Segundo dados de 2015 do IBGE, 56,9% da população brasileira está acima do peso. Segundo dados de 2015 da Abravest (Associação Brasileira do Vestuário), o mercado da moda plus size movimenta anualmente cerca de R$ 4,5 bilhões no país, representando 5% do faturamento total do setor de vestuário, que ultrapassa R$ 90 bilhões. Em 2016, o mercado de moda plus size cresceu 6% no Brasil. Porém, apenas 17,5% do varejo no Brasil vende roupas grandes, sendo que somente 3,5% das lojas são especializadas em moda plus size (dados do Sebrae). E muitas dessas lojas foram criadas não por estilistas, mas por necessidades próprias de pessoas que não encontravam roupas ou que não se sentiam representadas pelas que eram oferecidas.
Também partindo de uma necessidade, nasceu a Pop Plus, feira criada em 2012 pela jornalista Flavia Durante, 40. Através de seu trabalho de pesquisa e curadoria, ela virou uma referência na área: abriu seu escritório Cena Pop e descobre marcas, dá palestras, faz assessoria de imprensa, produção de eventos, conteúdo para redes sociais, a maior parte direcionado ao público gordo e à moda plus size.
Neste sábado (05.08), ela é a co-curadora do Boteco da Diversidade, no Sesc Pompeia, com o tema Visibilidade Gorda. No meio da correria, conversamos por telefone sobre o tamanho do mercado plus size no Brasil, estética x saúde, gordofobia e em como transformar raiva em algo positivo.
Quando começou a Pop Plus?
Comecei em 2012 com meia dúzia de marcas, era como um bazar entre amigas. Ele foi crescendo, fui levando a sério, passei a estudar empreendedorismo e moda e hoje fazemos quatro vezes por ano e estamos com mais de 60 marcas por edição. Tanto que faz um ano que me dedico exclusivamente a isso. Na última edição, em junho nove mil pessoas passaram pelo evento.
De 6 marcas para 60. Onde estavam todos esses estilistas e empreendedores do segmento plus size?
Pelo que observo, muita gente não era da área da moda. Eu mesma criei a Pop Plus por uma necessidade porque não me identificava com o que tinha na moda de tamanhos grandes. O mesmo ocorre com as empreendedoras: elas criam marcas por necessidade. Ou então também tem histórias de marcas que estão na família há muitos anos e a filha resolve fazer algo mais moderno e dá certo.
As marcas também podem se inscrever pra participar?
Abro um formulário de inscrição e eu também faço a minha pesquisa. Não basta ser só plus, tem que ter qualidade, gostamos de uma moda mais autoral, contemporânea. As marcas acabam vindo mais de SP e Rio, mas tem também de Porto Alegre, Curitiba, Maceió… Estamos descobrindo gente que faz moda moderna.
Você está organizando uma edição do Boteco da Diversidade, um projeto do Sesc que abrange minorias.
Sim, cada mês eles abordam um tema, como trans ou feminismo. Entrei em contato com eles pra falar sobre a visibilidade gorda, eles gostaram e eu fiz a co-curadoria. Tem um diálogo artístico e político e também mostra vivências e situações enfrentadas por gordos no Brasil.
Gordo é uma minoria?
É uma minoria representativa. A maior parte da população seria a plus size, mas só 18% das marcas no Brasil veste este público. Apesar de ser grande, ainda é um mercado muito carente. A gente ainda depende muito de lojas especializadas e de eventos específicos. Por exemplo, se eu tenho uma festa no sábado e decido sair pra comprar algo no mesmo dia, não consigo, não encontro. Tem que mandar fazer a roupa. Ainda é bem difícil.
O termo plus size por si já não é algo que categoriza o público, faz com que não seja o padrão? Não seria natural você entrar numa loja e ter as roupas em todos os tamanhos? Não existe uma categoria para os muito magros, por exemplo…
Tem a questão da estética. O Brasil está em segundo lugar nas cirurgias bariátricas e também é um grande consumidor de remédios para emagrecer. São índices perigosos que mostram que a preocupação não é com a saúde, e sim com a estética, porque os remédios são super fortes e perigosos. Até o século 19 as mulheres mais cheias eram valorizadas. Depois, a magreza começou a ser mais valorizada. Nos anos 70 com o hippie, depois o heroin chic nos 90 são alguns exemplos. Então, no século 20 a imagem do gordo passou a ser ligada a imagem do preguiçoso e doente. Isso virou um estereótipo muito feio e negativo – nenhuma marca quer se associar a essa imagem. Estamos tentando reverter isso agora. Não é porque é gordo que a pessoa está deitada o dia inteiro. Fazemos de tudo, trabalhamos, dançamos, fazemos esporte…
Como você lida com o preconceito?
Hoje não ligo e tento não ler o que escrevem na internet. Prefiro falar coisas legais pra quem quer entender o assunto. Falo do positivo.
E você acaba inspirando muita gente, imagino.
Na verdade eu preferia estar falando mais de música, mas acabei virando uma ativista por necessidade. Percebo muito as mulheres ente 30 e 40 que sempre quiseram sair de collants no Carnaval, por exemplo, e nunca tiveram coragem. Elas me escrevem falaram que tiveram coragem porque eu as inspirei e esse é um feedback muito legal de receber. Então a gente acaba comprando a briga. Hoje faço palestras sobre moda plus size e sobre gordofobia. E no meu Instagram posto uns looks pra mulherada se inspirar com a #looksdafrá.
O que você tem a dizer sobre a gordofobia?
Eu comecei a engordar com 25 anos. Meus pais são gordos e também engordaram depois de adultos. Fora isso, teve a ver com o ritmo de vida que levamos em SP, sedentarismo, falta de grana pra se alimentar bem… Quando era recém formada na faculdade, só comia lanche. Foi um processo que levou uns 10 anos, mas não tive um grande problema com isso, fui tocando minha vida. O difícil foi quando comecei a ser xingada na rua, na balada… Eu ouvia coisas do tipo “baleia” e “tá em forma, hein?”. Voltava pra casa chorando, ficava muito triste e com raiva, mas temos que transformar a raiva provocada pelo preconceito em coisas positivas. Na época estava no portal Vírgula, tinha reunião de pauta com as blogueiras plus size e comecei a ter um interesse maior pelo universo da moda. Nunca me interessou antes porque sempre me senti muita excluída, era mal tratada nas lojas. Mas foi nessa época que percebi que moda era sim muito legal. Até que em 2012 comecei o Pop Plus e, no fim, me apaixonei pelo assunto.
Como está o mercado plus size no Brasil?
Quando comecei a engordar, ia comprar roupa com minha mãe, que tem o dobro da minha idade. Eu procurava na seção de grávidas, no masculino ou no departamento para senhoras. Agora é diferente. A busca pelo termo plus size cresceu 20 vezes nos últimos cinco anos no Brasil. Houve um boom há uns cinco anos, mas as marcas colocavam renda, babado, cor, tudo numa mesma peça. Faz uns dois, três anos que começou a ter mais nuances, já temos marcas mais minimalistas e mais opções pros diferentes perfis de mulher.
Quais são as marcas que estão fazendo roupa para gordo com essa estética mais clean?
Tem a Clamarroca Plus Jeans, de jeans mais modernos. A Chica Bolacha, que foi pioneira, uma das primeiras a pensar na mulher gorda jovem. Alt, Bold, Coletivo de Dois, Cor de Jambo, For All Types Lingerie também têm feito um trabalho nesse sentido.
Como é o mercado nos Estados Unidos em comparação com o nosso?
Lá a gente encontra roupa em todas as grandes lojas e lojas de departamento, mas não tem o autoral. Aqui, se eu vou na Forever 21, não acho meu número, mas temos marcas mais originais. Cada lugar tem o seu perfil.
A grife plus size Torrid vai estrear na semana de moda de Nova York. O quanto isso é uma mensagem importante?
Sempre ajuda a chamar atenção, acaba pautando todo o mercado mundial. A primeira semana plus size foi lançada em 2009, a Full Figure Fashion Week. Isso e a capa da Vogue Italia com as modelos gordas foram coisas que ajudaram a repercutir a moda plus no mundo inteiro.
Quando lemos ou ouvimos sobre o assunto, vemos muito termos como plus size, fora do padrão. Qual o problema com a palavra gordo?
Tem gente que acha forte, mas acabamos ressignificando a palavra. Uso plus size quando falo de moda, porque facilita também nas buscas na internet. Quando dou palestras, uso o termo mulher gorda. Ser gordo ou magro não é um elogio, é uma palavra neutra, é uma característica da pessoa.
Há pressão para que as mulheres gordas sejam femininas?
Sim. Eu faço um paralelo com a mulher negra. A gente tem que ser três vezes mais do que a mulher padrão para ser notada. Senão, é a gorda mulambenta e preguiçosa. Então acabamos também indo pra um outro extremo, o da gorda perfeita, sempre impecável. E não é por aí, né? Achar que só pode ser respeitada se for bonita… A beleza não pode virar uma escravidão.
Deixe sua mensagem.
Como disse a escritora Naomi Wolf no livro O mito da beleza, “uma cultura focada na magreza feminina não revela uma obsessão com a beleza feminina. É uma obsessão sobre a obediência feminina”. Enquanto estamos obcecadas por dietas e perfeição, ficamos sedadas e nossa energia vital é desperdiçada. Nunca vai estar bom, se estivermos magras, gordas, saradas, sempre vai ter alguém para apontar o dedo. Então foque nas suas qualidades, não desperdice energia com o que não vale a pena, não se compare a ninguém e saiba que você não está sozinha no mundo.
18º Pop Plus
Quando: 9 e 10 de setembro de 2017, 11h às 20h
Onde: Club Homs – Av. Paulista, 735 (Metrô Brigadeiro)
Quanto: entrada gratuita
Evento: https://www.facebook.com/events/551263414997443
Flávia Durante estreia seu blog dentro do UOL Estilo a partir desta quarta (02.08).