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    Como a marca Escudero desenvolveu um negócio em cima de bolsas atemporais e de alta qualidade
    Renato Pereira e Clara Tarran, sócios da Escudero / Foto: Lufre / Cortesia
    Como a marca Escudero desenvolveu um negócio em cima de bolsas atemporais e de alta qualidade
    POR Camila Yahn

    Com quatro anos de vida, a Escudero está conquistando espaço como uma das mais bacanas marcas brasileiras da nova geração. Fundada em 2015 pelo casal carioca Clara Tarran e Renato Pereira, ela é focada em bolsas de couro atemporais e de alta qualidade e só recentemente começaram a expandir para uma série de sapatos. Mas por trás das peças de acabamento impecável que vemos em suas duas lojas em São Paulo, há uma história de aprendizados e reviravoltas, além de um entendimento profundo sobre sua principal matéria prima e uma relação de transparência construída com os curtumes e com as fábricas. 

    Renato, 36, vem do mercado financeiro e Clara, 31, é formada em design gráfico com especialização em moda e passagem pela Maria Bonita Extra e Osklen. Juntos, eles vêm desenvolvendo uma marca consistente, que não abre mão da qualidade, que pensa uma estrutura sem desperdícios (aqui eles explicam todo seu processo de produção) e que também está aberta para o diálogo em torno do uso do couro hoje e das novas possibilidades que chegam com os novos materiais criados em laboratórios.

    Como foi que a Escudero aconteceu?

    Clara: Eu sou da área da moda e o Renato vem do mercado financeiro, mas apesar de não parecer, foi ele quem começou. Ele estava cansado de trabalhar em banco gostava dessa parte de construção do produto. Aí ele estava procurando por uma mala de couro que não encontrava em outras marcas e decidiu fazer a dele. Ia fazer apenas uma para uso próprio, mas acabou fazendo 40.

    Renato: Percebi que o ideal para mim era procurar um artesão e não uma fábrica. Descobri esse artesão na feira hippie de Ipanema e fiquei dois dias com ele em Duque de Caxias, em um ateliê que não tinha nem chão de cimento. Foi quando resolvi transformar isso num negócio, mas ainda era um hobbie que eu levava na paralela.

    Clara: Eu fui para Nova York fazer uma pós em especialização de moda na Parsons e quando voltei, me tornei sócia do Renato. Nosso primeiro modelo sai em 2011.

    E o Renato, que trabalhava em banco, como fez para virar expert em acessórios de couro?

    Renato: Eu fiz um curso em fashion business no FIT e também alguns cursos de modelagem de bolsas em Nova York. Lá tivemos acesso a ferramentas e cortadores manuais que os artesãos usam no couro que aqui no Brasil não existe. Aqui tem máquina e lá tem cortadores manuais.

    Bolsa Ertha / Reprodução

    Bolsa Ertha / Reprodução

    E como foi vocês entrarem em um assunto tão específico como o couro?

    Renato: A Escudero nasceu no cenário mais desprivilegiado de todos. Não temos pais varejistas, não tivemos investimento, a gente não tinha a experiência de alguém que pudesse ajudar, começamos do zero em todos os sentidos. O próprio mercado de couro é muito tradicional, passado de pai pra filho. A gente se jogou mesmo. E hoje, depois de muitos anos aprendendo e tentando, a gente atingiu um resultado que nos deixa muito feliz. A gente não nasceu acertando, pelo contrário, cometemos diversos erros.

    Como quais, por exemplo?

    Renato: Tínhamos uma falsa sensação de achar que, quanto mais produto você tiver, mais vai vender. Caímos nesse conto e em determinado momento chegamos a ter uma linha completa com vestuário, bijuterias, cintos… Outro erro que cometemos foi o de ter vários canais de venda. Entregávamos na casa das clientes, vendíamos no ateliê, no online, fazíamos showroom de atacado.

    Clara: Até que a gente parou tudo em 2014 e falamos: precisamos melhorar isso. E em 2015 a gente relançou a Escudero com as bolsas de couro atemporais, em duas cores, caramelo e preto.

    Renato: Foi o momento da reviravolta. Muitas vezes nos perguntávamos se valia a pena continuar insistindo naquilo. Éramos uma marca nos moldes comuns do mercado: tínhamos coleção, desenvolvíamos estampas, tecidos, tinha uma historinha por trás de cada coleção.

    Clara: Aquela receita de bolo que todo mundo acha que tem que seguir.

    Renato: Aquilo ai pra gente não era muito saudável, especialmente em termos de desperdício. E resolvemos acabar com a coleção, esse frenesi, essa coisa acelerada, que estava gerando uma coisa que nos incomodava. A gente ainda não ouvia falar muito de slow fashion na época. Eu olhava pra lata de Coca Cola e falava pra Clara: ‘olha só isso, o cara teve uma ideia e vende o mesmo produto no mundo inteiro há mais de 50 anos’. Nesse momento a gente focou em canal de venda e no produto, feito em uma determinada matéria prima e em duas cores, o que também diminui muito o desperdício.

    O que faz um couro chegar no nível que vocês precisam?

    Clara: A primeira coisa que vale falar é que quando se compra um couro de mercado no Brasil, é um couro B. Todo o couro bom de verdade vai pro exterior. Então, tivemos que criar um relacionamento direto com os curtumes e começamos a entender muito de couro, entender o processo do início ao fim para poder falar de igual pra igual. O nosso couro a gente não compra pronto, desenvolvemos com os curtumes, um cenário muito diferente do que vemos nas grandes marcas.

    Renato: Isso a gente não abre mão de desenvolver. Do início a fim do processo são cerca de 2.500 substâncias que passam pelo couro, em muitas etapas. O produtor italiano quando compra a pele aqui, pega ela com menos etapas pra poder ter maior controle sobre a peça.

    Bolsa Frida / Reprodução

    Bolsa Frida / Reprodução

    Então vocês sabem de onde vem o couro que usam na Escudero.

    Clara: Sim, sabemos exatamente de quem compramos e quais são as práticas desse curtume. Existem hoje vários selos que muitos curtumes no Brasil têm se preparado pra atingir os pré-requisitos. Os que trabalhamos já têm essas certificações ou estão no processo de tirar.

    Vocês têm uma oficina própria que produzem as bolsas?

    Renato: Nós trabalhamos com fábricas com quem construímos uma relação muito transparente e saudável. O que acontece é que 100% das nossas bolsas partem do desenho, o que foi uma dificuldade no início porque os modelistas estão acostumados e fazer as bolsas através de imagens, de recortes de revista. Não entendo essa nossa legislação que permite esse tipo de coisa (cópia) porque é muito na cara dura.

    Clara: Isso sempre foi um trabalho, de fazer com que ele tivesse a paciência de ler a ficha técnica. Eles pegam um recorte de revista, veem a foto e fazem a bolsa. Então todos os nossos modelistas sempre tiveram que estar disponíveis pra ter esse aprendizado e ler as fichas. Trabalhamos com duas fábricas grandes em São Paulo que dizem que nós somos os únicos que trabalhamos com desenhos. Hoje, temos uma proximidade grande com nossas fábricas, conhecemos todo mundo que está lá dentro.

    Renato: Não pegamos nenhuma fábrica pronta, ao contrário. Sempre éramos vistos como pessoas muito exigentes e para algumas fábricas isso é um problema – eles falavam que nós dávamos muito trabalho. Recebemos muitos nãos no começo. Mas já faz um tempo que trabalhamos com algumas muito boas e com uma relação transparente. Nunca apertamos muito em cima do preço porque sabemos que precisa ser interessante pra eles também, que vão querer entregar um produto bem feito. Quando olhamos para trás, vemos que foi algo conquistado e construído, o que é muito legal também.

    Paola Orleans e Bragança com a bolsa Helle, campeã de vendas / Reprodução

    Paola Orleans e Bragança com a bolsa Helle, campeã de vendas / Reprodução

    O que acham do material similar ao couro, mas que não tem origem animal?

    Renato: Hoje em dia é difícil dizer a quantidade de materiais que existem. O pior é o sintético – esse de ecológico não tem nada. Vem do petróleo, não é renovável e ainda tem uma durabilidade baixa. Temos o que vem da borracha, das seringueiras, mas que é super grosso e não dá pra trabalhar muito. Mas temos tido algumas evoluções. Hoje em dia temos duas inovações no mercado, um material feito em laboratório com bactérias, mas que tem um aspecto meio molhado e um cheiro que não é dos melhores. E tem também um outro tecido feito num curtume nacional que vem de uma fibra que é tratada e que as pessoas usam mais para fazer tênis, produtos mais rígidos. Mas é um produto anda muito iniciante. 

    Clara: O que temos de comprovado hoje em dia é um material proveniente do abacaxi e da maçã. São projetos muito legais, mas totalmente inviáveis no Brasil. Um metro dele aqui sai por R$ 800.

    Renato: Mas esse produto se aproximou realmente de um resultado bem legal. Por enquanto é importado e deve estar protegido pelos oito anos da patente. Por esse tempo, ele certamente será um produto muito caro.

    Clara: Muitas pessoas pedem pra gente fazer produtos veganos e a gente tem todo o interesse do mundo, mas precisamos de um produto que esteja de acordo com as nossas premissas de durabilidade, qualidade e acabamento. Já trocamos varias conversas com a fábrica dessa fibra de abacaxi, mas ainda é inviável.

    Renato: Esse é um assunto profundo. Pensamos também que um bom produto de couro evita o desperdício e o consumo em excesso. A durabilidade evita o descarte. A sustentabilidade também está aí.

    Por ser uma marca atemporal, como vocês trabalham a sazonalidade e a entrada de novidades?

    Clara: Temos as coleções cápsulas que lançamos de acordo com o ano e os produtos fixos. Respeitamos os ciclos do produtos de acordo com a demanda dos clientes. Se a demanda está diminuindo, a gente diminui a produção deles. Não temos sobras, nem estoque com bolsas antigas.

    Quantos modelos você produzem de cada desenho?

    Renato: Esse número é bem interno e não abrimos, mas temos uma capacidade grande de produção. Temos uma produção inicial que tentamos acertar o suficiente para vender em até quatro a seis meses. Se a gente vender em menos de quatro meses, ok, eu estou preparado pra segurar dois meses e tenho tempo de sentir se preciso emitir uma nova ordem de produção. Agora, se foi abaixo da nossa expectativa, decidimos se vamos produzir de novo ou não. Quando um produto morre, ele morre naturalmente. Nunca tivemos esse desastre de uma bolsa viver menos do que um ano e meio na loja. E quem decide isso é o cliente.

    Loja da Escudero na alameda Lorena, em São Paulo / Cortesia

    Loja da Escudero na alameda Lorena, em São Paulo / Foto: Fran Parente / Cortesia

    Qual é a bolsa que mais vende?

    Clara: A Helle, aquele modelo retangular. Inclusive ela foi muito copiada. É uma loucura a quantidade de cópias. As fabricas com as quais trabalhamos já nos contaram que outras marcas chegaram lá com fotos da nossa bolsa.

    Vocês têm uma loja em Pinheiros e outra no Jardins, em São Paulo, um bairro que sempre foi muito aquecido comercialmente. Como estão sentindo o varejo?

    Clara: Nós somos uma empresa que nasceu na crise. Ainda estamos esperando pra ver como é esse varejo aquecido (rsrs).

    Renato: Sempre pensamos: nossa, que maravilhoso que devia ser as décadas de 80 e 90. Hoje em dia não é nada fácil. Mas nosso crescimento é anual e hoje em dia as nossas bolsas têm um outro patamar.

    Vocês também têm produtos pro público masculino. Os homens estão comprando mais?

    Renato: Olha, tem várias coisas que são pensadas para o homem, como a bolsa Noah, mas infelizmente ele movimenta pouco. A gente faz pro homem, mas quem compra é a mulher. A pasta executiva que foi desenhada pra estimular o público masculino, é comprada muito mais pelas mulheres. Ao mesmo tempo, também vemos homens cada vez mais comprando bolsas, então não gostamos de classificar muito. Fazemos o produto que achamos bonito. E é pra quem quiser usar. 

    Bolsa Noah

    Bolsa Noah / Foto: Lufre

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