Colaborou Danilo Bonfim
O novo longa do diretor Wes Anderson, Ilha de Cachorros, é um dos filmes mais aguardados do ano. Ele abriu o 68° Festival de Berlim mês passado e faz sua estreia logo mais, dia 23 de março nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, entra em cartaz no início de junho.
Esta foi a primeira animação a abrir o festival e a segunda do diretor – a primeira foi O Fantástico Sr. Raposo (2009), baseado no livro infantil de Roald Dahl.
Já Ilha de Cachorros é um filme distópico que se passa no futuro e mostra uma cidade japonesa atingida por uma terrível gripe canina quando o prefeito declara uma quarentena de emergência e manda todos os cães para uma pequena porção de terra chamada Ilha do Lixo. Um menino de 12 anos, Atari Kobayashi, quebra a proibição de entrada e bola um plano para resgatar seu cachorro Spots da ilha infernal e infestada por vermes.
Perguntado sobre a semelhança do filme com a vida real, onde se discute atualmente construções de muros e refugiados, o americano é pontual. “No começo, quase cinco anos atrás, apenas achamos que era preciso inventar a política dessa cidade, já que se trata de um lugar fictício, uma fantasia. Mas o mundo começou a mudar e fazia sentido na história. Acho que talvez tenhamos incluído pequenas coisas da realidade, embora não seja a realidade do Japão”, disse Anderson em uma coletiva.
Para construir o roteiro, ele convidou uma turma de amigos: escrevem com ele Roman Coppola, Jason Schwartzman (que está em muitos de seus filmes) e o ator japonês Konichi Nomura, que também está no elenco e faz a voz do prefeito que manda os caninos para o exílio (Nomura foi chamado como um quarto roteirista para dar mais realidade a atmosfera nipônica do filme).
O longa-metragem, segundo o diretor, é uma homenagem à cultura japonesa e sua paixão por ela, apesar de sua primeira ideia para o filme, que foi logo dispensada, era que parecesse uma produção rodada nos anos 1960 sobre um futuro distante, mas que já é passado para nós. “Jason, Roman e eu começamos esse projeto com vontade de fazer um filme sobre alguns cães abandonados em um lixo. Mas também falamos sobre querer fazer algo no Japão, sobre o Japão, algo relacionado ao nosso amor compartilhado pelo cinema japonês, especialmente do Akira Kurosawa. A história poderia ter ocorrido em qualquer lugar, mas percebemos que deveria ocorrer em uma versão de fantasia do Japão “.
Além de Akira Kurosawa, Anderson foi fortemente influenciado pelas animações de Hayao Miyazaki e sua produtora de animação japonesa Studio Ghibli, que fez filmes como A Viagem de Chihiro (2001) e Meu Amigo Totoro (1988). “Eu realmente me interessei na animação japonesa antes mesmo de fazer O Fantástico Sr. Raposa, disse Anderson. “Miyazaki traz os detalhes e também os silêncios que penso. Você obtém a natureza e você recebe momentos de paz, uma espécie de ritmo que não está na tradição de animação americana. Isso nos inspirou bastante. Houve momentos em que eu trabalhei com o compositor Alexandre Desplat (vencedor do Oscar de Melhor Trilha Sonora pelo filme A Forma da Água este ano e O Grande Hotel Budapeste, em 2015] na partitura e encontramos muitos lugares onde deveríamos retirar o que estávamos fazendo musicalmente porque o filme queria ficar quieto. Isso veio de Miyazaki”.
Para dar voz aos personagens, Anderson retorna com um elenco já conhecido em seus filmes como Bill Murray, Tilda Swinton, Edward Norton e ainda Jeff Goldblum, Frances McDormand, Harvey Keitel, Scarlett Johansson, Bryan Cranston, Greta Gerwig e Yoko Ono. “Os atores são pessoas com quem trabalhei ou quem amei há anos. De certa forma, sinto que esse grupo de pessoas é a primeira lista que fizemos sobre quem gostaríamos de ter no filme. Uma coisa sobre uma animação: você não pode realmente dizer que você não está disponível. Nós podemos fazê-lo a qualquer momento. Nós podemos fazê-lo em sua casa, a qualquer hora do dia. Não há desculpa. Isso ajudou”, brinca.
Com uma estética de paletas de cores silenciosas, mundos meticulosamente criados, personagens peculiares e trilhas sonoras marcantes, Anderson criou um universo próprio (que foi muito abordado aqui no FFW) e já foi apontado como “o próximo Scorsese” pelo próprio Martin Scorsese, quando escrevia para a revista Esquire, por injetar um novo tom e um humor original ao cinema. “Gosto de fazer coisas que são um pouco surrealistas, mas com personagens que são reais”, disse em entrevista para a The New Yorker, em 2009.
Filho de pai escritor e de mãe arqueóloga (que o levava para escavações arqueológicas), Wes cresceu em um ambiente propício à imaginação. Quando eles não podiam ter aventuras reais, eles inventavam, realizando explorações próprias e cavando poços em seu quintal. Aos 10 anos de idade ganhou uma câmera Super 8 e recrutava amigos do bairro para fazer filmes mudos. Graduou-se em Filosofia na Universidade do Texas, em Austin. Lá, conheceu o hoje ator Owen Wilson, os dois se tornaram colegas de quarto e depois da faculdade ambos alugaram um apartamento em Dallas e escreveram o roteiro de “Pura Adrenalina” e outros posteriormente.
Ao longo de sua carreira e por ter fincado seu mundo na cultura, Wes circulou por outros ambientes. Fã de seu trabalho, Miuccia Prada o convidou para roteirizar e dirigir junto com Roman Coppola o comercial de fragrância Prada Candy. No mesmo ano, ele lança o curta-metragem “Castello Cavalcanti”, também para a marca, estrelado por Jason Schwartzman e filmado nos clássicos estúdios Cinecittà, em Roma.
Em 2015, fez a decoração do Bar Luce, em Milão, que fica dentro da Fondazione Prada. A inspiração para o espaço foi dos bares da Itália dos anos 50 e 60 e filmes como “Rocco e Seus Irmãos” (1960), de Luchino Visconti, e “Milagre em Milão” (1951), de Vittorio De Sica. “Apesar de achar que seria um ótimo cenário para um filme, acredito que seja um lugar melhor ainda para escrever um filme. Eu tentei projetar um bar onde eu gostaria de passar minhas tardes não-ficcionais”, disse na época para a revista Domus.
Este ano, ele foi convidado para fazer a curadoria do Museu Kunsthistorisches de Viena, juntamente com sua esposa, a ilustradora, figurinista e musa de Alessandro Michele, Juman Malouf. O casal escolherá uma extensa coleção de arquivos do museu como instrumentos musicais históricos, armas, armaduras, moedas, medalhas, carruagens, antiguidades egípcias, gregas e romanas para transformar visualmente em algo novo para o espaço.
Seja no cinema, num bar ou num museu, a obra de Wes Anderson é sempre aguardada e prestigiada.