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    Racismo na moda: por que a indústria não aprende com os erros e continua a repeti-los?
    Produtos da Prada que foram retirados da loja / Reprodução
    Racismo na moda: por que a indústria não aprende com os erros e continua a repeti-los?
    POR Camila Yahn

    No final de 2018, em um texto no New York Times, a crítica de moda Vanessa Friedman escreveu: “Por que as empresas continuam cometendo erros estúpidos e ofensivos com seus produtos? E será que podemos impedir que isso se repita no próximo ano?”. Parece que não.

    Estamos apenas em fevereiro e já temos três casos de ofensa racial na moda, em que marcas ou pessoas se apropriam erroneamente de uma cultura. Esses acontecimentos, somados a tantos outros que já ocorreram (como as “sandálias de escravo” da Dolce & Gabbana ou a linha da Moncler com o duo FriendsWithYou), mostram com uma clareza de doer como essa indústria é inábil em aprender com erros que já foram cometidos e como escolhe se manter na ignorância em vez de olhar para o outro e entender sua história e suas raízes.

    No início do ano passado, a H&M chocou com sua campanha que mostrava uma criança negra usando um moletom com a frase: Coolest Monkey in the Jungle. A empresa foi imediatamente reprimida, sofreu protestos na África do Sul, lojas foram temporariamente fechadas e viu seu contrato com The Weeknd ir por água abaixo. A H&M executou o modus operandi básico: tirou a campanha de circulação, removeu as peças das lojas e se desculpou.

    Depois veio a Prada, com acessórios que lembravam a imagem do personagem Sambo decorando a loja do Soho, em Nova York. Foi a advogada Chinyere Ezie quem viu a vitrine e fez a primeira denúncia, postando fotos em suas contas no Twitter e no Facebook. Seu post viralizou, a vitrine da loja foi modificada e os produtos retirados. A Prada se desculpou e prometeu fazer uma doação para alguma organização comprometida com a luta pela justiça racial.

    Poucos dias depois, em uma entrevista ao WWD, Miuccia Prada disse que passou a se perguntar, durante seu processo criativo, se o que ela percebia como uma provocação poderia ser lido como ofensa. “Cada vez mais acredito que qualquer coisa que uma pessoa faça hoje pode ofender. Como nós podemos conhecer todas as culturas? Como você pode saber todos os detalhes de cada cultura se pode ter até 100 culturas diferentes em um mesmo país?”, pergunta.

    Thanks to #blackface @Prada, now you can take #sambo home with you for the holidays #StopRacism #StopBlackface #StopPrada pic.twitter.com/5t2cvosLIF

    — Chinyere Ezie (@lawyergrrl) December 13, 2018

    A quantidade de casos que vimos apenas neste mês acendem uma luz vermelha e urgente. Seguem abaixo:

    No Brasil, um dos eventos mais comentados da semana foi o aniversário de 50 anos de Donata Meirelles, diretora de estilo da Vogue, em Salvador. Um espaço foi montado para os convidados tirarem fotos ao lado de mulheres negras vestidas de branco, em torno de uma grande cadeira (que muitos traduziram como “cadeira de sinhá”). As fotos postadas em diversos perfis no Instagram causaram indignação e foram acusadas de racistas e de representar o Brasil colonial. A Associação das Baianas de Acarajé, Mingau, Receptivo e Similares da Bahia (Abam) rebateu a informação de que as baianas fizeram o papel de escravas, mas o estrago já estava feito. A festa tomou uma proporção inesperada, com adesão de artistas, intelectuais e ativistas e matérias em veículos internacionais, como CNN.

    Tanto a revista Vogue quanto Donata publicaram comunicados desculpando-se e a revista ainda anunciou a criação de “um fórum formado por ativistas e estudiosos que ajudarão a definir conteúdos e imagens que combatam essas desigualdades”.

     

    A cantora Katy Perry lançou uma linha de calçados que também foi chamada de blackface. E mais uma vez, os produtos foram retirados das lojas, seguidos por um pedido de desculpas. “As peças conversavam com a arte surrealista. Fiquei muito triste quando soube que estavam sendo comparadas a imagens dolorosas que remetem ao blackface. Nunca foi nossa intenção causa nenhuma dor”. Perry já foi acusada de apropriação cultural outras vezes e chegou a dizer em 2017: “cometi muitos erros. Nunca vou conseguir entender, mas posso me educar e é isso que tenho tentado fazer”. Será mesmo?

    Um dos modelos da linha de Katy Perry / Reprodução

    Um dos modelos da linha de Katy Perry / Reprodução

    Bem no período em que se comemora o Mês da História Negra, a Gucci lançou um suéter balaclava que foi associado às figuras de Sambo e do boneco golliwog (ambos os personagens foram criados no século 19 e há muito tempo são considerados exemplos de racismo. O golliwog chegou a ser proibido no Reino Unido). “Por trás de toda a nostalgia da infância está um estereótipo sinistro que tem sido usado para ridicularizar pessoas negras”, diz um artigo no The Times de 2013. 

    A marca sofreu seu pior boicote até hoje, com a participação de artistas como Spike Lee e Soulja Boy e do estilista Dapper Dan, com quem a Gucci tem uma parceria. Em seu perfil no Instagram, Dan escreveu: “não há desculpas que podem apagar esse insulto”. A peça foi rapidamente retirada das lojas e a grife divulgou seu pedido de desculpas. E é aqui que ela sai na frente de todas as outras que já se encontraram nessa situação.

    Uma carta escrita por Marco Bizzarri, CEO da Gucci, e enviada a todos os funcionários, mostra a seriedade com a qual estão lidando com o assunto. Em primeiro lugar, eles assumiram seu erro e sua ignorância. “Nós erramos. Erramos feito. Por causa da nossa ignorância cultural, mas ignorância não é uma desculpa. E nós aceitamos a responsabilidade por esse erro”, diz um dos parágrafos. “Nós achávamos que estávamos em uma posição melhor e agora precisamos reconhecer que não estamos. Estou trabalhando em um conjunto de ações imediatas e concretas – desde a construção de um programa de conscientização cultural global até um sistema que permitirá que a diversidade floresça em todos os lugares, até um programa completo de bolsas de estudo nas principais cidades, como Nova York, Nairobi. Tóquio, Pequim e Seul, o que facilitará o aumento de diferentes comunidades dentro do escritório criativo. Também discutirei essas iniciativas com líderes de diferentes comunidades, a fim de desenvolver uma estrutura construtiva e apropriada”.

    Peça da Gucci / Reprodução

    Peça da Gucci / Reprodução

    Como disse Spike Lee no caso Gucci, “as grifes precisam de profissionais negros dentro do escritório quando essas coisas acontecem”. Se a gente pensar no processo de criação e produção de uma peça, do momento da ideia até chegar nas araras, quantas pessoas vêem e aprovam aquilo? E entre todas essas pessoas não há ninguém com o conhecimento ou a sensibilidade pra olhar o produto e fazer um julgamento correto?

    Por isso desculpas não são mais suficientes. Simplesmente porque elas não causam nenhuma mudança maior. Ou nenhuma mudança verdadeira. Esses acontecimentos  destacam não apenas a ignorância, mas também a falta de diversidade dentro das empresas, mesmo as empresas que celebram tal diversidade. Blackface parece ser uma tendência que custa a sair de moda.

    Como escreveu Friedman, “você precisa de uma cultura interna que incentive o surgimento de bandeiras vermelhas para esses casos – e depois escute. Afinal, você pode mudar suas práticas de contratação para permitir novas vozes, mas também precisa criar um ambiente no qual essas vozes sejam importantes”.

     

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