Viral versus quiet luxury
Em uma temporada polarizada, percebemos que há um novo desejo – quase a antítese do que a moda vinha se apoiando
Viral versus quiet luxury
Em uma temporada polarizada, percebemos que há um novo desejo – quase a antítese do que a moda vinha se apoiando
Ao ler que algo é instagramável atualmente, isso soa mais como um insulto do que um elogio propriamente dito. Sabemos que a moda está vivendo uma relação tortuosa e tóxica com as redes sociais. Quase uma refém, ela vem (ou melhor, vinha) focando há algumas temporadas em apenas uma coisa: viralizar.
Efêmera por si só, a moda percebeu que a rapidez do viral é ainda mais assustadora, mas a busca incessante por milhões de likes e se tornar o trending topic estava a todo vapor até culminar no caso da Balenciaga do final do ano passado. O gerenciamento de crise de uma das marcas mais celebradas até então abriu os olhos da indústria, que começou a repensar o trajeto.
Polaridade
O extremismo, as pirotecnias e lançamentos voltados para redes sociais podem sair caros, além disso há uma conclusão inevitável: se tornou insustentável a fórmula de criar apenas para chocar, agregar criatividade à algo vazio e, na maioria das vezes, sem propósito.
Tanto, que na temporada de Inverno 23/24 internacional, notamos uma polaridade: de um lado marcas que ainda tentam viralizar (especialmente as mais jovens) e no outro extremo, as que optaram pelo luxo silencioso e foram vasculhar o seu acervo e legado.
Tudo pelo viral
Nesse primeiro time são inúmeros exemplos: do look pegando fogo (literalmente!) de Heliot Emil a estreia de Harris Reed na Nina Ricci – roupas que pareciam ter sido criadas para inundarem o feed, mas que acabaram saindo pela culatra e colocando o designer em uma delicada situação em seu novíssimo cargo. Até mesmo a Coperni, depois de protagonizar uma das imagens mais compartilhadas da temporada passada (com Bella Hadid nua e o fatídico vestido de spray) não teve um desempenho sequer parecido com seus cachorros-robôs – que eclipsaram a coleção e fizeram todos se esquecer das roupas.
aliado dos pequenos designers
Não que virais sejam vilões, afinal eles podem ser muito positivos para marcas pequenas ganharem visibilidade e mídia, em espaços limitados muitas vezes a acordos milionários, budgets surreais e contrato com grandes celebridades. A Sunnei, por exemplo, cria desfiles que são experiências sociais com modelos fazendo mosh pit sobre a platéia de amigos da marca como num show de rock. Já a Avavav transforma todas as suas inseguranças e os maiores pesadelos de uma jovem designer em narrativa. O resultado: desfiles que repercutem nas redes por aliarem verdade com humor e sátira.
DO outro lado
Em contrapartida, Mathieu Blazy da Bottega Veneta, que vinha instaurando essa forma silenciosa e luxuosa de lidar com as roupas, ganhou companhia de outros designers que queriam voltar às origens e a um pensamento bem trivial: mostrar roupas que se bastavam, com técnica, preciosismo e acabamento. Da expert no assunto, The Row, até a Loewe e inesperadamente Michael Kors – com suas linhas pueris.
E, no melhor estilo: quem guarda, tem! Nota-se uma série de marcas que decidiram olhar para seus acervos: Dolce & Gabbana uma temporada depois de ter colocado Kim na passarela, decidiu trazer a alfaiataria minimalista e sexy que os fizeram famosos nos anos 1990. O bloco final da Paco Rabanne reproduziu todos os clássicos vestidos de malha metálica lançados nos anos 1960 – homenagem a seu criador, que morreu no começo do ano? Sim, mas também uma estratégia muito bem executada.
Outro sinal explícito dessa mudança de mentalidade: a Balmain, que depois de shows enormes, venda de ingressos e popstars cantando em palcos, envergou por um clima ultra intimista, remetendo aos salões de alta costura, com apenas fila A e criações que eram o supra sumo da feminilidade lady like da marca nos anos 1950. Na Saint Laurent, Vaccarello mergulhou no acervo dos anos 1980 da marca e de lá trouxe até a decoração da época – réplicas das luminárias em cascata que decoravam o Hotel Intercontinental, onde a Yves Saint Laurent desfilou por décadas.
O próprio Demna, em sua entrevista à Vogue América, havia dito que voltaria a fazer o que ele realmente amava: roupas. Até ele, que foi o pioneiro das ações de marketing extremistas, dos virais, das bizarrices, afirmou que acreditava que sua fórmula não fazia mais sentido. A pergunta que fica é: a audiência depois de tanto tempo deslumbrada está preparada para essa volta à “normalidade”? Depois de tudo isso roupas se bastam? O tempo dirá…