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    Profissão Set Designer: Ana Arietti fala dos detalhes e desafios dessa áera criativa em crescimento

    Ao olhar os créditos de um editorial ou campanha vemos sempre o fotógrafo, diretor de arte, stylist e maquiador com lugares cativos, mas um novo profissional passou a ser mais creditado nos últimos tempos: o set designer. Durante anos a cenografia foi idealizada pelo diretor criativo ou, em muitos casos, convidava-se um cenógrafo para projetos específicos.

    Entretanto, a cenografia tem sido um elemento cada vez mais importante para elaborados shootings e até mesmo os lookbooks, onde sai o fundo branco e entra o cenário como um elemento importante para materializar o conceito além do look e amarrar o storytelling que se quer contar. Lembro especialmente do Pietro Balestrieri que fez eu me emocionar ao ver a passarela do desfile de verão de Alexandre Herchcovitch ornamentada por 30 mil flores, lá em 2005. Desde então muita coisa mudou.

    Internacionalmente quem tem atraído todos os olhares é o estúdio Till Duca, baseado em Paris, que tem sido o responsável por assinar campanhas, lookbooks e até o cenários dos últimos cenários de Jacquemus – mas que ainda tem em sua lista de clientes Louis Vuitton, Cartier e J.W. Anderson.

    Sophear Van é outro nome para se observar, especialmente seus trabalhos para a Loewe – Jonathan Anderson chegou a explicar que o cenário foi um fator importante para a apresentação de inverno 2021, já que a cor amarela teria sido uma das suas maiores inspirações no desenrolar do processo criativo. Vogue Itália, Dazed e M Magazine do Le Monde, são alguns títulos onde se pode ver alguns de seus trabalhos recentes.

    A britânica Shona Heath é uma referência quando se fala em cenografia voltada para a moda. Caso não a reconheça pelo nome, basta lembrar de algumas das mais célebres imagens de Tim Walker, com quem ela possui uma extensa parceria há mais de 20 anos – sendo também responsável por assinar os cenários da emblemática exposição sobre o fotógrafo no Victoria&Albert Museum, em 2019. No seu currículo há desde vitrines para Dior, passando por cenários de desfiles – Marni, Lanvin e Prada são algumas das principais grifes de uma extensa lista.

    Tendo isso em mente, convidamos quatro profissionais brasileiros para contar os bastidores da profissão, que pode ser uma porta de entrada para quem quer trabalhar na moda. Na primeira entrevista da serie apresentamos Ana Elisa Arietti, set designer e diretora de arte, que colabora com marcas como Paula Raia e diferentes publicações, da Vogue Brasil a Fort Magazine.

    A set designer Ana Elisa Arietti (Foto: Bruna Castanheira)

    A set designer Ana Elisa Arietti (Foto: Bruna Castanheira)

    Ana Elisa Arietti (@anaarietti)

    Ana, para começar, queria que você falasse há quanto tempo atua na área como diretora de arte e set designer… Um pouco do seu background e formação. 

    Fiz faculdade de comunicação social e um pouco de artes plásticas, mas logo comecei como estagiária na O2 Filmes e fui fazer cinema como assistente de arte e de direção. Meu primeiro job na produtora foi um longa-metragem o “À Deriva”, do Heitor Dhalia, eu fazia desde teste de câmera até pesquisa de filmografia, eu tinha 18 anos, depois continuei como assistente para outras produtoras fiz mais 2 longas, e me interessei por produção gráfica em cinema, amava programa de nerd no computador e os rótulos de todos os produtos vintage, nos filmes sempre sobrava pra mim. Fiz de Tubaínas até outdoors cenográficos. Daí como os processos cinematográficos estavam me deixando exausta, virei designer gráfica para revistas de moda, fiz a primeira Bazaar Brasil, e depois fui pra Vogue. Amava fazer composições para fotografia de matérias da revista, e como a equipe da Vogue Brasil era mínima, todos faziam um pouco de cada setor.

    Quando conheci a Cassia Tabatini, fotógrafa, diretora e publisher, ela me levou pra fazer editoriais com a Fort Magazine e me deixou fazer tudo o que eu queria, usamos ciabatta amanhecida em 2014. Avant garde or what?

    Sinto que durante muito tempo o design do set era da alçada do diretor de arte e isso mudou de uns tempos para cá. Você concorda ou estou equivocado?

    Concordo, mas pra mim sempre foi um mundo à parte, porém as equipes eram menores, e moda no Brasil tinha uma proposta mais acidental, os D.As [diretores de arte] tinham que se virar com as locações e inspirações que conseguiam, existiam algumas marcas que já pensavam esse “entorno”, mas até meados de 2010 o foco era a modelo, não era o universo que uma imagem precisa e poderia gerar.

    Daí veio a fase q eu chamo de Burle Marx, toda modelo vinha disfarçada de costela de Adão, logo descobriram o mobiliário modernista brasileiro, e com as mídias sociais, vimos muitas referências maravilhosas, virou bacana ter set designer em campanha de moda. Em cinema sempre houve o decorador de set e os grandes cenotécnicos que construíam quartos do dia pra noite.

    Como é sua relação com o diretor de arte enquanto set designer? Como é essa troca?

    A minha relação é de criação conjunta, geralmente recebo um mood, e a partir disso pensamos os elementos que combinariam, não aceito muito bem referências prontas, prefiro pensar junto. Tem alguns diretores de arte que consigo uma conversa melhor, geralmente quando não há uma competição ególatra. Como também assino algumas produções como diretora de arte, às vezes pode ficar confuso.

    Como é o seu processo criativo? Poderia contar como funciona, da pesquisa até a montagem?

    Os processos variam de acordo com a história, pode partir de uma imagem perdida em um livro, uma cor impossível. A parte mais intensa é colocar a ideia no mundo, em escala grande. Pode começar em uma esquina da 25 (de Março), numa loja de tapetes persa – fiz uma campanha recente que começou por causa de uma pasta de dente, outra veio quando revisitei as fumaças feministas da Judy Chicago, outra aconteceu por causa de um livro de Shibari japonês.

    Dependendo da escala das produções escolho minha equipe, às vezes eles tem que ser grandes marceneiros, ou produtoras de objeto detalhistas, pinturas a óleo pra fazer o conjunto acontecer. Às vezes no dia anterior as vontades podem mudar, é uma emoção divina.

    Cada trabalho vem com sua particularidade, os mais simples podem ser os mais difíceis de executar, o set dos 40 colchões antigos, que pensei ser rápido de resolver, me mostrou que os paulistanos gostam tanto de camas box, que extinguiram quase por completo aqueles padrões incríveis dos colchões de mola dos anos 60.

    Aconselharia jovens entusiastas/estudantes que se interessam pela área a começar de que forma? Quais os maiores desafios?

    Eu me dei bem nesse ramo (até agora) porque sou flexível e tenho uma soma de talentos importantes: sou boa em produção, e também em produção executiva, além de ter uma noção espacial, de escala e medidas. Outro ponto importante, tenho o diferencial artístico.

    É legal saber um pouco de construção, design e arte. O maior desafio pra mim, até hoje, foi convencer grandes diretores, principalmente em publicidade, que pessoas novas podem agregar muito mais à uma ideia, do que eles imaginam, e claro, vencer a enorme barreira de ser mulher em um universo masculino e misógino.

    “Amo trabalhar com lixo, adoro tecido de reúso, sucata e tenho queda por objeto feio, pelo kitsch…”

    Percebo que você gosta de trabalhar com elementos incomuns, descartes, etc… Você arruma sempre uma forma de trabalhar com os materiais que mais gosta? Quais são os materiais preferidos ou que têm mais facilidade de trabalhar? 

    Eu sempre dou um jeito de colocar algum “treco-pensata”, mesmo em jobs comerciais, não acho que o público tem que ser menosprezado, as vezes meu papel é também gerar algum tipo incômodo, e incômodo nem sempre é sinal de coisa ruim. No meu último longa (ainda a ser lançado) tem muita vida real, e props que a gente ama sem saber, é gostoso perceber num longa sobre pandemia, em uma cena densa de briga de casal, um papel amassado de bala Chita.

    Amo trabalhar com lixo, adoro tecido de reúso, sucata e tenho queda por objeto feio, pelo kitsch, e por personalidades fortes. Tento reciclar tudo, ou doar tudo que posso. Gosto muito de trabalhar com comida e plástico, e com pão já fiz tanto still que cheguei a considerar meu melhor asset.

    Quais trabalhos você tem um apego especial? Ou que gostaria de destacar?

    Adoro o “À Deriva”, porque foi meu primeiro longa, e tinha referências incríveis de filmografia, para pesquisa desse filme vi muitos filmes que até hoje são meus favoritos, teve muito Rohmer, Godard, Ozon. Outro preferido: La Cienaga da Lucrecia Martel.

    Fiz recentemente um projeto importante com a Paula Raia, com fotografia de Rafael Pavarotti, e direção de arte/cenário meus, que virou exposição no CCBB SP. Fiz um set inteiro de objetos ancestrais e papéis naturais de fibras orgânicas, chamava-se Terrosidades, ainda conheci mulheres notáveis, como a poeta Alice Ruiz, e a deputada Erika Hilton.

    Tem algum nome (set designer) internacional que acompanhe e ache interessante?

    Sempre amei a Shona Heath, pelos cenários fantásticos para o Tim Walker na Vogue inglesa, hoje em dia amo o David James White, o Gary Card, Andy Hillman, e as composições inusitadas de still da Ana Domingues, da Pepi de Boissieu. O jeito louco de falar de comida da Layla Gohar…

    São muitas as refs boas, aqui no Brasil tivemos o Rossi, que agregou muitos nos SPFWs e era um cara muito gentil. RIP ROSSI!

    Cenário de "Terrosidades" de Paula Raia, posteriormente exposto do CCBB

    Cenário de “Terrosidades” para Paula Raia, posteriormente exposto do CCBB (Foto: Divulgação)

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