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    A relação polêmica da moda de luxo com a moda da quebrada

    Investigamos como grifes se tornam ícones de moda na periferia e porque as marcas ainda tem receio de se associar a artistas periféricos

    “É a tropa da Lacoste” (Tropa da Lacoste – Kyan);

    “É só Oakley, Lacoste, vendedor, não implore

    Por favor, nóis é enjoado” (Avisa lá – Mc Kelvinho e Hariel); 

    “Um brinde a Juliet, à polo da Lacoste

    À touca da Medusa e ao coletão da Oakley” (Passei de Oakley – Mc Dedé);

    “Ela se interessa que eu tô de Nike

    Escondendo a peça” (Maça Verde – Mc Hariel)

    Essas são apenas algumas letras de músicas de funk e trap que fazem menção – gratuitas, vale dizer – a grandes marcas como Oakley, Lacoste e Nike, algumas das etiquetas mais icônicas na periferia. 

    O óculos, ou lupa, no modelo “Juliet”, é uma das grandes tendências surgidas na quebrada, bem como as camisas de time como parte do vestuário casual e uma série de outras tendências. Mas isso não é um movimento necessariamente novo, no início dos anos 2000, o modelo Nike Shox, também chamado de “8 ou 12 molas”, só se tornou o fenômeno que foi no Brasil por ter virado uma peça desejo nas periferias, em um momento em que o preconceito com a periferia e seus ritmos era ainda muito maior do que hoje. 

    Samir Bertoli fala da relação da moda de luxo com a periferia

    Samir Bertoli | Reprodução Instagram

    Para Samir Bertoli, que é stylist, fotógrafo e diretor criativo, focado nas subculturas e movimentos periféricos e com colaborações com empresas como KondZilla, Nike e GQ “primeiro temos que entender o surgimento das marcas dentro da periferia nos primórdios da construção da estética e da cultura periférica, de uma forma espontânea da própria quebrada. Não adianta querer injetar algo lá dentro de forma artificial, que nunca vai funcionar, muitos MCs foram fomentando o desejo e ajudando a desenvolver a cultura, como em meados de 2010 quando começaram a surgir os funks falando de Oakley”

    Neguinho de Favela | Cortesia

    Neguinho de Favela | Cortesia

    O stylist e diretor criativo, Neguinho de Favela concorda: “O principal expoente é a música, o rap, agora o trap e, sobretudo, o funk. Quando nós ouvimos o Mano Brown falar de Nike e os MCs de funk falarem de outras marcas, isso faz com que todo mundo procure saber e comprar.”

    MANDRAKA

    O estilo Mandrake, ou Mandraka, que referencia o estilo dos jovens da periferia e dos bailes funks, se tornou uma tendência no TikTok, com com mais de 788 milhões de visualizações na hashtag e o áudio usado para esses vídeos, com trechos da música Baile do Cinga do 12, de Mc Gontijo e Dj Sati Marconex, foi usado em mais de 122 mil vídeos postados na rede. O próprio modelo de vídeo de Mandraka, no entanto, recebe críticas, por tratar como uma alegoria ou fantasia o estilo de vários homens e mulheres, que são julgados e alvo de preconceito por essa mesma estética. 

    Captura de Tela do aplicativo TikTok

    Captura de Tela do aplicativo TikTok

    Captura de Tela do aplicativo TikTok

    Captura de Tela do aplicativo TikTok

    Ainda no TikTok, não é exagero dizer que o funk é a trilha sonora de grande parte das trends e “dancinhas” criadas no Brasil. Segundo um levantamento do Spotify revelado neste ano, o funk ultrapassou o sertanejo como o ritmo mais ouvido no país e ainda figura entre os 200 ritmos mais ouvidos em outros 51 países. Matuê, um dos fenômenos do trap nacional – outro ritmo brasileiro que desponta no mercado internacional – teve o álbum com mais streams em 24 horas no ano passado, chegando a ser um dos artistas mais ouvidos do Brasil e da Angola, desbancando Anitta.

    RELEVÂNCIA CULTURAL x rejeição

    ‘Trajados’ e com o ‘Kit em Dia’, os funkeiros, rappers e trappers nacionais são algumas das figuras mais relevantes culturalmente e grandes formadores de opinião que encabeçam a bolha culturalmente efervescente das periferias e comunidades, seja na música ou na moda. No entanto, mesmo com sua inegável influência, principalmente sobre as novas gerações, grande parte deles ainda sofrem rejeição por parte das grandes marcas da moda e do luxo. 

    Na última semana, um caso da Lacoste chamou atenção nas redes sociais. Em sua nova campanha, a marca francesa convidou um time de quatro embaixadores e nenhum deles era uma personalidade da periferia, apesar da marca ser uma das mais admiradas e usadas por esses jovens, o que gerou revolta nas redes sociais. Em seu twitter, o rapper Kyan, autor da música Tropa de Lacoste, se manifestou sobre a falta de representação da periferia nas campanhas das marcas de moda. 

    Após a repercussão negativa, a Lacoste voltou atrás e convidou uma das grandes expoentes do funk nacional, Mc Dricka, para compor o time de embaixadores da marca. Mas a questão da moda de luxo e da periferia é bem mais profunda do que um caso isolado. 

    Para Fernanda Souza, jornalista e fotógrafa focada nas manifestações culturais periféricas, a valorização dessas marcas dentro do funk representa uma subcultura e uma inversão de valores, ao serem atribuídas novos significados e identidades. A moda e principalmente o luxo, sempre foram utilizados como ferramentas de diferenciação social e de classes: a partir do momento em que a periferia bate no peito e diz estar vestindo as marcas de moda de luxo, que já foram símbolo de sua opressão, ela inverte esses valores. 

    Fernanda Souza | Cortesia

    Fernanda Souza | Cortesia

    É sobre isso que cantam Mc Kelvinho e Mc Hariel em “Avisa Lá”: 

    E avisa o dono da Lacoste

    Que nóis não quer patrocínio

    Só leva nas nota

    Nóis compra é porque gosta

    E avisa pro dono da Oakley

    Que nóis que deixou ele rico

    Outro caso de uma marca que é venerada nas periferias, principalmente em São Paulo, é a Oakley, marca do universo do esporte e do ski. “Pouca coisa de fato se fala e explica bem o rolê da Oakley no Brasil, sobretudo, na cena de São Paulo” diz Fernanda. Ela também afirma que os funkeiros são ignorados pela marca “Há negação por parte da marca, porque existe uma rejeição ao público, o mesmo capaz de fazer a subversão de valores com novos conceitos criados, mostrando o que há de mais orgânico e original, sem pedir licença.

    A influência cultural da periferia no Brasil não se resume à classes sociais. Os funkeiros, trappers e rappers influenciam a cultura jovem Brasil afora, incluindo jovens da classe média e brancos que com frequência se utilizam das mesmas tendências, gírias e ouvem as músicas que surgiram nas periferias: não é atoa que se olha para esses espaços para pesquisas culturais e estéticas. Mas por vezes, no entanto, essas manifestações estéticas só recebem atenção quando extrapolam a periferia pelas mãos de jovens brancos ou ricos. Isso não é exatamente uma surpresa: historicamente, diversos ritmos e estéticas foram embranquecidos para atingirem o sucesso no mainstream, como a house music, o samba (que virou bossa-nova nessa configuração), o soul e o blues, por exemplo. 

    “A periferia é a máquina que faz essas marcas transcenderem o status de marca de roupa, porque nós vamos além das roupas e colocamos vida na cultura, temos que buscar que essas marcas reconheçam quem realmente move e dá vida à cultura deles: a periferia.” Samir Bertoli

    Para Neguinho de Favela, as marcas que se tornam ícones são diferentes entre os estilos musicais, do trap, funk e rap, mas uma coisa é comum: o papel da periferia é o de ressignificar essas marcas e o dos ritmos é de disseminar a cultura e lifestyle dessas etiquetas. 

    Lá fora, essa situação é bastante parecida com o que os rappers internacionais passaram. Hoje, sendo alguns dos maiores nomes da música e da cultura, Travis Scott – que foi eleito pela Complex Magazine o homem mais influente dos Estados Unidos – tem  com contratos milionários com diversas marcas de moda de luxo. Porém até chegar aqui, os rappers norte-americanos também enfrentaram o preconceito e alguma resistência para emplacar os big numbers e contratos com marcas ligadas à elite. 

    Existe um receio das grandes marcas e da publicidade em se associar com os grandes nomes da periferia e de ritmos como o trap, o rap e o funk. Bem similar com o que acontece lá fora, uma parte dessas personalidades vem de backgrounds difíceis dentro da periferia e cantam sobre realidades pouco palatáveis para as elites brancas como drogas, sexo e violência (policial ou não) que são parte das realidades do Brasil e atravessam as letras de alguns desses artistas. Mas ainda são realidades que buscamos ignorar e fechar nossos olhos, por não serem tão agradáveis. 

    Editorial sobre Bonés de Crochê | Realização: Fernanda Souza Fotografia: Marcos Vinícius (@atemporalboy)

    Editorial sobre Bonés de Crochê | Realização: Fernanda Souza Fotografia: Marcos Vinícius (@atemporalboy)

    PRECONCEITO

    Para a maioria, o motivo é unânime: existe um preconceito racial e social em se associar com as personalidades da periferia e a ideia de que se associar com esses artistas e ritmos pode gerar uma desvalorização de uma marca de luxo. 

    Fernanda afirma “Há rejeição aos corpos negros e periféricos, pois elas não querem ter em sua imagem essas narrativas. Isso não só nos comerciais e afins, mas também em suas equipes como marketing, criativos, stylists, jornalistas e afins. Nós não estamos nesses espaços, eu enquanto mulher negra e periférica (associada ao funk) percebo isso o tempo todo. Geralmente, vão chamar pessoas que estão perto de nós ou até trampam conosco mas que são ‘aceitáveis’, porque não tem nossa realidade (mas tá perto) ou que podem ter uma passabilidade de estar em vários lugares e ter uma identidade para cada uma delas.”

    “Há rejeição aos corpos negros e periféricos, pois elas não querem ter em sua imagem essas narrativas.” Fernanda Souza

    Relação da moda de luxo com a periferia

    Para Samir Bertoli: “Tenho certeza absoluta (que existe um receio), as marcas de moda de luxo podem até se relacionar com as “personalidades” de periferia, mas dificilmente, pra não dizer nunca, vão querer estar próximas de verdade da massa. É aí que tá a minha crítica sobre tudo isso: só uma representação com personalidades pra mim é pouco, não carrega verdade em si, além do medo de perderem dinheiro e serem cancelados. Se não vejo projetos e ímpetos que busquem realmente desenvolver a cultura no todo, não só dizendo que chamou uma personalidade de periferia para participar de algo, então acho que é jogada estratégica de mercado e nada além.”

    Não é de hoje o poder de influência e de geração de cultura das periferias e, por outro lado, a resistência de grandes marcas de luxo em se associar com essas personalidades e artistas. Vale olhar os movimentos norte-americanos com os rappers como exemplo. Hoje esses artistas são alguns dos mais influentes do mundo e saíram na frente marcas como Louis Vuitton, Supreme e Nike, que souberam administrar e trabalhar em conjunto com o poder de influência desses grandes expoentes culturais.

    *Algumas das imagens que ilustram essa matéria fazem parte do editorial “O Fantástico Mundo da Oakley” 

    Ficha Técnica

    Direção criativa, casting e styling: @samirbertoli e @dxpeviso

    Fotografia: @adaszz

    Assistente de fotografia: @pradellapedro

    Backstage, pesquisa e texto @correrua_

    Apoio: @archiverunners @_jm_01_jm

    Project Manager: @poppin.br

    Modelos: @kyancria @ig.4m @mcph4m@1.obrabotemnome @d.barbosa011@david_duarte_ @yasmimcareca@peixotex_

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