Em seus mais de 30 anos de existência, o Prêmio Turner, principal premiação de arte do Reino Unido e uma das mais respeitadas do mundo, nunca teve uma celebração como a da noite desta terça passada (03.12), quando o artista vencedor seria anunciado.
O prêmio sempre indica quatro candidatos no começo do ano e o primeiro lugar é conhecido em uma noite luxuosa no Turner Contemporary, museu que hospeda a exposição anual do prêmio (ele fica na cidade costeira de Margate, terra de Tracey Emin). Pois nesta edição, e pela primeira vez, o júri do Turner Prize anunciou que todos os quatro artistas selecionados – Lawrence Abu Hamdan, Helen Cammock, Oscar Murillo e Tai Shani – venceram como um coletivo. O anúncio foi recebido com aplausos em pé.
Eles se conheceram em maio na abertura da exposição dos finalistas e, lá mesmo, decidiram formar um coletivo para que, desta forma, todos pudessem vencer. Mas seu interesse não estava no vencer por vencer, mas sim em potencializar sua mensagem, já que seus trabalhos compartilham visões de mundo.
A obra de Oscar Murillo explora a situação política e social do Reino Unido no momento e “a escuridão do nosso momento contemporâneo”; Tai Shani tem um trabalho denso e conceitual, que é uma afirmação feminista nos pedindo para considerar um mundo sem o patriarcado; Helen Cammock investiga a história e o papel das mulheres no movimento dos direitos civis; e Lawrence Abu Hamdan mostra em uma exploração do som o processo de coletar relatos de testemunhas de sobreviventes da prisão de Saydnaya, na Síria, onde os presos foram forçados a viver em silêncio e com os olhos vendados, e suas únicas memórias dependiam de sons.
Em uma carta escrita ao júri para que considerassem seu pedido, eles escreveram: “Cada um de nós cria arte sobre questões e contextos sociais e políticos que acreditamos serem de grande importância e urgência. As políticas com as quais lidamos diferem muito e, para nós, seria problemático se elas fossem colocadas uma contra a outra, com a implicação de que uma era mais importante, significativa ou mais digna de atenção”.
A decisão do vencedor só acontece no dia da cerimônia. Então, por mais que os artistas tivessem enviado a carta em maio, ela só foi lida aos jurados na manhã da terça-feira. Normalmente, eles passam horas deliberando até que surge um vencedor. Mas desta vez, a decisão foi unânime. “A arte deles aborda a política, aborda questões éticas, então eu acho que em cada um dos casos, a poética e a política de seu trabalho são inseparáveis”, disse ao NYT Alex Farquharson, diretor da Tate Britain e presidente do júri.
No palco, Helen Cammock leu uma carta em nome do coletivo dizendo que eles sentiram que seu trabalho era “incompatível com o formato da competição, cuja tendência é dividir e individualizar. As questões com as quais lidamos são tão inseparáveis quanto o caos climático e o capitalismo”, acrescentou ela, dizendo que o gesto de aceitar o prêmio juntos também foi uma declaração importante “em uma época marcada pelo aumento da direita e uma renovação do fascismo”. O grupo irá dividir o prêmio de £40 mil, levando 10 mil cada um.
Eles receberam o prêmio das mãos de Edward Enninful, editor da Vogue britânica. Outras edições tiveram apresentadores como Nick Cave, Yoko Ono e Madonna.
Reações
A notícia sacudiu o universo da arte, mas nem todos concordam com o prêmio coletivo ou com o fato dos trabalhos dos artistas vencedores serem super políticos. Crítico do The Sunday Times, Waldermar Januszczak, criticou os juízes por colocar a política acima da arte. “O uso do Turner como veículo de propaganda se tornou seriamente desanimador”, escreveu ele.
“As pessoas não vão à exposições de arte para se tornarem cidadãos melhores. Elas vão para satisfazer seus olhos e ter seu coração tocado. O prêmio praticamente esqueceu isso”, ele disse, mas ressaltou que concorda com as posições políticas dos artistas.
Já a escritora Jackie Wullschläger, do Financial Times chamou a lista final de um pequeno milagre ao reunir dois artistas, Oscar Murillo e Lawrence Abu Hamdan, que para ela, “são mais fascinantes e ambiciosos do que qualquer outro vencedor de Turner neste século”. E conclui: “após anos adormecido, o Turner está ganhando identidade e propósito em seu compromisso de explorar a expansão e as possibilidades originais da arte política em tempos turbulentos”.
O crítico do New York Times, Jason Farago, concorda que esse modelo antigo, em que o primeiro lugar leva tudo, faz cada vez menos sentido para os participantes que trabalham em uma diversidade de modos artísticos. Ele admira “a astúcia desses artistas em distorcer as regras do Turner Prize para seus próprios propósitos”.
Farago também lembra que essa ação coletiva pode ter sido inspirada por outro evento que aconteceu em 2017 na Preis der Nationalgalerie, na Alemanha, em que as quatro finalistas (Jumana Manna, Sol Calero, Iman Issa e Agnieszka Polska) publicaram uma declaração conjunta que coloca o prêmio como “mais uma celebração dos patrocinadores e instituições do que um momento para se envolver com os artistas e suas obras”.