Por Laura Stumm, do BRIFW
Não é novidade que a moda vem sendo criticada por não ser uma indústria sustentável, principalmente quando trata-se das grandes marcas que operam no mesmo sistema há muito tempo, fazendo amostras, produzindo, exportando e mantendo o valor de luxo através de desfiles exclusivos e megalomaníacos. A tecnologia já havia surgido como uma ferramenta de mudança e várias nomes, principalmente os emergentes, já estavam reinventando o setor. A pandemia acelerou este processo e, em 2020, vimos não só marcas, mas os desfiles e plataformas abraçando de vez a arena digital. A tecnologia não é a solução para a sustentabilidade, mas algumas mudanças foram bem significativas.
Nas semanas de desfiles, as quatro principais capitais exibiram shows híbridos. A Helsinki Fashion Week, da Finlândia, que já estava na vanguarda quando apresentou o projeto Eco-Village em 2018, criou o “cyberspace utopia” Digital Village, que permitiu que os espectadores assistirem a filmes de moda em 3D e transmissões ao vivo em todo o mundo. Em comparação com a semana de desfiles físicos de 2018, que teve 8.000 visitantes, a edição digital atingiu 719.000 visitantes, tornando-se um evento acessível a todos.
Durante a pandemia à medida que consumidores migraram para compras online, o acesso e preferências pela moda sustentável também cresceu. A busca no google, as sessões eco-friendly nos e-commerces (como por exemplo a Net-Sustain da Net-a-Porter), e as plataformas com curadoria facilitam a pesquisa. Aqui no Brasil a (2)Collab é um exemplo de marketplace que reúne marcas com práticas mais conscientes.
Outra nome na vanguarda é a plataforma Digi-gxl, fundada por Leanne Elliott Young e Catty Taylor, uma rede global que defende mulheres, intersex, trans e não binárias especializadas em design e animação 3D. Em maio de 2020, a Digi-gxl fez uma convocação para a comunidade, oferecendo suporte em design por meio de serviços gratuitos e, meses depois, entregou uma passarela totalmente digital em tempo para a London Fashion Week, com modelos em todas as raças e fluidos de gênero. A dupla fundadora também lançou o Instituto de Moda Digital, que busca apoiar jovens criativos trabalhando em design 3D, RA e RV, apresentando ideias inovadoras para fomentar a indústria a mudar o seu formato. O Instituto também fez parceria com o London College of Fashion, assumindo um estúdio onde jovens criativos podem explorar novas tecnologias e serem orientados por mentores.
O campo digital também permitiu uma conectividade entre artistas, agências e marcas como nunca antes. Um exemplo disso é o trabalho da artista brasileira Vitória Cribb, que através do coletivo de Berlim TrashyMuse apresentou uma modelo e um vestido digital na Galeria EP7, durante a Paris Fashion Week ainda em 2019. Para os criativos brasileiros, o digital se tornou uma oportunidade de os talentos se lançarem fora do país, já que em alguns locais como a Inglaterra e Alemanha já existem várias agências de moda digital. Já são vários os jovens que estão nessa carreira, e muitos deles talentos auto-didata que pela tecnologia desenvolveram uma profissão.
O sistema de moda tem estado estagnado por um bom tempo, entre as produções em massa do fast-fashion e as redes sociais. A tecnologia trouxe soluções em como agrupar pessoas e criar experiências em uma indústria mais inclusiva e sustentável. É claro que o digital não substitui o físico, mas pode revolucionar uma boa parte dele. Ainda existirão muitos desafios, já que a tecnologia, assim como a própria moda, não é acessível para muitas pessoas. Porém, empresas e marcas precisam estar à frente mostrando o que pode ser feito, provocando mudanças no mercado, consumidores e lideranças. Os desafios da pandemia mostraram para a indústria criativa que não se olha para o passado para se construir o futuro, e o ano de 2020 serviu para anunciar que no século XXI a moda entrará em uma nova era.
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