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    Omissão x Ação: o que moda tem a ver com protestos anti-racistas nos Estados Unidos
    Foto de um dos protestos em Los Angeles / Reprodução Los Angeles Times
    Omissão x Ação: o que moda tem a ver com protestos anti-racistas nos Estados Unidos
    POR Redação

    Por Camila Yahn e Augusto Mariotti

    “Deixando de lado todos os fatos físicos que se pode citar. Deixando de lado, estupro ou assassinato. Deixando de lado o sangrento catálogo de opressão, com o qual já estamos familiarizados de certa forma, o que isso faz aos subjugados, o mais privado, a coisa mais séria que isso faz aos subjugados é destruir seu senso de realidade.

    É um grande choque, por volta dos 5, 6 ou 7 anos de idade, descobrir que a bandeira à qual você prometeu lealdade, juntamente com todos os outros, não prometeu lealdade a você. É um grande choque descobrir que Gary Cooper matou os índios, quando você estava torcendo por Gary Cooper, que os índios eram você. É um grande choque descobrir que o país que é seu local de nascimento e ao qual você deve sua vida e sua identidade não tem, em todo o seu sistema de realidade, evocado qualquer lugar para você. A insatisfação, a desmoralização e a lacuna entre uma pessoa e outra apenas com base na cor de sua pele começam aí e aceleram – aceleram por toda a vida – até o presente quando você percebe que tem trinta anos e está tendo um tempo terrível conseguindo confiar em seus compatriotas. Quando você tem trinta anos, você já passou por um certo tipo de moinho. E o efeito mais sério do moinho pelo qual você passou não é novamente o catálogo de desastres, os policiais, os motoristas de táxi, os garçons, a senhoria, o senhorio, os bancos, as companhias de seguros, os milhões de detalhes , vinte e quatro horas por dia, o que indica que você é um ser humano sem valor. Não é isso. É nessa época que você começa a ver isso acontecer, na sua filha ou no seu filho, ou na sua sobrinha ou no seu sobrinho”.

    Esta é uma pequena parte do discurso brilhante que o escritor negro James Baldwin deu na Universidade de Cambridge, em 1965, em um debate histórico com o também escritor William F. Buckley em cima da questão: “Is the American Dream at the expense of the American Negro?”.

    Mais de 50 anos depois, é duro e triste concluir que suas palavras ainda servem perfeitamente para os dias de hoje, esfregando nas nossas caras os passos lentos da evolução humana.  A exaustão por séculos de opressão se transformou em incêndio após o assassinato de George Floyd por um policial branco americano, filmado pela adolescente Darnella Fraziere e reproduzido milhares de vezes nas redes sociais e em canais de TV. No video, vemos George implorando pela vida, dizendo “não consigo respirar”, frase que estampou cartazes e camisetas nas muitas manifestações que ocorreram e ainda ocorrem nos Estados Unidos. Poucos meses antes, os jovens Breonna Taylor e Ahmaud Arbery, 26 e 25 anos respectivamente, também foram mortos a tiros pela polícia.

    Não podemos esquecer de citar as vidas de João Pedro Mattos Pinto, Matheus Freitas, Marielle Franco, Ágatha Vitória e David Nascimento, apenas alguns dos nomes de pessoas negras assassinadas no Brasil  nas últimas semanas – segundo dados oficiais, um jovem negro é assassinado no Brasil a cada 23 minutos.

    Como temos acompanhado nos últimos dias, os protestos que começaram em Minneapolis e espalharam para outras cidades americanas, tem sido um dos mais caóticos da história recente, com incêndios e saques a lojas.

     

    E o que a moda tem a ver com isso? Lojas da Gucci, Alexander McQueen, Hermès, Dior e Louis Vuitton, a multimarcas de streetwear RSVP de Los Angeles,  foram (estão sendo) alvos de protesto e saques. Enquanto um lado do mundo pegava fogo – um fogo resultado da opressão branca que anda de mãos dadas com o capitalismo – por exemplo a Dior postou em suas redes uma foto da colheita de flores para produzir seus perfumes. A falta de timing de algumas marcas confirma o motivo da moda estar no centro de delicadas discussões atuais. Uma grife global com consumidores, funcionários e seguidores negros, fingir que não está acontecendo nada e postar flores quando tudo o que vemos é fogo é sinal de falta de humanidade, sensibilidade e solidariedade com o outro (e do ponto de vista do marketing, um grande equívoco). Até porque nem o silêncio hoje parece ser uma opção. A ordem sempre foi ignorar tópicos controversos, de apropriação cultural à falta de diversidade à injustiça racial, mas cada vez mais o consumidor, principalmente o jovem, cobra posicionamento e ação das marcas com as quais compartilhem valores.

    Gucci e Louis Vuitton fizeram posts simbólicos, mas que não são suficientes. A falta de saber o que dizer em um momento como este reflete também a falta de conhecimento sobre o assunto e a ausência de pessoas negras nas posições de tomada de decisão.

    Já a Nike usou seu famoso slogan Just do It e transformou em:


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    Let’s all be part of the change. ⠀ ⠀ #UntilWeAllWin

    A post shared by Nike (@nike) on

    Em um acontecimento inédito, o post foi retuitado pela Adidas, sua maior rival. Se tem um motivo pelo qual essas alianças podem ser possíveis, estamos diante dele. Não à toa um protesto que começou pacífico virou catártico; com o mundo já fragilizado pelos impactos da epidemia do Covid-19, as pessoas estão ainda mais sensíveis e cansadas, literalmente a ponto de explodir. E atos que simbolizam resistência, união e solidariedade têm funcionado para que as pessoas não percam a esperança de um mundo mais justo. Que essa aproximação entre Nike e Adidas seja uma baita jogada de marketing, ainda assim carrega uma mensagem positiva de que os interesses comerciais podem e devem ser deixados de lado diante da necessidade de transformações tão urgentes.

    Edward Enninful, editor chefe da Vogue inglesa, um dos únicos profissionais negros em posição de liderança em publicações de moda endereçou sua mensagem à toda cadeia. “Estou convencido de que precisamos combater o racismo, converter o conhecimento em anti-racismo. E precisamos fazer isso juntos. A moda tem um papel a desempenhar nisso. Ocupa um lugar único no zeitgeist e possui uma capacidade singular de mudar mentalidades. Imploro às marcas de moda, publicações e varejistas que empreguem mais pessoas de origens diversas – acredito realmente que essa é a única maneira de efetuar mudanças reais. Precisamos de pessoas negras arraigadas na infraestrutura da indústria da moda, não apenas do outro lado da câmera ou aparecendo em um feed do Instagram. As pessoas precisam de um assento à mesa.”

    Outro estilista que parece estar olhando de frente para a situação é Marc Jacobs:

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    Marcas, veículos de mídia e influenciadores precisam pensar em como irão, daqui em diante, abordar questões como essa ou assuntos polêmicos em geral e agir. Ignorar vai colocar a marca fora de lugar, a tornará insensível e até irrelevante. A partir de agora, seremos cobrados de respostas e ações para uma mudança efetiva, que não sejam superficiais e fiquem somente no discurso. O fogo está queimando nos Estados Unidos, mas racismo e preconceito é uma doença do Brasil, do mundo. E cabe a todos nós lutar contra isso. A moda deve usar seus privilégios e poder para provocar uma mudança sistemica.

    “Foram dois meses turbulentos para os negros; e estamos cansados”, escreveu o estudante Soundjata Sharod em um texto no Medium. “O trágico assassinato de George Floyd está provocando indignação pública e protestos nacionais de brutalidade policial. Recentemente, vídeos mostrando manifestantes saqueando Gucci, Dior, Hermès, Alexander McQueen e outras lojas de roupas de luxo se tornaram virais. Mesmo como amante da moda, não posso deixar de rir. Embora essas lojas de luxo possuam seguro e mesmo que muitas delas queimem mercadorias não vendidas, é bom vê-las perder algo nas mãos dos negros”.

     

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