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    Direto da FFWMAG 42: leia entrevista exclusiva com Riccardo Tisci, diretor criativo da Givenchy
    Riccardo Tisci ©Maciek Kobielski / Cortesia Givenchy
    Direto da FFWMAG 42: leia entrevista exclusiva com Riccardo Tisci, diretor criativo da Givenchy
    POR Camila Yahn

    Meu encontro com Riccardo Tisci aconteceria naquela tarde no hotel Tivoli, em São Paulo. Era noite de amFAR e ele estava ocupado com as provas de roupas de celebridades que vestiriam Givenchy na festa. Rodeado pelos fotógrafos Mert & Marcus, pela modelo Lea T e por um séquito de outros professionais que o seguiam de um lado para o outro, Tisci acabou atrasando mais de duas horas. Mas a primeira coisa que fez quando eu entrei no quarto foi se desculpar, com seu inglês de forte sotaque italiano, olho no olho, e uma preocupação que parecia, de fato, sincera.

    Entre um cigarro e outro e uma pausa rápida pra provar paçoca, Riccardo fala sobre vários aspectos de seu universo: família, infância, religião, Givenchy, Lea T, Brasil, Kim & Kanye, Instagram e paixão pela moda.

    Abaixo, leia alguns trechos da conversa com Riccardo, que você pode ler na íntegra e com exclusividade na FFWMAG 42.

    Então vamos começar falando da sua relação com o Brasil. Você está sempre por aqui…

    Minha relação com o Brasil é longa. A primeira vez que vim pra cá foi há 17 anos, num momento anterior ao do Mario Testino, antes de todo mundo começar a gostar do Brasil. Vim por causa da minha amiga Lea T. A gente era muito jovem…

    Como você conheceu a Lea?

    Leo. No começo era o Leo. Nos conhecemos porque terminei minha graduação na Central Saint Martins, em Londres, e algumas revistas já estavam falando de mim. Voltei pra Itália pra ver minha mãe e minha família, aluguei um apartamento e comecei a dividir com essa menina que era dançarina em um clube e amiga do Leo. Nessa época eu já vestia artistas como Marilyn Manson e as pessoas comentavam sobre a minha coleção. Um dia Leo disse pra essa menina que adorava o meu trabalho, mas era difícil de comprar e de achar. Ele veio em casa e assim que entrou, ficamos melhores amigos no ato. E o resto tenho certeza que você sabe. Quando comecei na Givenchy, ele foi comigo pra Paris e eu estive junto por todo o processo de sua transformação. Leo sentia falta de alguém que o amasse e falasse: não tenha medo, você pode sim ser uma mulher.

    Como você percebe o brasileiro?

    Eu me apaixonei por esse país porque, não importa se vocês estão em um momento bom ou ruim social ou economicamente, vocês têm uma positividade, o que é muito raro. Sou italiano, vivi na Índia, França, Inglaterra, passo muito tempo nos Estados Unidos e vejo que o brasileiro é um povo incrível. Há sempre uma doçura entre as pessoas, por exemplo, elas se chamam de amor o tempo todo. Tipo, na primeira vez que conhece alguém, já fala “oi, amor” (risos). É muito positivo isso, pois tem países em que as pessoas não dizem nem oi uma pra outra.

    Quando vemos suas raízes em seu trabalho, a forma como a religião aparece, por exemplo, o quanto isso ainda é importante para você em termos de criação?

    Pra mim foi bem difícil no começo, quando era muito jovem.

    Quantos anos você tinha quando entrou na Givenchy?

    Com 29. Mas mesmo antes disso, eu era muito novo e sabia o que gostava e o que queria, mas não podia me expressar porque a educação que recebi da minha família, como um católico… Por mais que ame a minha família, a educação que tive foi muito fechada. Minha família é beeeem específica. São nove mulheres.

    Você é o único menino?

    Sim. Meu pai morreu quando eu tinha uns 3, 4 anos. Amo minhas irmãs, são todas mulheres muito fortes. Minha mãe era firme e também suave, como apenas as mulheres conseguem ser. Então basicamente, minha educação foi muito castratto, como falamos em italiano. Sempre fiquei muito preso. Saí da Itália aos 17, fui embora porque não aguentava mais o fato de que éramos pobres.

    Como sua mãe criou todos vocês?

    Ela nunca trabalhou. Eu comecei a trabalhar aos 9 anos. Quando nosso pai morreu, minha irmã teve que sair da escola pra trabalhar. Minha mãe sempre tratou a gente como adultos. Com 7 anos ela falava comigo como se eu tivesse 20.

    Ela sempre trazia o problema pra mesa, não escondia. Nunca foi pra escola, não sabia ler ou escrever, mas era tão inteligente. Ela falava uma vez apenas e já era o suficiente, nunca precisou repetir.

    E com 9 anos, meus professores já viam o talento que eu tinha, mas minha mãe falava: “se quiser estudar, tem que trabalhar também”. Então sempre estudei e trabalhei toda minha vida.

    Que tipo de trabalhos você fez?

    Meu primeiro emprego foi como assistente de gesseiro. Trabalhei como jardineiro, faxineiro, fui Papai Noel na rua, trabalhei numa fábrica de atum, fui pintor, recepcionista de loja. Tive tantos empregos…

    Você é religioso?

    Muito. Ser religioso não significa ser católico ou budista. Pra algumas pessoas, religião é amor. Eu acredito em outra energia, acredito na educação que recebi e quero respeitar isso porque nos piores momentos da minha vida, o que realmente me deu apoio psicológico foi Deus. Não porque Deus existe ou não, isso não importa. Tenho minha própria religião.

    Quando eu tinha 4 anos, não tinha roupas como as outras crianças. Não tinha dinheiro pra comprar sorvete, eu era o menino pobre da escola. Mas uma coisa que tínhamos em comum era Deus. Pra mim, religião é a forma de todo mundo estar no mesmo nível.

    Então vamos para o começo da sua carreira, quando entrou na Givenchy. Você trouxe uma estética diferente então, misturando streetwear e couture…

    Era novo naquela época (risos).

    Sim, como foi quando você levou essa ideia pros executivos da Givenchy?

    Não houve muita reação porque não havia nada lá. Quando cheguei, a casa tinha um nome lindo, um acervo lindo, uma herança fantástica. Muitas coisas boas foram feitas lá, mas não funcionaram. Era um lindo castelo abandonado por muito tempo. Então eu poderia fazer qualquer coisa do zero. Mas foi muito difícil no começo.

    Você sentiu medo?

    Muito medo. Era muito julgado pelas pessoas porque cheguei em um momento em que tudo era glamouroso, tinha Tom Ford, Swarovski, brilho, gloss e eu cheguei com aquele estilo todo gótico, lânguido, preto e branco, street. As pessoas achavam que eu era louco. Essas mesmas pessoas são as que já me deram prêmios e o glamour foi transformado em outra coisa. A moda ficou mais esportiva porque a mulher ganhou mais força e quer ser dinâmica e forte, então o esporte é algo muito importante, mas naqueles dias, as pessoas me olhavam como se eu estivesse fazendo algo errado.

    Quando tempo você levou até se impor no mercado?

    Acho que ainda hoje, todos os dias são como testes. O que eu notei era que tinha minha turma, meus seguidores, pessoas que gostavam do que eu fazia. No começo eram 10, depois mil, 2 mil… Pra mim foi importante ver essa turma crescer. Eu não queria ter um sucesso fake. Na moda você pode ter um sucesso de mentira: é só fazer algo que já foi feito de uma forma mais esperta e você consegue tudo muito mais rápido. Com a Givenchy foi meio como ver uma criança crescer. E estamos fazendo do jeito certo porque a marca está indo muito bem, estamos crescendo e tudo o que fazemos está dando certo (bate na madeira).

    Você influencia muita gente através do Instagram. Você também é influenciado pelas redes?

    Demais. Me deixa com os pés na realidade. Quando eu posto uma foto e leio um comentário de um garoto da Sérvia…

    Você lê os comentários?

    Sim, às vezes consigo ler e é incrível o que eles escrevem. Seria ótimo se, quando eu era jovem, pobre e um sonhador, eu pudesse ter Instagram pra seguir os designers que eu gostava, como Gianni Versace e Helmut Lang.

    Eles são os estilistas que o inspiraram?

    Sim! As pessoas que me fizeram sonhar ter essa profissão são: Helmut Lang, Gianni Versace, Azzedine Alaia, Yohji Yamamoto e Comme des Garçons. Mas o designer que eu guardava dinheiro pra comprar meu jeans pra sair à noite era o Helmut Lang.

    Você ainda acompanha a Comme des Garçons?

    Acho Rei é um gênio, todos eles que falei aliás. Então ainda me interesso sim. Ela passou por uma evolução diferente, se tornou arte. É uma outra forma de se expressar.

    Acha que hoje há espaço para surgirem pessoas como Rei Kawakubo?

    Acho que sim. E talvez cada vez mais. Hoje temos que fazer menos coleções e sermos mais rápidos na produção. A moda hoje me parece muito velha. Foi trabalhando em uma empresa como a Nike que entendi o quão rápido a sociedade está indo, então a moda tem que ir rápido também, ser mais produtiva. Hoje vemos algo e queremos no mesmo instante. Tudo mudou muito e a indústria precisa acompanhar.

    Tem algum talento seu que a gente não conhece? Você toca um instrumento, é um bom cozinheiro…

    Meu talento é ser um sobrevivente. É meu maior talento. Tudo o que passei quando era criança… Eu via através da escuridão e com o tempo, crescendo, passei a entender que eu posso cozinhar bem mesmo sem nunca ninguém ter me ensinado. E eu cozinho bem especialmente com o que sobrou na geladeira. Eu sobrevivi e ser um sonhador foi um presente à parte que eu soube cuidar e desenvolver.

    *A FFWMAG é uma publicação semestral e a edição de número 42 com 4 capas especiais já está à venda nas principais bancas do Brasil, na rede da Livraria Cultura e loja online (www.livrariacultura.com.br)

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