Direto de Milão
Há pouco mais de um mês, o editor canadense Tyler Brûlé (foto à direita), criador da “Wallpaper” e hoje editor da revista “Monocle”, começou a viajar para várias cidades para lançar o “The Monocle Guide to Better Living”. A editora Gelstalten informou que não seria um livro sobre glamoures atuais, mas “uma pesquisa otimista de produtos e ideias construídas para valorizar e durar”. Somos conscientes da importância da “Wallpaper” para a história da mídia cultural contemporânea, por isso fui encontrar Tyler Brûlé na loja 10Corso Como de Milão, onde aconteceu o lançamento do livro na Itália. A “Monocle” não deu previsão para o lançamento no Brasil.
O guia, em inglês, tem mais de 400 páginas, com os seguintes capítulos: Cidades, Negócios, Educação, Cultura, Estilo, Felicidade, Saúde, Casa, Serviços, Viagem e Monocle, que mostra o backstage da publicação. As fotos não são pretensiosas (luzes quentes, atmosfera familiar). O design é discreto, clássico e novo ao mesmo tempo. É uma espécie de compêndio geral sobre o que os correspondentes da revista têm pescado mundo afora nas cidades onde as coisas “acontecem”. E aí vamos de Oslo a Rio de Janeiro. Enfim, muitos motivos para amar. E, como tudo tem seu lado B, alguns motivos também para amar menos.
O “amor”
A paixão de Tyler pelo papel é inspiradora. Ele não é apenas fã do papel, mas grande apostador dele. A impressão valoriza as fotos e o design gráfico agradável. Na dedicatória do livro que comprei, escreveu: “To Juliana. Cheers to all on paper” (“Para Juliana, um oi pra todos, no papel”). Foi um recado que ele nos deu depois de conversarmos sobre o mundo on-line e o mundo analógico. Objetos concretos e “pegáveis” a qualquer momento. Posso sentar e abrir o livro sem ter que olhar meu computador ou telefone. Não existe um intermédio entre o livro e eu, e isso é gostoso. Mas acho que completa e não exclui o mundo on-line (mas isso fica pro capítulo “Ódio”, abaixo).
A capa do livro “The Monocle Guide to Better Living” ©Juliana Lopes
Valores contemporâneos, como a noção de novo luxo, estão bem contemplados na publicação. Fala-se de design com conforto: não adianta você ter uma casa linda, digna de capa de revista (irreal) de decoração se você não consegue viver bem nela, apoiar a almofada num canto pra tomar um chá, sabe? Do quanto ter uma bicicleta é adequado, legal, necessário. Da preciosidade de pequenas esquinas onde encontramos lojinhas originais. De exemplos de como uma criança pode ser bem educada no Japão. Bares, em Beirute ou Nova York, onde o garçom vai te chamar pelo nome. Ou seja, bons exemplos de coisas que acontecem pelo mundo que fazem a vida gostosa de verdade. Modos de viver que nos fazem questionar os nossos modos de viver.
Uma das páginas que merecem um post-it para destacá-la é a 314. Onde começa o artigo “How To: Make a House a home”, de Hugo Macdonald. Vou reproduzir em português o primeiro parágrafo e acho que não precisamos nem comentar: “Revistas de design e interiores têm muito o que dizer quando se trata de desconstruir a nossa noção atual de casa. A tirania dessa vida aspiracional é lamentavelmente ultrapassada. São casas cheias de objetos bonitos, mas eles são como manequins – não seres vivos.”
Lançamento do livro “The Monocle Guide to Better Living” ©Juliana Lopes
O “ódio”
Nossa história de amor com a “Monocle” tem uns poréns. A mesma adoração de Tyler por papel, que nos inspira, o contradiz como editor contemporâneo. Porque acreditamos que o on-line completa o analógico, e vice-versa. Não só nós, mas muitos pensadores, como o sociólogo Francesco Morace, enxergam e respeitam a ausência de fronteira entre o on-line e o off-line. Brûlé parece não acreditar nisso: “Nada que não é feito em papel pode durar”, disse ao FFW. Sorry, vamos ter que discordar. Até a nossa memória hoje é um mix do que vivemos on-line e off-line.
Outro ponto: dicas podem ser interessantes. E o tema do livro é esse, certo? Espécie de auto-ajuda para modernos. Mas temos sempre que ter um pé atrás quando escutamos algo do tipo “No quarto as roupas têm que estar dentro do armário”. Ou então “Nosso banheiro é assim”. O sociólogo Francesco Morace falou sobre isso com a gente: “Este tipo de discurso, de como as pessoas têm que se comportar, não funciona mais. O consumidor deixou de ser passivo, virou um autor de suas escolhas. Ele não aceita tudo o que vendem como tendência”. Então é isso, viramos curadores de nós mesmos. Sem dúvida o livro da “Monocle” é uma obra interessante e divertida. Não que isso a transforme (nem ela nem outro livro) em bíblia absoluta do que é legal.