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    Fundadora da revista System, Alexia Niedzielski conversa com o FFW
    Alexia no bairro de Chelsea, em Londres
    Fundadora da revista System, Alexia Niedzielski conversa com o FFW
    POR Camila Yahn

    Em Londres

    Alexia Niedzielski é uma das cabeças por trás da revista “System”, que em apenas seis edições se transformou em um dos títulos mais relevantes do mercado de moda global. É a revista que os estilistas procuram para dar entrevistas de grande repercussão, como fez Nicolas Ghesquière após sair da Balenciaga. Entre outros trunfos da “System”, está uma entrevista com Rei Kawakubo, que não fala com a imprensa, e a conversa entre Raf Simons e Cathy Horyn sobre o ritmo da moda.

    É essa menina de apenas 31 anos que faz as amarrações entre personagens, marcas e colaboradores para conseguir um conteúdo inteligente, original e que analisa o momento presente.

    Alexia é filha de pai francês/polonês e de mãe brasileira. Nasceu em Paris, onde ficou até os 18 anos e mudou-se para Londres, onde mora até hoje. Morar, na vida de Alexia, tem outra conotação. Ela praticamente não passa uma semana no mesmo lugar, coisa que parece estar no sangue da família. Seu avô materno foi embaixador e sua mãe passou a vida mudando de Nova York para Roma para Paris, onde fixou residência e trabalhou como diretora de Alta-Costura para a Dior. Assim, Alexia nasceu na moda e conhece todos os estilistas, fotógrafos e stylists, muitos deles são amigos pessoais da família.

    Encontramos com ela em um café no Chelsea, em Londres. Alexia é a personificação do high low: calça jeans, camiseta branca e um casaco de pele da Sonia Rykiel, com seus longos cabelos ondulados, que são sua marca registrada. A entrevista transcorreu ora em português, ora em inglês com sotaque francês. Leia abaixo:

    Como você começou a trabalhar com revistas?

    Eu tinha uma revista que se chamava “Industry”.

    Eu fazia um seminário e quase trouxemos os meninos da “Industry” pro Brasil.

    Eu não gosto deles de jeito nenhum. Tivemos uma briga, não acho que são boas pessoas e não tenho muito o que falar de bom sobre eles. Nós começamos juntos, mas tivemos desavenças e eles não foram muito elegantes. Eu estava trabalhando com a Elizabeth Von Guttman há muito tempo e decidimos fazer nossa própria revista. A gente tem uma empresa juntas.

    A Ever?

    Sim, a Ever. Fazemos consultoria pra muitas marcas de luxo no mercado e queria fazer uma revista nossa porque acho que no mundo da moda não tem muita coisa com substância. É muita imagem, não tem nada pra ler. Queríamos fazer uma revista com o conceito da “Playboy” nos anos 70, com long interviews, então às vezes você encontra com uma pessoa cinco vezes pra uma entrevista só. Nós gostamos de ter esse conteúdo grande de leitura. E foi assim que a “System” começou.

    E como foi a história do Nicolas Ghesquière, logo no primeiro número?

    A (stylist) Marie-Amelie Sauvé queria trabalhar pra revista também. Então começamos a ver se ela queria ser a Fashion Director e a ideia de fazer o Nicolas começou assim. Ele saiu da Balenciaga um mês antes de a gente fazer a revista. Então falamos: “se você quiser fazer a entrevista, podemos fazer”. E foi ótimo porque a gente é tão independente que não tinha conflito com ninguém, então ele podia contar a história dele sem edição. E assim que começou, mas nao tínhamos nada planejado, foi bem orgânico.

    Era a entrevista que todo mundo queria ler e nenhuma revista grande conseguiu.

    Na verdade eu nunca pensei que aconteceria assim, mas foi ótimo pra gente. Percebi que estamos precisando de uma voz independente no mundo da moda. As pessoas estão vindo atrás da gente, então é porque estava precisando mesmo.

    entrevista-alexia-Niedzielski

    Capas da System, com entrevistas difíceis de conseguir: Nicolas Ghesquière, Rei Kawakubo e Raf Simons (Foto: Reprodução)

    A entrevista da Cathy Horyn com o Raf Simons vocês foram atrás ou ele procurou vocês?

    Um ano atrás tava conversando com meu time na “System” e a gente queria falar sobre o ritmo da moda porque tá tudo muito rápido. E a gente queria falar com Raf porque ele tem a própria marca, couture e ready to wear, então de todos os designers, ele é o mais busy. A gente pediu pra Cathy Horyn que é muito próxima dele. Então começamos a fazer a entrevista seguindo o Raf ao longo da coleção para a Dior. E vimos que ele tem dois estúdios, tem que fazer uma coleção a cada duas semanas. É uma coisa inacreditável. E essa conversa é muito interessante porque você vê que ele está se perguntando algumas questões enquanto a entrevista está acontecendo. Ninguém sabia que ele iria sair da Dior e você pode ver que ele está refletindo sobre o seu trabalho. Quando o anúncio foi feito, a revista estava na impressora e paramos tudo para mudar títulos e outras coisas. E o tema da revista, “the pace of fashion”, tava diretamente ligado às razões pelas quais ele deixou a Dior. Então foi um good timing.

    Vocês estão apenas no sexto número e já são a principal revista com foco no mercado de moda.

    Concordo que começamos a fazer algo que é novo. E é interessante ver marcas established virem para revistas independentes. Nós não somos “Vanity Fair” ou “NYT”. E acho que o fato dessa turma heavy weight vir para uma revista pequena é interessante, mostra que a indústria está em crise porque não há voz nenhuma, não há independência nenhuma nesse mundo, então… O único meio de se manter livre é se manter pequeno. No minuto que você cresce, você perde sua independência.

    Como você vê o conteúdo de marcas na pauta editorial dos veículos?

    É… Isso é um negócio e eu tenho que brigar todos os dias com meus anunciantes para mostrar que eu vou produzir um conteúdo incrível mesmo que eu não vá mostrar a bolsa mais nova que saiu.

    Eles entendem?

    Nem sempre. Acho que provamos que podemos criar conteúdo inteligente, mas é uma batalha constante.

    Você mesmo que fala com os anunciantes?

    Sim. É um dos meus trabalhos na System. Eu faço porque represento a revista melhor que qualquer outra pessoa, conheço o conteúdo, conheço os colaboradores e os anunciantes. E normalmente eu não vou às agências, vou direto na marca. Nós temos uma ideia, falamos com a grife e, juntos, trabalhamos. Às vezes é uma colaboração. E isso permite com que a gente entenda o que a marca precisa, como podemos atendê-los melhor sem ter que produzir um conteúdo estúpido que qualquer outra revista já faz melhor que a gente anyway.

    Olhando pras revistas independentes, sinto uma simpatia pelas marcas que apoiam e estão lá anunciando. 

    Claro! Porque não é fácil. Hoje em dia é muito difícil. Não tem mais dinheiro assim pra gastar. As marcas não podem gastar dinheiro, então todo mundo tem um corte de budget e o anúncio é a primeira coisa que eles cortam. E para a gente é muito significativo ter o anúncio porque eles sabem que não podem esperar 100 mil créditos e terão que ser pacientes com a história que vamos criar para eles porque, para criar um bom conteúdo, você tem que ter um significado, uma história. Nós fizemos uma matéria há algumas edições que eu realmente gosto, de visualmente expressar as diferenças entre Prada e Miu Miu. Foi um ótimo exercício para a gente e para a marca. Trabalhamos com o estúdio da Prada, com o Fabio Zambernardi (diretor de design das duas marcas) e fizemos um arquivo em que podíamos identificar as similaridades e as diferenças entre elas. E isso é o que nós somos. Nós somos analíticos, tentamos analisar a indústria, as marcas… E é difícil, mas pelo menos é interessante pra gente.

    Alexia com sua sócia, Elizabeth Von Guttman (Foto: Reprodução)

    Quanto vocês gastam por edição? Eu li uma vez que eram 100 mil pounds?

    Sim, mas agora aumentamos. Hoje fazemos a revista por cerca de 200, 250 mil pounds e usamos todo o dinheiro que fazemos. A revista vive dos anúncios. Se eu não tenho o maior número possível de anunciantes, não crio o conteúdo. E eu realmente brigo com as marcas para fazê-las entender isso, tipo: “o seu dinheiro está fazendo isso”. Eu pago todo mundo porque não acredito em trabalho de graça. Os fotógrafos nós não pagamos porque trabalhamos com nomes realmente top top, mas pago toda a produção – e faço uma ótima produção. Os jornalistas ganham, meu staff ganha, mas eu não pago a mim mesmo.

    Você pensa em conteúdo online?

    Sim, é o nosso próximo passo e estamos trabalhado nisso. Obviamente estamos pensando como fazer porque não queremos apenas traduzir e colocar no digital porque você não quer ler 15 páginas na internet. Nossa proposta será diferente, vamos lançar no ano que vem.

    Você criou a revista num momento em que muitas estão fechando. Falta originalidade no mercado?

    Acho que é o momento de crise é o momento em que a pessoa precisa de uma opinião. A “System” funciona porque tem uma voz.  Essas revistas que são todas iguais eu acho muito chato, sabe? Eu não compro. O mundo tá tão cheio de coisa, não precisa de mais. Precisamos dar uma editada. Hoje em dia, o conteúdo impresso e online são bem focados. Se você quer aprender a cozinhar, vai num site específico pra isso. É curadoria. A “System” é bem precisa: é sobre a moda. As outras falam um pouco de tudo e hoje você não quer saber um pouco de tudo, quer mais foco.

    Você participa de todos os processos?

    Sim, nossa equipe é muito pequena. Em Paris fica o diretor de arte, Thomas Lenthal, que é casado com a Victoire de Castellane, que faz as joias da Dior. Ele é ótimo e tem uma agência de publicidade que trabalha com Prada, Cartier…

    E isso ajuda a trazer anunciantes?

    Não.

    Não?

    Ele não sabe fazer! Só eu e a Elizabeth que fazemos. Sabe, tem poucas pessoas que são capazes de trazer dinheiro. Não é uma coisa não fácil assim. A gente sempre brinca com ele porque ele tem a Hermès e nós não temos ainda. Mas vai chegar! E tem o Jonathan Wingfield, que é um ótimo jornalista e fica com a gente em Londres. Elizabeth e eu trabalhamos muito bem juntas e eu concordo sempre com ela. E eu faço styling sozinha.

    Você faz styling?

    Sim, eu fiz o styling de todas as campanhas da Sonia Rykiel com o Juergen Teller, com as filhas do Mick Jagger. E estou fazendo mais e mais. Mas não quero fazer styling editorial, quero fazer de celebridade, que acho mais divertido.

    Como funciona a sua agência, a Ever Consulting? Ela tem um envolvimento com sustentabilidade, certo?

    Esse é um projeto que começamos com Charlotte (Casiraghi) e demos continuação. O último projeto foi com a H&M. A gente desenhou uma coleção usando tecidos sustentáveis.

    E você acha que essas gigantes como a H&M estão prontas pra abraçar isso de uma maneira geral?

    A H&M já começou há muito tempo. É uma companhia ótima e estão num caminho super sustentável. Eles têm uma visão grande e, de uma marca de high street, eles construíram algo muito bacana. Todo high fashion quer trabalhar com eles.

    Campanha da Sonia Rykiel com styling de Alexia (Foto: Reprodução)

    Campanha da Sonia Rykiel com styling de Alexia (Foto: Reprodução)

    E os relatos de trabalho escravo?

    Eu trabalhei muito com eles e a H&M é sempre um target porque são tão enormes. Mas eles geralmente têm uma transparência inacreditável. E na Suécia tudo é muito mais sustentável. H&M é como McDonalds, sabe? Eles não podem fazer uma carne que não seja boa porque vai pegar muito mal e as pessoas não vão mais comprar. Com a H&M é a mesma coisa. Tem sempre gente que vai falar. E eles botam muito dinheiro na sustentabilidade, são investimentos enormes. Eles foram o primeiro consumidor de algodão orgânico no mundo. Só empresas deste tamanho podem fazer isso.

    Qual a diferença entre a consultoria e o manifesto?

    Ever Consulting é a consultoria que faço pra marcas, eventos, criação de conteúdo, produtos. O Manifesto é o que a gente cria com uma marca para torná-la mais consciente e responsável, como fizemos com H&M, Gucci e Loro Piano.

    Comecei em 2008, quando tava fazendo uma revista e o mundo colapsou com a crise e todas essas coisas de luxo e excesso ficaram um pouco demais.  Então comecei esse projeto com Charlotte e Elizabeth porque a gente queria aprender. Todo mundo estava preocupado com a comida, de onde vem, como é feita e na mesma maneira pensamos que temos que saber sobre as nossas roupas, de onde vêm, o que você pode fazer depois. Começamos para poder entender o ciclo de vida de um produto.

    Eu via o photoshop nas modelos e celebridades… Era uma big fat lie que eles vendiam. Não importa o que eu faço, sempre tento retratar a realidade. Com o Manifesto, nós reunimos moda, ciência e inovação e fazemos uma imagem sexy porque sustentabilidade não é muito sexy.

    Por que ainda há essa ideia?

    Porque ela nunca foi muito bem retratada. Na System, os fotógrafos com quem trabalhamos, são todos about telling the truth. Ele não necessariamente vai fazer você parecer que vale um milhão de dólares, ele diz a verdade. E eu sempre tive vontade de mostrar a realidade.

    O seu trabalho de consultoria tem sempre esse viés de sustentabilidade?

    Não, faço projetos diversos. Estamos agora trabalhando no desfile da Louis Vuitton no Rio. Eu estive lá com todo o time da Vuitton.

    E o Ghesquière gostou?

    Ele amou. Levei ele pra Brasilia, Inhotim, São Paulo, Rio, foi ótimo, ele gostou muito. Saimos no Rio, foi muito divertido. Amou a cultura, as pessoas.

    E vocês vão fazer no museu do Niemeyer?

    Ah… não posso falar onde vai ser! Eu já trabalhei com eles na abertura da loja no Cidade Jardim, então já conhecia a equipe e sou muito próxima deles. E eu conheço bem o Nicolas, acho que ele confia na minha opinião, então falei pra ele: “já sei onde vou te levar”. Ele gosta do que eu gosto.

    Seu pai é um advogado. Você acha que essa vontade de fazer o correto, mostrar a realidade tem a ver com a influência dele?

    Possivelmente. Eu não estou sempre no lado certo, mas certamente está no meu DNA. Discutir, defender meu ponto de vista. Cresci assim. Com certeza meu pai é muito na linha, é um modelo pra mim.

    Você se sente brasileira?

    Super! Acho que sou a mais brasileira da minha família. Vou muito ao Rio e agora estou começando um projeto com minha cunhada que mora aqui em Londres, Gisela Dantas. O cara que faz todos os sapatos da Louis Vuitton, Fabrizio Viti, vai abrir uma marca própria e nós viramos sócias. E queremos muito levar a marca para o Brasil. Vou te falar quando estiver mais perto, mas devemos lançar em setembro do ano que vem.

    E como você começou na moda? Sua mãe frequentava?

    Minha avó brasileira morava em Paris e abriu a primeira loja de Valentino nos anos 70 na avenue Montaigne. Minha mãe era diretora da Alta-Costura da Dior, então cresci na moda. Quando eu era mais jovem, queria ser fotógrafa, não queria trabalhar na moda, mas tava tão fácil pra mim, já conhecia todo mundo…

    Então, o Karl Lagerfeld é tipo um tio pra você?

    Não (risos). Karl Lagerfeld não é um tio, conheço muito pouco, mas conheço bem o Valentino, que é amigo da família e o Giambattista Valli… Conheço todos os designers hoje em dia.

    A gente vê você na internet sempre como “it girl”, mas você não representa isso.

    Sim, sou do trabalho mesmo porque os meus pais não me ajudam, eu levo minha vida. A imprensa sempre vai te retratar como vida fácil e não é assim. Eu não gosto dessa coisa de look of the day, é muito chato. Eu poderia ter começado assim, sabe? Mas nunca quis porque acho tudo entediante e vazio. Com todo o respeito pela meninas que fazem isso, eu jamais conseguiria fazer isso.

    E elas fazem muito dinheiro!

    Pois é, eu deveria er feito isso, muito mais fácil (risos). É uma pena porque não é algo que encoraja individualidade. É essa cultura de celebridade e não tem nada disso no meu trabalho. A “System” é anti isso.

    system mag

    Uma das páginas do suplemento de Kanye West fotografado por Juergen Teller para a System (Foto: Reprodução)

    Alguma celebridade procurou você para estar na capa da “System”?

    O tempo todo. Kanye West, por exemplo. Nós fizemos um suplemento com ele. Ele me mandou muitos emails pra aparecer na capa e demos a ele um suplemento na edição da Armani. Tive que tirar da distribuição porque tive problemas com Kanye. É muito engraçado e virou ítem de colecionador, nós tiramos um sarro um pouco.

     

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