Feminismo, feminino e o fazer. Essas são as palavras chave que definem o trabalho de Marina Colerato, 29, fundadora do site Modefica, uma plataforma feita de mulheres para mulheres e que tem como principais ideias informar e fomentar discussões sobre moda, estilo de vida consciente, igualdade de gênero e raça e questões que envolvem o papel da mulher na sociedade.
O Modefica completa dois anos e é escrito por 10 meninas de forma remota, já que todas têm outros trabalhos. Elas se reúnem virtualmente para definir as pautas do mês, ligadas a temas que são caros a elas. O empoderamento feminino negro e geral é sempre uma das questões mais debatidas e rende artigos muito bons sobre a relação da mulher com o corpo, o consumo desenfreado como maneira de pertencer e a libertação feminina.
Marina está agora trabalhando no Modefica Offline, evento em que ela pode aplicar “na vida real” o que comunica através do site. Haverá nove rodas de conversa com cinco mulheres em cada, entre ativistas, acadêmicas e empreendedoras, que falarão sobre moda e estereótipos, arte e feminismo, a importância do ativismo online para mudanças off-line e como a moda pode quebrar paradigmas de beleza. Uma loja pop-up também venderá produtos de marcas com processos responsáveis, como a Lina Dellica, marca de roupas minimalista com produção local e consciente, a grife de bolsas artesanais Maria Tangerina, a Verdin, com os vasos lindos da arquiteta Cau Alfieri, os sabonetes feitos à mão da Boa, e os produtos da Shwe | The Wearable Library, marca da África do Sul, fundada pela brasileira Julia Franco, que trabalha o empoderamento de mulheres e comunidades carentes em parceria com a Universidade de Durban. Julia utiliza apenas tecidos locais para fazer suas peças.
Na conversa abaixo, feita por telefone, Marina conta tudo sobre o seu trabalho inspirador.
Como surgiu o Modefica?
Foi em 2014, após seis anos acumulando o desejo de ver uma moda mais criativa e diversificada no Brasil. Sou formada na área e via a dificuldade de sucesso dos novos designers e estilistas, além de uma mídia de moda focada em divulgar produtos de marcas de luxo ou grandes marcas. Desde o Mercado Mundo Mix, nos anos 90, não tínhamos nem mais eventos autorais e independentes, abertos ao público, para unir novos criadores e consumidores. Foi nos últimos dois anos que a coisa começou a mudar e novas feiras e espaços, como Jardim Secreto, Mercado Manual, Fêra Féra e Endossa, foram surgindo, além da possibilidade de criar sua loja virtual e divulgar nas mídias sociais.
O que você fazia antes?
Trabalhava com pesquisa de tendência e produção de conteúdo especializado em moda e tendências jeanswear. Antes disso, trabalhei no marketing e comunicação de uma empresa no Bom Retiro e, da faculdade até aqui, foram vários trabalhos entendendo a moda: produção de desfiles, editoriais, até confecção de produto.
Você gostava de moda, mas já tinha o desejo de abordar o assunto sob outro viés, da economia criativa e consumo consciente, por exemplo?
Queria falar de moda de maneira séria porque a indústria da moda é coisa séria. Ela emprega milhões de pessoas, vale trilhões de dólares, ao mesmo tempo que escraviza pessoas, majoritariamente mulheres, mata animais e polui o mundo. O Modefica veio para incentivar a criatividade e o empreendedorismo na moda, mas também veio para pensar essa criatividade de maneira séria, responsável e interseccional. A moda tange várias indústrias e várias pessoas, por isso, ao falar de moda, o pensamento precisa ser amplificado e a mídia ainda é focada em falar sobre tendências ou negócios, lucros, ações.
Você tem um grupo de colaboradoras remotas. Como se dividem e organizam as pautas?
Publicamos uma matéria por dia. Nosso grande viés é a moda, pensando em maneiras de produzir mais consciente. Queremos instigar a produção e o consumo de uma moda feita com um olhar para além da estética. Mas temos muitas meninas que escrevem pro lado feminino, seja empoderamento negro ou geral. Todas têm outros trabalhos, até mesmo de jornalismo, mas no site elas podem escrever sobre assuntos que realmente são caros a elas. Temos abertura que outros lugares não têm pra falar de ativismo.
Quais os assuntos que mais surgem entre vocês?
Como tenho colaboradoras negras, há sempre essa questão da mulher negra na moda porque sabemos que essa é uma indústria com tendência ao preconceito. Essa questão é bastante frequente. E a relação de consumo com a mulher, a pressão social de consumir, de precisar ter determinada coisa pra ser desejada. O consumo é bastante opressivo. A mulher negra tem a questão do cabelo. Há uma necessidade de desassociação dos padrões de beleza que não é fácil da gente se libertar.
Quantos acessos vocês têm hoje no Modefica?
Temos 35 mil usuários únicos por mês, que alcançamos organicamente através de diversos canais, como redes sociais e Google.
Os leitores são mais ativos em assuntos polêmicos?
Nosso público costuma ser tranquilo e quando quer fazer uma crítica mais dura, muitos o fazem por email, até mesmo pra não expor quem escreveu a matéria. Mas temos um artigo sobre questões raciais, que recebeu diversos comentários e foi muito compartilhada, foi parar no Catraca Livre. Muita gente entrou e até xingou a autora. Quando envolve racismo, mais ainda do que com o feminismo, acontece de ter agressões verbais. Os comentários desrespeitosos a gente não publica.
É importante manter uma plataforma séria para falar sobre esses assuntos com propriedade, uma abordagem informativa, até didática, e com acesso a números.
Vemos a moda como transversal. Não dá pra falar sobre ela sem falar de tudo isso em uma indústria em que 85% da mão de obra no mundo é feminina (no Brasil, é 75%). Os dados estão aí, mas fazemos com que eles fiquem mais palpável para as pessoas que estão lendo o site.
Como/quando surgiu o Modefica Offline?
Em 2015, como um evento pontual para celebrar um ano do site. A ideia era juntar as pessoas, promover novas amizades e troca em torno dos assuntos que movem o Modefica. Um dos nossos objetivos é reforçar a ideia de que ninguém está sozinho quando o assunto é repensar nossas práticas diárias e a maneira com a qual nos relacionamos com o mundo e com as pessoas. Fiquei bastante dividida entre dar continuidade ou não ao evento, porque a organização independente é uma tarefa bastante árdua, mas o feedback foi muito positivo e resolvemos seguir em frente.
Como você aplica no evento o que faz no site?
Da produção às convidadas, todo mundo que trabalha com a gente é mulher. Desde a segurança até a fotógrafa. É uma forma de mostrar que há mulheres capacitadas em todas as profissões. Também juntamos o empreendedorismo feminino e uma nova maneira de pensar moda dentro da nossa loja pop-up, com marcas que estão produzindo com critérios bacanas, possuem costureiras próprias, não usam materiais de origem animal, trabalham o slow fashion. E tem as rodas de conversa, com meninas debatendo temas que sempre abordamos: de melhores maneiras de produzir a novas formas de negócios. Há uma discussão sobre distúrbios alimentares, que trata da relação da mulher com o corpo, e também de beleza, sob um ponto de vista mais holístico, que fala sobre aceitação.
Qual sua expectativa de público para essa edição?
Esperamos cerca de 1000 pessoas entre participantes dos bate-papos, workshops e visitantes.
Você é formada em moda?
Sim, em Design de Moda pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo, com especialização posterior em jornalismo e marketing.
E hoje trabalha 100% com o Modefica?
Sim, dedicação total. Mas é importante pontuar que o Modefica não é apenas uma plataforma online, é mais ampla. Além do Offline, nós também temos a Mentoria Modefica e o Modefica Negócios e é por meio deste último que conseguimos viabilizar tudo de maneira mais promissora, financeiramente falando. Por meio do Modefica Negócios, produzimos conteúdo especializado, dentro do segmento de moda e estilo de vida consciente, para marcas que querem uma conversa mais profunda e informativa com o próprio público. Também prestamos serviços para empresas que estão repensando propósito de existência e encontrando maneiras de como usar a moda como plataforma de transformação socioambiental positiva. Mas não larguei minha relação com as tendências! Escrevo para o Ponto Eletrônico, da Box 1824, sobre assuntos que tangem o futuro do comportamento de consumo (ou não-consumo).
Modefica Offline
Data: 6 e 7 de agosto
Local: Aldeia (rua Lisboa, 445)
Preço: O evento é aberto ao público gratuitamente para a loja pop-up, exposição e áreas de convivência. Quem quiser participar dos workshops e assistir às rodas de conversa, precisa fazer uma inscrição no site e comprar o ingresso.
Rodas de conversa: fim de semana completo (R$ 200); diária (R$ 110)
Workshops: todos para o sábado ou domingo (R$ 225); avulso (R$ 85)