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    Da fundação em 1889 à crise em 2017, a trajetória e os personagens da história da Lanvin
    O Verão 16 da Lanvin, último de Elbaz como diretor criativo da maison
    Da fundação em 1889 à crise em 2017, a trajetória e os personagens da história da Lanvin
    POR Redação

    Por Luísa Graça

    Pouco tempo atrás, em 2014, a moda comemorava o 125o aniversário da grife de roupas mais antiga do mundo em atividade, celebrando a genialidade e pioneirismo de sua fundadora, Jeanne Lanvin, e a era de ouro da Lanvin sob os cuidados de Alber Elbaz. Apenas três anos depois, toda essa luz ficou pra trás e a marca enfrenta um período obscuro de queda de vendas, disputas de poder, desencontros criativos e desavenças, à sombra ainda de uma tal “michaelkorsização” da marca – notícia que a gente ainda nem sabe como digerir (#winteriscoming). Como chegamos até aqui?

    Mme. Jeanne

    Em 1889, a jovem chapeleira Jeanne Lanvin abriu seu ateliê e primeira loja, a Lanvin Modes, na Rua Boissy D’Anglas, 16, em Paris, e em 1893, adquiriu as dependências da Rue du Faubourg Saint-Honoré, 22. Ela começou vendendo chapéus até que o nascimento de sua filha, Marguerite, a inspirou a desenhar roupas infantis. Em 1909 ela, então, lançou uma linha infantil e outra feminina e passou a integrar o Syndicat de la Couture, estabelecendo-se formalmente como estilista. Mulher discreta e curiosa, Jeanne não apenas criou a identidade chique e atemporal da maison, com peças sofisticadas feitas à mão, como a dirigiu com visão e dedicação, tornando a marca um sucesso imediato e criando um legado que permanece até hoje.

    Jeanne Lanvin ©Reprodução

    Jeanne Lanvin ©Reprodução

    Sua capacidade de trabalhar duro aliada a uma compreensão intuitiva do mundo moderno levou a Lanvin ainda mais adiante na década de 1920. Embora não tivesse a popularidade de sua contemporânea Coco Chanel (que também começou na moda fazendo chapéus), Jeanne desenhou vestidos para princesas inglesas e atrizes como Marlene Dietrich e Mary Pickford e foi uma das primeiras designers a criar quatro coleções anuais e a integrar linhas de noivas, beleza, moda masculina, acessórios, home e sportswear à marca. Sempre certificando-se de que tudo fosse realizado internamente para atingir um alto padrão de excelência e exclusividade. Chegou a comandar uma equipe de 1.200 funcionários, fazer coleções de 300 peças e a Lanvin abriu lojas em Deauville, Biarritz, Barcelona, Buenos Aires, Cannes e Le Touquet.

    Sua filha continuou sendo sua maior inspiração. Além das estampas florais presentes nas coleções e do logotipo da marca em que mãe e filha aparecem na ilustração assinada por Paul Iribe, a designer desenvolveu a primeira fragrância Lanvin especialmente para o aniversário de 30 anos de Marguerite, em 1927: o perfume Arpège inaugurou a linha Lanvin Parfums. Jeanne também mantinha um diário de viagens, fazia coleção de tecidos étnicos e tinha uma enorme biblioteca de livros de arte para inspirar seus tecidos, estampas e cores – o azul que colore as sacolas e caixas da maison foi inspirado nos afrescos de Fra Angelico. Com sua habilidade como couturière, fazendo cortes em múltiplas camadas e costuras paralelas, ela tornou-se conhecida por uma abordagem inovadora à época. Criava peças com o intuito de dar liberdade à mulher, destacando sua feminilidade e jovialidade e sempre misturando referencias diversas. A cintura baixa e saias amplas do século 18, por exemplo, contrastando com linhas tubulares Art Deco, estampas geométricas e uma profusão de laços, cristais e bordados.

    Croquis de Jeanne Lanvin ©Reprodução

    Croquis de Jeanne Lanvin ©Reprodução

    A identidade e confecção de alto padrão criada por Jeanne Lanvin foi o que manteve a marca respirando mesmo depois de seu falecimento, em 1946, ainda que fizesse menos barulho na indústria. Marguerite assumiu o comando da maison até 1958, quando também veio a falecer. Antonio Conovas de Castillo foi contratado como diretor criativo da Lanvin, posto que ocupou até 1964, quando Jean-François assumiu. Em 1993, a marca encerrou sua linha de Alta Costura para aplicar-se às coleções prêt-a-porter, sob a direção de Dominique Morlotti. Três anos depois, a L’Óreal adquiriu a grife e o brasileiro Ocimar Versolato encarregou-se da criação das coleções femininas pelos dois anos seguintes até ser substituído por Christina Oriz. Em 2001, a sociedade fundada por Jeanne Lanvin foi vendida pela L’Óreal e, para bem ou mal, esse fato foi um game changer.

    Um novo amanhecer

    1999. Com menos de 10 anos de carreira na moda, Alber Elbaz havia sido escolhido a dedo por Yves Saint Laurent e Pierre Bergé para assumir o comando da linha prêt-a-porter feminina da YSL, – “meu sonho”, ele declarou. Entretanto, logo depois disso o Grupo Gucci, capitaneado por Tom Ford e Domenico Sole, comprou a YSL. Dois meses e duas coleções após Elbaz assumir o cargo, ele foi dispensado e substituído por Tom Ford. Ficou devastado. Mas eis que surgiu a magnata taiwanesa Shaw-Lan Wang. A exemplo de outras marcas francesas que tiveram sua renascença no final dos anos 1990/início dos 2000 por conta de um empurrãozinho de executivos-endinheirados-barra-sócios-majoritários, foi ela quem comprou a Lanvin em 2001 e logo incumbiu Elbaz de “acordar a bela adormecida” e tornar a marca relevante novamente no mercado de luxo, segundo um artigo publicado na revista The New Yorker. Para a primeira coleção do estilista marroquino-israelense como diretor artístico da maison, em 2002, ele mal conseguia agendar modelos para vestir as roupas, mas já na segunda, a Lanvin começou a reconquistar espaço no mundo da moda. Para impulsionar mais a marca, contrataram Paul Deneve, até então presidente da Nina Ricci, para ser CEO e dar direção aos negócios, em 2006.

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    Inverno 2011/12 ©Reprodução

    Passou a ser cada vez mais requisitada em lojas de departamentos e a vestir celebridades como Natalie Portman, Julianne Moore e Meryl Streep, que usou um longo dourado da grife quando venceu o Oscar de Melhor Atriz, em 2015. Outro sinal de sucesso? Em 2010, a maison fez uma colaboração com a H&M, atestando o desejo pela marca. Cópias das criações de Elbaz foram ainda massificadas pela moda mainstream.  “Foi impressionante quão rápido a marca cresceu. Fizemos o nosso primeiro trunk show de 1 milhão de dólares com a Lanvin. A grife logo tornou-se âncora do nosso segundo piso, junto com a Azzedine Alaïa”, contou a ex-diretora de moda da Barney’s, Julie Gilhart, ao New York Times.

    Críticos elogiavam Elbaz por criar um senso de beleza imperfeita: “uma apreciação da humanidade encontrada numa borda desgastada de tecido”, aponta uma crítica da Vogue, em 2005. Ele começou o trabalho do zero, mas entendia a importância de criar “valor” acima de criar tendências ou causar frisson. Olhou respeitosamente para a herança da marca para poder introduzi-la ao século 21, daí os zíperes aparentes, os laços, a cintura império, os bordados intrincados. “As mulheres que amo, conheço ou gostaria de conhecer, são elas que guiam meu caminho entre uma coleção e outra. Antes de [criar] qualquer coleção, recorro à Jeanne Lanvin. Vejo a mesma mulher, mas ela me diz algo diferente a cada vez”, disse em 2014, ano em que a Lanvin comemorou 125 anos.

    A marca seguiu em ascendência e tudo era ótimo. Ou ao menos parecia ótimo até que em outubro de 2015 a notícia da demissão de Alber Elbaz tomou o mundo da moda de assalto e deu forma a uma crise estrutural na Lanvin.

    O Verão 16 da Lanvin, último de Elbaz como diretor criativo da maison

    O Verão 16 da Lanvin, último de Elbaz como diretor criativo da maison

    Tempos difíceis e medidas desesperadas

    Nem mesmo os mais atentos conseguiram prever o afastamento do estilista, mas os sinais estavam lá. Em 2007, Shaw-Lan Wang deliberadamente vendeu a linha de perfumes da Lanvin para o conglomerado Interparfums. Isso sem dialogar com Deneve que, em 2009, pediu as contas por ter “opiniões divergentes”. No lugar entrou Thierry Andretta, ex-CEO da Moschino, que conseguiu alavancar ainda mais as vendas da grife francesa, dobrando o lucro em apenas quatros. Mas, veja só, ele também pediu as contas em 2013 e foi aí que a coisa começou a desandar. “Era o início de um padrão que se repetia: discordâncias não seriam toleradas”, reportou a jornalista Vanessa Friedman. “Os que discordavam iam embora. Ou eram mandados embora”.

    E quem sempre estava no centro de tais discordâncias? Wang. O que se ouve por aí é que ela reluta em investir na empresa, mas também não permite que ninguém o faça, nem mesmo seu sócio, o suíço Ralph Bartel, que detém 25% da Lanvin. Assim mantém o seu valor em ações intacto, em nada diluído. Outra figura nesse quebra-cabeça: Michèle Huiban, antes chefe de finanças, foi promovida por Wang para assumir o posto de Andretta como CEO, num período em que a marca teve queda significativa nas vendas – nesse meio tempo a loja brasileira, no Iguatemi JK, foi inaugurada em 2012 e fechou as portas três anos depois. Huiban, por sua vez, é descrita como uma extensão da taiwanesa, ou seja, não admite discordância e endossa ideias sem sentido em vez de questiona-las. Foi por desavenças com essas duas mulheres que o perfeccionista e workaholic Elbaz foi então demitido, causando furor entre os funcionários. O estilista também detinha ações na Lanvin e chegou a tentar vendê-las às escondidas para ajudar a salvar o negócio. Em março de 2016, Bouchra Jarrar assumiu o posto de Elbaz e, depois de apresentar apenas duas coleções, também foi demitida na semana passada.Um novo anúncio veio à galope: em atividade desde ontem, Olivier Lapidus é o novo diretor criativo da Lanvin e vai debutar sua primeira coleção à frente da maison em setembro de 2017, na semana de moda de Paris.

    Alber Elbaz e Shaw-Lan Wang ©Reprodução

    Alber Elbaz e Shaw-Lan Wang ©Reprodução

    “A Madame Wang é uma mulher muito orgulhosa. Ela enxergaria a venda da Lanvin como uma admissão de fracasso”, comentou Andretta, na ocasião da demissão de Elbaz. Vender a marca não está nos planos de Shaw-Lan Wang, mas sim torná-la uma Michael Kors francesa. Wait, what? É essa a solução descabida que ela encontrou para voltar a lucrar com a grife francesa, segundo fontes do Business of Fashion. Se esse for mesmo o caso, a estratégia envolve trabalhar com custos de produção menores e tornar a Lanvin uma marca de lifestyle e implica ainda em uma mudança de endereço. Da Rua Boissy D’Anglas, onde Jeanne Lanvin construiu sua marca há mais de um século, o QG da Lanvin deve ser transferido para Levallois, nos arredores de Paris.

    Do alto de seus 128 anos, o que será da Lanvin? Fashionistas usuários do Twitter e até mesmo as tais fontes que informaram a notícia indagam se é o fim de uma era. A gente sabe, mudanças são difíceis, mas muitas vezes necessárias. Mas existe uma GRANDE diferença entre desafiar uma tradição para inovar e impulsionar uma marca versus relegar todo um legado.

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