por Juliana Lopes, de Milão
O ilustrador Lok Jansen ©Divulgação
Difícil entender se o ilustrador Lok Jansen é holandês ou japonês. Nasceu nos arredores de Amsterdã, mas mora em Tóquio, casado com uma japonesa e apaixonado pela paisagem urbana futurística. Seus traços são um mix de referências orientais, arquitetura racional e memórias de design de sapatos de seus pais, que desenhavam perto dele quando era pequeno. Lok é um dos responsáveis pelas imagens ultra modernas dos últimos lookbooks da Prada, em forma de livro e vídeo. “Real Fantasies” é, principalmente, um espetáculo de colagens, juntando a moda com o que há de mais libertador no uso da imagem hoje em dia. O FFW falou com ele em Milão, quando ele tinha acabado de acompanhar as últimas filmagens para a marca.
Queria que você nos contasse um pouco como começou sua carreira.
Estudei Arquitetura e trabalhei um pouco como arquiteto, mas sempre desenhei muito. Aliás, antes de estudar arquitetura, meus desenhos eram mais interessantes. Por isso, quando comecei a trabalhar, eu desenhava todas as noites porque eu queria fazer algo bom pra mim mesmo sempre (risos).
Que elementos te influenciaram quando você começou a desenhar?
Percebi a grande influência dos meus pais, principalmente quando fiquei um tempo longe deles, assim que mudei pra Tóquio. Foi um choque visitar o ambiente onde cresci, em Bijlmermeer, perto de Amsterdã. Meus pais são designers de sapatos, então tinha sapatos por todos os lados, até em cima das mesas. Nunca esqueci daquelas imagens, os detalhes e as cores. Pra mim são como fotografias de família.
Lembra de algum objeto que gostava mais de desenhar quando era pequeno?
No jardim de infância, uma das professoras me perguntou se eu sabia desenhar um pássaro. Disse que não, porque era muito difícil! E ela falou, “você sabe desenhar sim, olhe só”. E fez aquele passarinho com apenas um traço, sabe? (desenhou numa folha de papel). Me lembro ainda desse momento. Quando comecei a levar desenhos mais a sério, passei a desenhar prédios e rostos.
Mostrei ontem um de seus desenhos pra minha mãe, que é arquiteta, e ela me disse: “São adoráveis porque dá pra perceber que ele tem um senso de perspectiva, e ao mesmo tempo ele usa poucos traços pra mostrar um monte de coisas”.
Entendo o porquê. Eu precisei olhar para um monte de edifícios nos meus estudos e isso me fez aprender perspectiva. Pra maioria, essas aulas técnicas eram chatas, mas para mim era o que eu mais adorava, era onde eu mais queria aprender. Porque sabendo aquilo eu podia, e posso, deixar rolar e ir para qualquer direção que eu quiser, num desenho. Posso exagerar ou simplificar. Quando comecei a fazer trabalhos mais livres, as aulas de perspectiva foram uma grande base.
Como é que aconteceu de você ir trabalhar na AMO, o estúdio de pesquisa do OMA, um dos escritórios de arquitetura mais importantes do mundo?
Depois de um tempo trabalhando como arquiteto, um amigo meu, Jeroen Koolhaas, que estava trabalhando no AMO, me convidou, em 2004, pra trabalhar num projeto diferente, chamado “Image of Europe”, um painel de 65 metros contando a história da Europa. Foi a primeira vez que eu fui contratado puramente como um artista, para ilustrar algo que não era arquitetônico. E anos depois fui convidado para trabalhar na série de lookbooks “Real Fantasies”, da Prada. A primeira vez que trabalhei com a marca foi em 2007.
E como foi começar a misturar mídias e trabalhar com outras pessoas, colocando desenho, vídeo e outros meios juntos?
Eu adoro fazer minhas próprias imagens e coisas que me fascinam no momento. Mas é igualmente interessante trabalhar com outras pessoas talentosas. Dá energia. Você se alimenta do talento dos outros. Como na OMA e na Prada. Todas as pessoas estão num bom nível nas próprias disciplinas. Trocamos ideias sobre os projetos e todos podem interconectar as próprias especialidades.
“And yet we dream of heaven”, desenho de Lok Jansen ©Divulgação
Quando a Prada pede para vocês pesquisarem imagens, que tipo de material você costuma apresentar? Algum tipo de moodboard?
Fazemos várias pesquisas visuais. Eu, por exemplo, carrego sempre uma câmera, tiro fotografias diariamente e tenho uma biblioteca de imagens minhas. Olho pra pinturas e filmes. Faço muitas anotações, pequenos rascunhos e pequenos conceitos de imagens que podemos explorar. É basicamente um pensamento visual. Às vezes eu faço desenhos mais finalizados, só pra sair um pouco do meu sistema de trabalho. Enquanto você desenha você começa a sentir, que pra mim é o oposto de saber, alguns aspectos da coleção da Prada. Só depois disso eu começo a elaborar algumas colagens. Apresentamos essas pesquisas visuais e esperamos o feedback da Prada. Nesse ponto não sabemos ainda o que a coleção vai ser.
Mas isso é bom, não? Porque assim você não se influencia pelas imagens das roupas.
Nós sempre vemos as peças mais tarde. A ideia é que temos que conectar com a coleção, mas não sermos exageradamente dirigidos pra isso. O que é interessante — somos influenciados, mas não diretamente. É o modo de trabalhar na Prada que acho muito interessante. Porque as pessoas te dão as direções, mas não te dizem o que você tem que fazer. Claro que existe a possibilidade do veto deles. E a direção também, mas existe a liberdade. Eles te estimulam a fazer coisas que eles ainda não pensaram sobre. É daí que sai algo novo, que ninguém esperava antes.
Como funciona, na prática, a realização do Real Fantasies para a Prada?
Primeiro fazemos o conceito do vídeo, antes de ver a coleção. Esse conceito a gente cria com um briefing que a Prada passa pra nós. Chegamos na cidade apenas alguns dias antes do desfile. É quando finalmente conhecemos a coleção, conversamos com os designers, ajustamos nosso conceito e escrevemos as cenas. E filmamos o vídeo logo depois que vemos os desfiles, com algumas modelos já escolhidas. E fazemos um shooting em green screen, sempre dirigido pela AMO, com as cenas imaginárias. E depois pego todo o material do vídeo e voltamos pro estúdio pra editar. Eles apenas dizem sim ou não para o que serve ou não ao conceito deles. Até que chegamos numa quantidade satisfatória de imagens. Depois vamos entregar ao responsável pelas animações, onde entram as colagens. Livro e vídeo têm que ser lançados na mesma época em que a coleção vai pras lojas. No começo, o projeto Real Fantasies era apenas pra web. Depois de algumas temporadas acabou virando lookbooks físicos, que colocaram nas boutiques mais importantes, como Milão, Paris, Tóquio.
É surpreendente pensar que mesmo depois do desfile, que já é uma grande realização, vocês ainda continuem trabalhando. Dá tempo de fazer retoques de maquiagem nas modelos, por exemplo?
As modelos selecionadas, com os respectivos looks, vêm diretamente da passarela para filmar. A maquiagem é um pouco retocada. Mas é mesmo bem em cima porque fazemos as cenas de acordo com cenários que tínhamos imaginado apenas dois dias antes.
Qual foi o conceito do último vídeo que vocês lançaram, da coleção de outono?
No Real Fantasies F/W 2012 fizemos um mix entre temas imaginários, realidades alternadas. Um mix de passado e futuro, sempre em torno de uma mulher cheia de poder. Decidimos mostrar o universo dela através de uma série de quartos, que poderia ser… seu palácio? Seu escritório? Então fizemos um monte de colagens de ambientes internos fantasiosos. Como se fosse um esquema de ficção científica nos velhos tempos. Fotografei muitos objetos em Osaka pra isso, porque eu já estava completamente envolvido com o projeto e via possibilidades em todos os cantos. Estacionamentos, escadas.
Lookbook “Real Fantasies”, da temporada Inverno 2012:
Quando você trabalha com criação, consegue sentir qual o espírito do gosto do momento. E aí acaba descobrindo que outras pessoas estão fazendo mais ou menos a mesma coisa, do outro lado do mundo. Eu sinto isso um pouco com as colagens, que acabaram caindo no gosto contemporâneo. Talvez seja uma pergunta estúpida, mas queria saber o que você acha: por que hoje em dia amamos as colagens?
Olha, não sei se o que eu vou falar vai fazer sentido. Não sei bem porque é tudo muito intuitivo. Trabalho com pensamento visual, não com linguagem. Acho que tem a ver com o que é grandioso hoje, que é a questão de editar. Os computadores tornaram isso fácil. Hoje temos mais influências do que as pessoas tinham antes. Hoje temos mais material de imagem do que se tinha. E as pessoas começaram a colocar tudo isso em blogs, e imagens do lado de outras. E isso te conta uma nova história. A colagem é essa sensação de nova história em apenas uma única imagem, sabe o que estou falando? Por causa da justaposição de diferentes elementos você pode mostrar certos sentimentos e coisas “chocantemente” novas. Um elemento surpresa.
E essa sensação de achar o novo, de algo que te surpreende, tem tudo a ver com a Prada. Inclusive quando pensamos nas últimas coleções, vemos isso lá. Vemos essa colagem no design das roupas, na sobreposição de tecidos, de estampas, na sensação de 3D que os looks provocam. Então é maravilhoso pensar que você pode fazer exatamente o que você gosta, porque coincide com a proposta dessa marca.
Exatamente. E é verdade o que você diz sobre essa coleção por exemplo. Vejo muitas colagens lá no Inverno 2012. Algum pintor, landscape painter, disse que o rearranjo é a nova forma de inventar. “Rearrangement is the mother of pure invention”, J.F. Carlson. Você não precisa necessariamente criar uma linguagem totalmente nova. Nós podemos fazer algo novo com o que está lá. Você tem total liberdade.
Lookbook da Prada Primavera 2010 ©Divulgação
Quando você não está trabalhando, o que alimenta o seu olhar, o seu DNA visual?
Claro que adoro olhar arte contemporânea, fotografia, moda. Mas quando eu saio pra caminhar no meio da natureza é onde eu tenho um monte de ideias, pra desenhar ou fazer colagens. Enquanto caminho, vejo tantas coisas que quero fazer. O modo como as coisas se comportam na natureza me inspira a ter algumas direções na minha arte. Encontro formas inacreditáveis, vejo flores absurdas, folhas que cobrem todo o chão e encontro composições inesperadas de plantas. É o mesmo tipo de caos que observo em Tóquio. Em Tóquio encontro um frescor assim porque não é nada premeditado, programado. E te dá coisas que nenhum designer te deu. Por isso é que prefiro caminhar. Claro que ver obras de outros designers é bom, mas você sabe que aquilo foi programado e geralmente lembramos de outras imagens que conhecíamos já antes.
Então você acha que mesmo na criação estamos sempre esbarrando uns nas referências dos outros?
Uma vez eu fiz uma instalação para uma loja de moda no Japão e uns dois anos depois vi uma outra muito parecida. E há duas semanas vi uma exibição de arte dos anos 60 que também parecia. Ao mesmo tempo é tudo diferente. São diferentes variações da mesma ideia. Ou mesmas formas para ideias diferentes. E isso é interessante. Não acredito que alguém desenhe alguma coisa no meio de um vácuo, sempre temos influências.
Assim você não se censura, não se bloca ao querer fazer algo que pode esbarrar em outra obra já feita.
A partir do momento em que você coloca a mão e atua nisso, passa a ser algo novo. No final das contas as pessoas estão dialogando entre si com as imagens. É o que as faz ficarem juntas numa conversa coletiva. Se você guarda isso apenas pra você, está falando só com você mesmo, isso é o triste de censurar a si mesmo. Se você não fez apenas copy e paste, vale mostrar.
Lookbook da Prada Inverno 2012 ©Divulgação
Existem outros campos em que você se sente livre e….
(cortando) Música!
Esperava isso mesmo. Que tipo de música?
Eu não posso desenhar sem música. Quer dizer, até consigo, mas eu normalmente atinjo níveis altos de criação, onde a energia daquilo que eu estou fazendo flui. Gosto muito. Escuto muito jazz, música eletrônica, trilhas sonoras de filmes, músicas clássicas. Gosto do Herbie Hancock. Claro que não posso esquecer de Miles Davis, John Coltrane.
Você gosta de Brad Mehldau? O que ele faz na música também é colagem, ele faz jazz com músicas do Radiohead!
Sim! E também gosto de Weather Report, Orquestra Mirasol, Jorge López Ruiz, Don Cherry, Duke Ellington. Dos eletrônicos eu gosto do DJ Koze, Space Art, Squarepusher, Fever Ray, TBA (Natalie Beridze, que faz músicas incríveis). Outros jazzistas japoneses novos, mas não consigo lembrar o nome agora. Não gosto de big band.
Prefere músicas inesperadas?
Sim.
Então você também gosta de Explosions in the Sky!
Sim! (risos)
Não acredito, quase não encontro ninguém que conheça Explosions in the Sky. Você gosta então de música progressiva, que vai para uma direção e não volta mais.
É isso. Gosto de longas músicas, que vão para longos caminhos. Por isso que gosto também de Pink Floyd. Muitas vezes eu preciso ouvir álbuns específicos, em outros momentos coloco em alguma web rádio como a Red Light Radio. Escuto mixes que alguns DJs de Amsterdã fazem. Muitas vezes quero ouvir músicas com as quais não sou familiarizado. Isso influencia muito meus desenhos. Mas o que mais influencia meu desenho é Herbie Hancock. Quando desenho pessoas, cidades, paisagens. Eu prefiro não analisar muito essas coisas. Não que eu não queira me aprofundar, eu sou interessado, mas prefiro ficar mais livre.
Clique nos links para ouvir as músicas da setlist montada por Lok Jansen:
Herbie Hancock – “Spiraling Prism”
Orquestra Mirasol – “To de re per a mandolina i clariné”
Natalie Beridze – “Size And Tears”
Orquestra Mirasol – “Cançó de no entendre res”