Walério Araújo em sua loja, no edifício Copan, em São Paulo ©Juliana Knobel/FFW
Walério Araújo é conhecido por seu trabalho irreverente e repleto de dramaticidade. Seja na Casa de Criadores ou nas peças que desenvolve para celebridades, o estilista pernambucano sempre adiciona um toque autoral em tudo o que faz. Entre plumas e paetês – e com muito bom humor –, Walério recebeu o FFW de coração aberto em seu apartamento no Copan, em São Paulo, para falar sobre sua carreira (do início até hoje), seus planos para o futuro, as colaborações com as famosas, a personalidade exuberante e suas inspirações. Confira abaixo a entrevista:
O início da carreira: da infância em Lajedo à mudança para São Paulo
Apesar da minha família ser extremamente leiga em relação à moda, já que não existiam faculdades ou cursos, minha irmã costurava para fora, até porque nessa época as meninas faziam enxoval. E eu sempre quis ser destaque no colégio; nas comemorações de 7 de setembro eu nunca queria sair de uniforme, queria usar fantasias de personagens da cultura popular ou do folclore. E sempre desenhei, desde pequeno: aos 13 ou 14 anos as vizinhas e amigas já pediam para que eu fizesse desenhos, porque eu desenhava na escola, mas elas confundiam achando que eu já podia fazer modelos [de roupas]. Eu adorava, porque sempre fui muito excêntrico.
Coleção de Primavera/Verão 2012 de Walério Araújo, inspirada na cultura pernambucana ©Divulgação
Sempre acompanhei moda, assistia aos desfiles que passavam na televisão aos sábados, gostava de ver revistas e adorava ver o Clodovil dando dicas para as pessoas que ligavam com dúvidas. Também me achavam parecido com [o estilista baiano] Ney Galvão, porque eu tinha um cabelo exatamente igual, batidinho do lado e topetão escovado. Aos 16 ou 17 anos, ouvi no rádio sobre um curso por correspondência; uma das apostilas [do curso] era desenho de moda, o que me incentivou mais ainda. Demorou um pouco, por causa da ida e vinda de correspondências, mas depois que terminei eu surtei com a ideia de vir para São Paulo e aproveitei que minha irmã já morava aqui. Fiquei um ano em São Paulo e nesse tempo fiz um curso de desenho de moda particular na ProModa, no Bom Retiro. Em paralelo, trabalhava com decorações de festas infantis. Com o dinheiro que ganhava comprava muitas coisas, principalmente roupas excêntricas que chocavam minha família. Por isso quando me perguntam se eu sempre fui assumidamente gay, digo que nunca precisei, visualmente eles já sabiam que eu era.
Sala da casa de Walério Araújo, no edifício Copan, em São Paulo ©Juliana Knobel/FFW
Quando eu retornei de São Paulo, tinha um amigo da família que estava procurando um estilista para trabalhar em Paulo Afonso [Bahia]. Aí a irmã dele me indicou e eles foram pedir autorização aos meus pais para que eu fosse trabalhar lá porque, mesmo já tendo 18 anos e fosse ter “casa, comida e roupa lavada”, seria a primeira vez que eu iria sair para morar sozinho. Foi aí que comecei a conhecer de verdade os tecidos e a lidar com a clientela, que era muito eclética. Fiquei um ano, mas voltei para Lajedo por causa da saudade da família e dos amigos.
Depois de um tempo fui para Salvador, fiquei mais um ano, voltei para Lajedo, onde fiquei mais uns meses, e retornei de vez para São Paulo, onde estou há mais ou menos 21 anos.
Início na Rua das Noivas e 25 de Março
Chegando a São Paulo, as coisas aconteceram de forma inesperada. Trabalhei por três meses em uma loja de roupas bem popular, e quase virei vitrinista. Nesse período, encontrei um amigo que trabalhou comigo em Salvador e que me arrumou um emprego na Rua das Noivas, onde trabalhei por mais três meses como estilista. Morava na oficina dessa loja, não tinha nada, nem rádio nem televisão. Pensei em voltar para Salvador porque lá tinha muitas facilidades, mas um conhecido me apresentou a uns amigos e a partir daí fui dividir um quitinete, localizado entre as ruas São João e Ipiranga. As coisas então melhoraram porque eles já faziam parte do meu universo, eram estilistas.
Da Rua das Noivas fui trabalhar na 25 de março, que, na época, tinha ótimos empregos, com salários razoáveis e onde era possível ganhar por fora fazendo roupas para clientes. Lá fiquei dois anos e meio, saí para participar do Mercado Mundo Mix, onde fiquei cinco anos. Queria criar minhas próprias roupas, ver as pessoas usando as minhas criações. Mas, voltando um pouco, quando eu morava com esses dois amigos eu surtei e decidi que queria ir no programa do Jô Soares. Um desses amigos estava virando travesti e o outro fazia shows como transformista, então eu me envolvi muito com esse universo, a minha ligação que dura até hoje não foi do nada. Também participei, fiz shows e participei de concursos como transformista, até Miss Gay. Sempre ganhava o prêmio de “Melhor vestido”; inclusive, quando ficavam sabendo que eu ia participar – como Waléria Velázquez –, corriam para comprar mais cristais e fazer mais bordados, porque eu ia para ganhar.
Elke Maravilha e Dercy Gonçalves, de Walério Araújo (a foto de Dercy foi usada como banner no stand no Mercado Mundo Mix) ©Reprodução
Em um dos júris desses concursos, conheci a Elke Maravilha, que me procurou para saber quem fazia as minhas roupas. Ela se tornou minha primeira cliente. Fiquei muito tempo com ela, até hoje somos superamigos. A Elke ajudou muito a divulgar. Em todos os programas e entrevistas, ela falava de mim; foi um desafio, mas também uma realização porque tinha liberdade total de fazer tudo o que eu queria. Exercitei muito essa coisa dos adereços, porque uma dica que ela me deu foi: “Quando você achar que o acessório está grande para uma mulher, você aumenta mais um pouco e é a minha medida”.
Através da Elke, fui conhecendo outras pessoas, como o Fernando Pires, que fazia os sapatos dela, e depois começou a fazer os sapatos para os meus desfiles. Ele fazia também os sapatos para a Joana Prado, a Feiticeira; então fiz muitos biquínis para ela quando ela começou a bombar e virar a mulher mais sexy do Brasil. Apesar de ser uma peça pequena, havia uma preocupação com as tendências, de fazer biquínis de cristal, metal e etc. E aí foi aumentando esse mailing de clientes. Conheci a Dercy Gonçalves, que inclusive era a garota-propaganda do meu banner no Mercado Mundo Mix.
Desfiles e celebridades
Quando eu estava no Mercado Mundo Mix, surgiu o Amni Hot Spot, que foi desenvolvido para dar suporte financeiro e profissional a novos estilistas. Foram vários estilistas: Fabia Bercsek, Samuel Cirnansck, Wilson Ranieri, Jefferson de Assis, Deoclys Bezerra, Emilene Galende e eu. Fiz cinco edições, mas como já tinha uma clientela e já ia a alguns programas, fui um dos primeiros a sair, junto com o Deoclys, para que outros estilistas pudessem entrar.
Logo após a saída do Amni Hot Spot, entrei na Casa de Criadores porque queria continuar desfilando. Já estou na minha 16ª edição, e nesse decorrer a clientela foi aumentando: conheci Claudia Leitte, Sabrina Sato e hoje também Maria Rita, Fafá de Belém e Preta Gil. Acabei de ser procurado pelo Ney Matogrosso porque fiz o figurino de Ana Cañas com direção dele.
As pessoas circulam entre si, nas festas, nos shows e eventos, por onde andam os stylists, maquiadores, etc. Fiz roupas para a Ana Maria Braga, porque, há uns 10 anos, ela decidiu cozinhar três dias fantasiada na semana de Carnaval. Foi o Plínio Peloso, chefe de maquiagem da equipe dela naquela época, que me conhecia das roupas para a Elke e me chamou para ir na Globo. É mais ou menos assim que acontece; quando comecei a trabalhar com a Cláudia Leitte, o Yan [Acioli] fazia o styling dela e já conhecia a Adriana Galisteu e a Sabrina Sato.
Claudia Leitte no Grammy Latino de 2010, Gaby Amarantos no 23º Prêmio de Música Brasileira, em 2012; e Sabrina Sato, todas com vestidos de Walério Araújo ©Reprodução
Quando a Cláudia foi fazer um dos primeiros Carnavais dela com o Yan, que já conhecia esse meu universo de plumas e paetês, ele sugeriu que eu criasse as roupas. Marcamos reuniões, fui para Salvador e virou uma parceria a partir daí. […] Tanto que quando ela foi à cerimônia de premiação do Grammy Latino, fez questão que eu fizesse a roupa dela, mesmo com todas as propostas de vestidos que recebeu.
Desejo de entrar no line-up do SPFW
Abri minha loja aqui no edifício Copan há cinco ou seis anos. Moro no Copan há mais de 11 anos, no começo um dos quartos era oficina, onde recebia as clientes, mas queria privacidade. Até hoje as pessoas confundem, porque como sabem que eu moro no Copan, querem que eu abra a loja qualquer hora para produzir depois das 19h.
Eu me tornei destaque na Casa de Criadores por causa da quantidade de artistas que eu sempre levo, qualquer organização de evento gosta disso porque dá mais mídia. Mas eu tenho intenção de entrar no line-up do SPFW o mais rápido possível; sou oportunista no melhor sentido, como qualquer outra pessoa, se é para melhor: por que não? Só não quero ser uma propaganda enganosa, porque sou muito pequeno. Tem gente que acha que eu tenho uma superequipe ou superoficina, mas não, sou eu e mais duas costureiras, que são as mesmas de quase 20 anos atrás. Quando é algo específico, com matéria-prima diferenciada, lógico que eu corro atrás de quem faça; só que, em geral, somos apenas nós. Eu quero me estruturar, fazer coisas novas, então quero ir para o SPFW.
Looks da coleção de Primavera/Verão 2011 de Walério Araújo na Casa de Criadores ©Divulgação
Clientes anônimas: quem é a mulher que procura uma peça Walério Araújo
Tenho feito muitas noivas e debutantes. Geralmente me procuram para fazer roupas de festa, até roupas de balada, talvez por influência do que faço para a Sabrina [Sato] ou por eu ser conhecido como uma figura da noite. É bem eclético, eu teria que ter uma oficina muito grande: tem cliente que busca camiseta, jeans, body. Cada cliente é uma mão de obra.
Influência das raízes nordestinas e inspirações
Sempre quando me perguntam o que trouxe do Nordeste, acho que é a paciência porque adoro bordado e todos esses trabalhos manuais que eu chamo de “preso”, que te mantém duas semanas em uma mesma roupa. Já estou ficando cansado, mas preguiça, nunca. Quando comecei, a tendência era ir para o lado regionalista ou para o “japonismo”, mas eu gosto mesmo é da noite, do brilho e do ousado.
Altar religioso que fica na sala da casa de Walério ©Juliana Knobel/FFW
Quanto a inspirações, eu sou bem eclético. Acho que música é lugar; adoro dançar, mas quando estou em casa às vezes gosto de acender um incenso com música indiana, Erykah Badu ou Sade Adu. Em Lajedo, na adolescência, ficava dando piruetas ao som de A-HA, Pet Shop Boys e Madonna. Adoro sertanejo para chorar, gosto de algumas músicas de Joelma [banda Calypso]; agora estou curtindo minha amiga e cliente Gaby Amarantos. Adoro Maria Rita, Ana Cañas, enfim, gosto de tudo; é uma loucura!
+ Veja também as entrevistas do FFW com:
– Juliana Jabour
– Jack Vartanian
– Emmanuele Junqueira
– Helô Rocha, da Têca
– Dudu Bertholini e Rita Comparato, da Neon
– Carô Gold e Pitty Taliani, da Amapô
+ Abaixo mais imagens da loja e da casa de Walério Araújo, ambas localizadas no edifício Copan, em São Paulo: