delícia de ter a liberdade de ser sensível.
VA: Sim! Inclusive eu acho que essa sensibilidade resultou em muitas identificações. Sinto que a sexualidade sempre foi explorada no seu trabalho, mas de uma forma bem sutil, nessa, no entanto, está mais explícita [me referindo aos bordados de corpos nus da obra de Vivian Caccuri, protagonistas do lançamento Entre-Ondas, que acaba de chegar às lojas da Handred]. Inclusive, sinto que estão caminhando para um lugar cada vez mais elaborado.
AN: Antes eu tinha um público não tão aberto a essas peças mais decorativistas, mas foi algo que foi aumentando naturalmente. O meu sob medida, por exemplo, aumentou muito. E o fato de ter essas peças mais trabalhadas fez a Handred ser mais procurada por mulheres ou clientes que querem algo mais suntuoso. Começou com pedidos especiais de peças que eram limitadas aos desfiles e foi caminhando para o sob-medida, que inclui agora até noivas. Algo extremamente novo para mim, mas que me provoca, afinal é como contar a história de todo um desfile em um único look. Não há chance de erro.
VA: E mesmo com essa evolução, eu noto como as peças essenciais, que são o core da marca, continuam.
AN: Sim, porque meu trabalho é muito sobre confiabilidade. Quando você ama um creme, uma panela, um objeto… você sabe onde encontrá-lo. O mesmo vale para a roupa, quando o cliente se acha em uma modelagem, ele quer em outras cores, com outras estampas. Ele volta. Essas peças e modelagens que se tornaram clássicas da Handred representam atualmente entre 40 e 50% da minha venda total.
VA: Sinto que possui muito passado no seu presente e futuro. Digo, no bom sentido. O fato de ser analógico, de olhar para a história…
AN: Sim, total… eu olho muito para a primeira metade do século 20. Para o modernismo, para Pierre Verger, para os anos 1950, 1960… Não sou do computador, evito botões, odeio notificações apitando no celular [aponta para o Iphone virado de costas em cima da mesa]. Gosto disso aqui, desse agora, da gente tomando limonada na livraria.