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    A importância e a influência do figurino de cinema na história e na moda
    maria antonieta, de sofia coppola
    A importância e a influência do figurino de cinema na história e na moda
    POR Redação

    Por Luiz Henrique Costa

    O trabalho do figurinista pode soar para muitos como um detalhe de menor importância no cinema frente à construção de um roteiro sólido e coerente, estilo de direção, atuações verossímeis do elenco, efeitos visuais ou fotografia. Definitivamente esse é um raciocínio injustificável. Em primeira instância porque a sétima arte é feita de detalhes e são os detalhes que tornam uma obra realmente única. 

    O figurino de um personagem é tão importante em um filme ou série quanto a escalação de um ator, é através dele que o espectador consegue imediatamente identificar diversos signos importantes para a narrativa e certos traços da personalidade do personagem, o período da história em que ele vive, a regiã0, status social, a estação do ano, se estamos nesse mundo ou em uma fantasia, as passagens do tempo e em alguns casos até a religião, o ideal político e o estado psicológico. São muitas as variáveis que podem ser comunicadas. 

    Vamos nos lembrar da personagem da Cate Blanchet em “Blue Jasmine”: Já nos primeiros minutos ela surge fabulosa no aeroporto com tailleur clássico da Chanel, bolsa Hermès pendurada no antebraço e as malas da Vuitton surgindo pela esteira como pérolas. Não precisamos de muito e logo concluímos que na verdade ela é uma milionária falida e que provavelmente está carregando no corpo todos os dólares que lhe restaram. Essa primeira impressão na imagem de Jasmine é importantíssima para o desenrolar da trama. 

    cate blanchet em blue jasmine. foto: reprodução

    cate blanchet em blue jasmine. foto: reprodução

    Nas recriações de época o resultado pode ser fidedigno, simbólico ou estilizado, como em “A Favorita”, assinado pela premiadíssima Sandy Powell. No filme todas as personagens femininas vestem apenas preto ou branco e os homens funcionam como uma espécie de alegoria meramente decorativa e super exagerada, porque quem efetivamente manda na Inglaterra é o trio composto pela rainha e suas “fiéis” conselheiras. Embora se passe no século 18, a figurinista usou tecidos modernos como jeans e vinil, mantendo o reconhecimento imediato da época apenas através da silhueta dos vestidos. Essa concepção criada pela figurinista é vital para a proposta do diretor de recriar um drama de época com uma re-embalagem mais moderna, que fugisse do óbvio e do literal. Concepção semelhante pode ser vista na “Maria Antonieta” de Sofia Coppola, em que os ares de rebeldia da rainha degolada são importados de elementos da cultura pop atual como o tênis All Star, atitude rock´n´roll e cabelos coloridos usados nos animados bailes promovidos com os membros da Corte. Esse é um recurso sem dúvida interessante e ousado porque exige muita habilidade e confiança do departamento de figurino que mantém ao mesmo tempo as evidentes formas de uma época, nunca as descaracterizando, mas inserindo itens que só seriam popularizados séculos depois. 

    cena de A Jovem Rainha. foto: reprodução

    cena de A Jovem Rainha Vitoria. foto: reprodução

    É claro que os figurinistas podem seguir a risca a reprodução de figurinos clássicos de um período, como é executado na maior parte dos casos, e como a própria Sandy assinou com maestria em “A Jovem Rainha Vitória” protagonizado por Emily Blunt, filme em que parte significativa do orçamento foi destinada aos custos de figurino e onde ela recriou em detalhes trajes importantes da trajetória da Rainha como os momentos da coroação, casamento e do luto, peças que poderiam facilmente estar expostas em qualquer museu do mundo. Esse é o tipo de trabalho que desponta sempre como favorito em qualquer premiação porque se exige naturalmente muita pesquisa, empenho da equipe, altos orçamentos e meses de trabalho manual. Alguns buracos de pesquisa podem gerar ciladas históricas como o famoso kilt usado por Mel Gibson lutando pela independência da Escócia em “Coração Valente”, mas que ainda nem existia no ano de 1290, ou em “Pompéia” que se deu em um período cuja cor roxa era de uso exclusivo do imperador romano, mas que o general e os soldados não deram muita importância.  Uma bobagem de filme, mas uma bobagem com orçamento de 100 milhões de dólares. Alguns erros, se intencionais ou não, tornam-se clássicos até divertidos e assumem certo charme com o passar dos anos como Jamie Foxx usando óculos escuros moderníssimos antes mesmo do início da guerra civil americana em “Django Livre” de Tarantino ou na clássica cena em que a mãe de Rose aperta com violência o corset na cintura da filha em Titanic. Elas pouco falam, mas aquele item e o gesto representam com perfeição todo o clima de opressão que a cena pretende. 

    E falando em Kate Winslet, temos outro belo trabalho de destaque da atriz que merece ser enaltecido: “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças” em que ela vive a intensa Clementine. O figurino da personagem condiz cirurgicamente com seu perfil livre, irreverente e que encantou o personagem de Jim Carey, mas é a constante mudança na cor do cabelo da personagem que de fato funciona como um fio condutor que nos direciona a entender o que de fato estamos vendo em um roteiro complexo cheio de idas e vindas que é de dar um nó na cabeça. As escolhas de cor do cabelo de Clementine que vão do azul, laranja, vermelho ao verde são essenciais para compreensão do momento em que o casal se conhece, se apaixona, termina e decidem ‘se apagar’ um da vida do outro. E se nesse caso não estamos falando diretamente sobre o figurino sabemos que o círculo cromático e a teoria das cores foram estudados minuciosamente pela equipe do filme nesse desenvolvimento. 

    Handmaid's Tale. Foto: reprodução

    Handmaid’s Tale. Foto: reprodução

    A escolha de uma cor específica para a composição de um personagem nunca é aleatória. Na série “The Handmaid´s Tale” o uso de cores por um determinado grupo em Gilead (aka EUA dominado por um grupo de fanáticos religiosos) é bem estabelecida. As mulheres dos comandantes usam azul, as empregadas não-férteis usam verde e as aias usam vermelho, além da viseira branca para que nunca desviem o olhar das suas obrigações quando saem na rua. Elas precisam ser facilmente identificadas em qualquer ambiente que circulam e o vermelho é como o sangue que elas são forçadas a doar pelo país através de gestações não consentidas. Em “The Handmaid´s Tale” a criação do figurino é essencial para compreensão de que todas são as mulheres são obrigadas a abdicar da sua individualidade, do próprio nome, e evitar o pecado e as tentações como da vaidade. 

    Frequentemente atores costumam relatar sobre o poder que o figurino, a maquiagem e a caracterização de um modo geral possuem sobre as suas atuações e que só conseguem mergulhar por completo no personagem quando estão vestidos dele. No recente lançamento oficial do trailer do novo filme “Cruella”, que dessa vez será estrelado por Emma Stone, Glenn Close revelou que exigiu em contrato que ficasse com todos os figurinos do filme da versão de 1996, a prova de que algumas relações entre atores com seus personagens e respectivos figurinos se torna às vezes profundamente íntima. 

    Em alguns casos as relações entre o visual do personagem e a direção se tornam tão interligados que é difícil entender onde começa e onde termina o trabalho do figurinista. Os filmes dirigidos por Tom Ford, “Animais Noturnos” e “Direito de Amar” são tão esteticamente planejados que por alguns momentos o espectador pode sentir que está assistindo um editorial de moda em formato de longa metragem. Nenhum outro diretor teria, a não ser um estilista como Tom Ford, tamanho zelo e cuidado nos detalhes do figurino e esse entendimento é perceptível em cada cena, mesmo não usando peças de sua própria marca homônima o fetiche de Ford por personagens glamorosas e as inspirações meio 70´s podem são notáveis através das mãos da figurinista que assina os dois trabalhos, Arianne Phillips.  

    Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo. foto: reproducão

    Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo. foto: reproducão

    Em Bonequinha de Luxo, de 1961, o tubinho preto, luvas, óculos escuros, colar poderoso e uma coque com tiara estilo princesa concebido pelo estilista Hubert de Givenchy foi eternizado por Audrey Hepburn. Até hoje a imagem é referência e tornou-se tão marcante que é facilmente reconhecida mesmo em um simples pictograma do filme. 

    Há também casos em que o figurino e a moda se tornam de alguma forma os protagonistas do filme, como aconteceu com o queridinho dos fashionistas “O Diabo veste Prada” ou nos filmes e episódios de “Sex and The City”em que, no final das contas, todo mundo queria mesmo era saber o look que a Patrícia Field estava editando para a próxima crise existencial da Carrie e as amigas pelos quarteirões de Manhattan. 

    Em 2021 concorrem ao Oscar de Melhor Figurino os seguintes filmes: Mank, A Voz suprema do Blues, Emma, Mulan e Pinóquio. E FFW falará sobre o perfil de cada uma deles antes da premiação. 

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