Modelos e campanhas de moda de grandes marcas criadas por AI já são realidade. Será o fim dos shootings de moda?
Clones de modelos e campanhas totalmente feita por inteligência artificial são apenas alguns exemplos do atual cenário que gera insegurança sobre o futuro da indústria.

Modelos e campanhas de moda de grandes marcas criadas por AI já são realidade. Será o fim dos shootings de moda?
Clones de modelos e campanhas totalmente feita por inteligência artificial são apenas alguns exemplos do atual cenário que gera insegurança sobre o futuro da indústria.
Por Augusto Mariotti, Vinicius Alencar e Carolina Vasone
Quando as primeiras imagens criadas a partir da nova geração da Inteligência Artificial começaram a se difundir, ainda estávamos na pandemia. Profissionais, entre eles fotógrafos e diretores de arte, viram nesta tecnologia a facilidade de criar moodboards e cenas altamente elaboradas com apenas alguns comandos (ou prompts). Poucos anos depois, vemos as ferramentas de IA evoluírem em qualidade e alcance, e cada vez mais inseridas no nosso dia a dia. O que inicialmente parecia vanguardista e inofensivo, começa a alarmar, seja pela questão da originalidade, seja pela ameaça a empregos ou por questões éticas.
O que tem de positivo e negativo?
A rede sueca de fast fashion H&M anunciou que usará inteligência artificial para criar clones digitais de 30 modelos, cujas imagens serão usadas em suas campanhas ao longo de 2025. Segundo a empresa, as modelos terão controle total sobre os seus avatares. Aqui começam os primeiros questionamentos. Fato é que os custos de um shooting com modelos reais são mais altos por envolverem muitas pessoas, locações, produção. A IA permitirá economizar e tornar o processo de produção de imagens mais ágil e barato.
Nos perguntamos, em que medida essas modelos, mesmo pagas, não se sentirão plagiadas por uma versão sem alma de si mesmas? Entra aí também uma questão ética, e não só para elas. Saberemos, nós, diferenciar uma pessoa de um avatar num vídeo polêmico, numa foto, ou até no cinema? Uma pesquisa da Bain & Company, com cerca de 700 compradores norte-americanos, por exemplo, descobriu que provavelmente não: 71% afirmam não saber diferenciar uma imagem real de uma imagem gerada por IA. Por enquanto apenas na Europa há regulamentação sobre a questão com uma nova lei que entra em vigor a partir de 2026 que obriga os conteúdos criados por IA a serem identificados como tal.
O impacto na cadeia de produção
Exemplos como o da H&M são cada vez mais frequentes. Em março desse ano, Puma revelou uma campanha que refletia sobre a grandeza e os limites de nós seres humanos, sem, ironicamente, incluir praticamente nenhum humano envolvido uma vez que, do roteiro à finalização, tudo foi feito com IA. Apesar da inovação, os comentários na postagem da marca foram majoritariamente negativos.
Se tudo o que a inteligência artificial cria parte, inevitavelmente, de algo que um ser humano já produziu, onde exatamente cruzamos a linha entre referência e apropriação? Qual é o limite entre homenagem e cópia? A pergunta fica ainda mais urgente quando que campanhas publicitárias podem surgir a partir do estilo inconfundível de um fotógrafo que sequer foi convidado para a conversa. E a questão não se encerra na fotografia.
Recentemente, uma atualização do Chat GPT permitiu a criação de imagens inspiradas no universo visual do Studio Ghibli. Em segundos, qualquer usuário conseguia replicar uma estética construída ao longo de décadas — como se fosse possível comprimir anos de dedicação artesanal em alguns prompts bem escritos.
As tecnologias sempre chegaram com a promessa de facilitar a vida. E, de fato, culpar quem faz uso delas talvez não seja o caminho. Mas e quando o apoio vira substituição? Quando o shooting de moda passa a ser gerado por IA, sem stylists, maquiadores, produtores, sem locação? O que se perde quando tudo é virtual, exceto o desejo de parecer real?
Não estamos mais apenas diante de uma evolução tecnológica que aposenta funções — como já aconteceu incontáveis vezes desde a Revolução Industrial. O que está em jogo agora é o uso da nossa própria criatividade como matéria-prima para que a inteligência artificial nos torne, ironicamente, descartáveis. E agora, tudo isso retorna, sem nome, sem crédito, sem reconhecimento.
Para variar, o impacto é também ambiental
Além de seu impacto na cadeia de produção, as novas inteligências artificiais geram um enorme custo ambiental. A cada 10 palavras que a gente usa para fazer uma pesquisa ou pedir algo para o Chat GPT, meio litro de água é consumido, pontuou o jornal Washington Post numa matéria recente. Uma única imagem no estilo Ghibli pode consumir de dois a três litros e uma enorme quantidade de energia elétrica.
As questões ainda dominam o debate sobre Inteligência Artificial e seu uso indiscriminado. Como dosar os benefícios e os prejuízos de uma realidade que já vivemos, com o uso da inteligência artificial só aumentando? A criatividade humana pode mesmo ser substituida? Existe um caminho do meio a ser seguido? E qual seria? Queremos pensar juntos com nossa comunidade de criativos que já vem sendo diretamente impactada.