“I express myself better in english. Em português eu fico um pouco careta, um pouco velho. E falo cinco línguas numa mesma sentença, é o jeito como converso” foi uma das primeiras frases que Carlos Souza, Cacá, como é conhecido, diz na entrevista por Skype – ele em Nova York, recém-chegado de Portugal, prestes a visitar a República Dominicana, eu em São Paulo (de onde provavelmente não sairia nos próximos dois meses).
Cacá está fora do Brasil desde os 18 anos, quando pegou um avião para desfilar para Valentino a convite do próprio e nunca mais voltou (pelo menos nunca mais ficou por muito tempo), e a preocupação em avisar que troca os idiomas é compreensível. Tirando um italiano scusa, porém, a conversa sobre o trabalho como atual embaixador mundial da Valentino, a amizade de 40 anos com o estilista italiano, os tempos de festas, trabalho, desfiles, estrelas de Hollywood ao lado do designer que virou parte da família (ele é padrinho dos dois filhos de Cacá, Anthony, 31, e Sean, 28), transcorre no português com momentos de tecla SAP para o inglês.
Dos tempos do Studio 54, quando fotografava e dançava com Andy Warhol, às festas de Hollywood com Liza Minnelli ou Anne Hathaway, de quem é amigo, o relações-públicas, aos 61 anos, continua com a mesma inquietude do início de carreira.
Leia abaixo momentos da entrevista, que você pode ler na íntegra na edição 41 da FFWMAG, nas bancas.
Em 2007, durante uma entrevista coletiva no backstage do desfile de Valentino em Paris, fiquei impressionada com a maneira como você lidava com a quantidade de demandas, de muita gente ao mesmo tempo, entre jornalistas, personalidades da moda e convidados que queriam falar com o Valentino. Você parecia sempre simpático, manobrando as situações difíceis. Essa é uma postura que você aprendeu, ou sempre foi assim, mesmo antes de ser PR?
Isso é a educação. Acho que a simplicidade é o ultimate elegance in everything. Tanto no gosto como na educação. O básico bem estudado. Essa minha maneira de receber bem as pessoas, aprendi na minha casa, uma família burguesa brasileira, do bairro do Sumaré, em São Paulo. Foi o início de tudo. Meu pai trabalhava num cartório e minha mãe era dona de casa. Uma dona de casa que cozinhava maravilhosamente, meus amigos adoravam a dona Conceição. Tocava piano de uma maneira incrível, bordava, pintava, fazia tudo. A inspiração, a curiosidade pelo mundo e o sorriso sempre, tudo isso herdei da minha mãe.
Você saiu do Brasil muito cedo, aos 18 anos…
Tinha 18 anos, saí para fazer um desfile do Valentino e nunca mais voltei. Morei em Roma, trabalhei em Paris como modelo, depois em Nova York com o Andy Warhol. Estava fotografando numa festa, o Andy veio e disse assim: “You, with those looks, everything that you ask, for sure, people will do. You have very good pictures. Do you mind give me a bobina do filme amanhã?”. E foi assim que comecei a trabalhar para o Andy Warhol, cobrindo as festas para o Bob Colacello [escritor, editor da revista Interview, de Warhol], ele tinha uma última página na Interview, a “Out”, que foi uma das primeira colunas que mostravam as pessoas nas festas.
E como você conheceu Warhol, foi o Valentino que te apresentou?
Era uma festa que o Valentino estava dando no El Morocco, uma boate que todo mundo frequentava em Nova York: Bianca Jagger, Andy, Jerry Hall. Estou fotografando para mim mesmo, e teve essa coisa com o Andy. Tenho essas fotos ainda, muito engraçado. Mas também trabalhei com ele e com a Interview no mundo da moda. Como modelo eu era muito bonitinho, muito adolescente. Então, logo em seguida já passei para o outro lado da câmera. Trabalhei muito para o Andy nas coberturas de todos os desfiles de moda: Nova York, Paris e Milão. Fazia as fotos ali na passarela mesmo, sentado na minha caixinha. Hoje, é muito mais cômodo. Essa foi a maneira como eu fiz muitos amigos no mundo da moda. Editores importantes, que naquela época eram jovens, estilistas. Eles falavam: “Vem aqui na minha frente, senta pertinho de mim”. Acho que já vi passar cinco grandes ciclos de modelos. E isso é bem engraçado ver. Cheguei no tempo em que havia Pat Cleveland [nos anos 1960, uma das primeiras e mais famosas modelos negras], um grupo de americanas. Depois houve Dalma Callado, Gisele Bündchen, Natalia Vodianova. Já passei pelos momentos brasileiro, russo, eslavo, quando só tinha loira. Anyway…
E também pelas supermodelos, né?
Sim! Linda Evangelista, Cindy Crawford, Tatjana Patitz, Naomi Campbell, todas elas. Christy Turlington até hoje é uma das minhas preferidas.
Nessa época você trabalhava para vários lugares ao mesmo tempo?
Era uma confusão, vivia nos dois mundos, na Europa e na América. Era modelo do Valentino, fazia parte da família, mas ainda não trabalhava oficialmente para ele. Também trabalhava para a Harper’s Bazaar da Itália, como editor de uma publicação especial masculina trimestral que se chamava Bazaar Uomo. Ia para Milão, assistia a todos os desfiles, fazia quatro vezes por ano umas malas de roupas e acessórios. Vinha com todos os baús cheios para Nova York, fotografava tudo. Aí voltava pra Milão, selecionava, finalizava. Foi uma escola incrível, mesmo porque, nessa época, fim dos anos 1970, quase 1980, trabalhei com incríveis fotógrafos. Vinha aqui para Nova York e fotografava com Herb Ritts, Barry Lategan, Albert Watson. No meio de tudo isso, fazendo as escolhas dos modelos, vinha uma porção de garotos com testes em black and white, de Downtown, e eu dizia: “Mas, scusa, essas fotos quem foi que fez?”. “Ah, é um cara lá embaixo, chamado Steven Meisel.” Então vamos chamar o Steven Meisel! E assim acabei sendo a pessoa que promoveu o primeiro shooting dele. Lembro até hoje, propusemos uma história toda branca e ele disse: “Olha, estou interessado, mas só se eu criar o hair e o make também”. Ele fez todo um cabelo pan (?) e um make incrível. Meisel já era um artista muito talentoso, desenhava para o WWD e já tinha seu estilo, and for me, he is one of the best fashion photographers, he really interpretates the clothes, ele é muito estiloso.
Quando entrou o Valentino, profissionalmente, de fato?
Quando terminei de fazer esse trabalho [Interview e Bazaar Uomo], morei dois anos no Brasil, porque me casei com Charlene [Shorto], tivemos o nosso primeiro filho, Sean, depois fui chamado para trabalhar novamente na Bazaar. Eu me mudei, mas aí o cenário era outro, o budget era muito menor e eu tinha que fazer tudo na Itália. Depois de um, dois anos, Giancarlo Giammetti [presidente honorário do grupo Valentino, companheiro de décadas do estilista] disse que estava abrindo uma segunda linha do Valentino, a Oliver. E ele me chamou para ser o image coordinator da grife. Lá fui eu morar em Roma – nessa época já tinha meu segundo filho, Anthony. Foi muito importante ter essa experiência do ponto de vista comercial da moda. Eu me envolvia em tudo, desde a apresentação do show até as compras da loja, o décor. Depois do Oliver fui passando cada vez mais para o lado do public relation.
Como foi sua saída temporária da empresa, quando o Valentino se aposentou?
Quando o Valentino se retirou, eu também saí da companhia por um ano. Então a Maria Grazia Chiuri e o Pierpaolo Piccioli – que estão fazendo um sucesso incrível porque passaram 14 anos trabalhando com o Valentino do lado – assumiram e falaram: “Carlos, volta aqui que nós queremos você como PR”.
Qual sua relação com os diretores criativos da Valentino?
Eles são fantásticos. Atualmente, a Valentino é uma das casas que estão bombando. Maria Grazia e Pierpaolo têm um feeling incrível. Não só mantiveram a classe. Porque essa foi a diferença, eles seguiram muito o DNA da casa Valentino, o embellishment, dando essa interpretação sensível, discreta. Eles não perderam as clientes que já amavam Valentino, mas conquistaram novas e jovens clientes. Antes, Valentino era uma moda com mais idade, para uma mulher de 25 a 35, uma moda mais adulta. O sucesso de Pierpaolo e Maria Grazia é imenso, e é incrível o timing perfeito que eles têm. Tudo funciona como um relógio.
E como PR, como você sentiu essa mudança? Como ela impactou o seu trabalho?
Como PR eles designaram outra pessoa mais perto deles, que cuida das entrevistas para a imprensa, entre outras demandas, e eu fiquei tomando conta de stars, de vips, do Oscar, do Golden Globe, de todo aquele mundo que é vestir as estrelas, o que eu sempre fiz. Tenho uns bons dois Oscar debaixo do braço, um com Julia Roberts [em 2001, a atriz usou um longo preto Valentino e ganhou a estatueta por Erin Brockovich], outro com Cate Blanchett [em 2004, ganhou Oscar de atriz coadjuvante, com um longo amarelo do designer, pelo filme O Aviador]. Hoje, meu cargo é o de embaixador mundial da marca.
Como é essa relação com as estrelas de cinema e as celebridades?
Tudo mudou muito de lá para cá. O Valentino sempre foi muito social e conhecia suas clientes. Frequentava muito essas pessoas e o mundo de Hollywood. Hoje, o jogo da moda na awards season é feito mais pelos stylists, eles que pedem os vestidos. Mas estou sempre lá presente porque conheço muitas delas pessoalmente, frequento todas as festas, todos os lugares onde elas estão, então tem essa relação. Mas, para o fitting dos vestidos, temos quatro pessoas, na Europa, na Ásia, em Nova York e em Los Angeles. Porque o número de solicitações cresceu muito, entre televisão, moda, cinema. No mundo da moda o número é enorme, tudo é muito maior. Impossível trabalhar em todos os setores.
Você é amigo da Anne Hathaway. Você a considera parte da sua turma atual?
Com a Anne nossa amizade começou da seguinte maneira: fomos convidados para fazer uma participação em O Diabo Veste Prada (2006), que ninguém queria fazer porque morria de medo da Anna Wintour, mas o Giancarlo e o Valentino disseram: a gente pode fazer, não tem problema. Depois, quando o festival abriu em Veneza, fizemos o coquetel para a Anne e a Meryl Streep. Começamos a nos frequentar, aí continuei vestindo muito a Anne para as premières e outras coisas, até quando ela casou, e fizemos o vestido de noiva. Passamos muitas férias juntos, ela vem para o barco [TM Blue One, famoso iate de Valentino] em agosto, com o Adam [Shulman], com meus filhos. Passamos muitos holidays together no Mediterrâneo.
Você viaja muito, não?
Estou querendo baixar essa bola porque ando viajando muito, mas é como o mundo é hoje. Lembro, há algum tempo, de ter falado para a Naomi: você tem que parar, não pode viajar tanto assim. Mas esse é o novo ritmo da vida. Agora entrou no meu sistema: fico quatro, cinco dias na mesma cidade e começo a ficar irrequieto no sexto. Acabei de chegar de Portugal, de férias, passo cinco dias, vou para a República Dominicana no feriado do labor day, depois volto para a fashion week de Nova York, passo em Roma, depois vou a Londres e Paris. Então, viajar é uma constante. Mas uso isso bastante, gosto bastante, é o momento em que estou calmo. Tenho muitos e-mails, Instagram, essa vida da gente e me prezo muito nesse sentido: se você me manda um e-mail, respondo no momento seguinte. Não deixo passar de um dia para o outro. Eu sou 24/7 on my e-mails and connections. Um dia precisei de um favor de Anna Wintour, quando cheguei à América, as letters para recomendação para o governo. E ela é outra pessoa que você chama, em cinco minutos ela liga de volta. É um ritmo muito Nova York.
Você tem várias casas, uma em Nova York, uma no Rio de Janeiro, uma em Roma e um sítio em Nova Friburgo (RJ). Mas Roma é sua cidade preferida, não é?
Quando era criança, eu tinha um sonho de ser embaixador em Roma.
Por quê?
Gostava da cidade de Roma, queria estudar no Itamaraty, mas não deu tempo, saí do Brasil antes, mas hoje sou um embaixador em Roma, veja só!
Será que Valentino sente muita falta de não tocar a marca dele?
Não, porque são projetos diferentes. Se você pensar que são 45 anos seguindo aquele calendário anual de duas coleções de alta moda, duas coleções de prêt-à-porter, duas coleções masculinas, você fica um pouco exaurido, né?
O que você e o Valentino têm em comum?
Valentino também é uma pessoa latina, com esses valores. A mãe do Valentino era muito presente na vida dele, a Teresa, que eu conheci. E eu lembro uma vez, hóspede do Valentino, a Teresa me vê sair do quarto e diz: “Olha, quando você sair do quarto, apague a luz”. Eram pessoas simples também, os pais do Valentino tinham uma loja de produtos de eletricidade, tomadas. E hoje temos esse amor de família. São padrinhos dos meus filhos, Giancarlo é a mesma coisa, e é exatamente o que nos une muito.
Seus filhos se dão bem com eles?
Claro, são padrinhos. Sou muito orgulhoso dos meus dois filhos, são ótimos, com grandes valores, vegetarianos, professores de ioga, low profile. Não gostam de festas, nightclubs. Uma vida muito diferente da que eu tive. Acho que eles viram tudo aquilo e quiseram algo diferente para eles. Viajavam em aviões particulares e tudo o mais, mas não se afetaram por isso. Eles jogam o jogo deles e são enchanting souls.
Além de viagem, fotografia, moda, festas, quais são seus outros interesses?
Meu futuro é realmente meu sítio no Brasil. Gosto de plantar, meu novo vício é a poda, o corte das árvores. Também adoro cozinhar. Posso te fazer um bom jantar um dia e você vai sair bem feliz. Já estive com Martha Stewart no Dia de Ação de Graças. Valentino é um gourmet também. Gostaria de um dia montar um restaurante no Brasil. Cozinha internacional, com todas as minhas receitas preferidas do mundo. Eu recebendo amigos num ambiente superchique! Todos me dizem que é um trabalho de escravo, mas, pintando um investidor, eu encaro.
Cacá, por último queria te fazer uma pergunta de início de entrevista. Já li o relato de como você conheceu o Valentino, que foi num baile de Carnaval no Rio de Janeiro nos anos 1960. Me conta mais uma vez essa história?
Eu tinha uns 16 ou 17 anos, estava dançando no Le Bateau ou Zum Zum depois de uma festa de Carnaval e, no meio da boate, tinha o vip room do Valentino e me vêm três pessoas dançando em volta: Nati Abascal [modelo espanhola, musa de Oscar de la Renta, entre outros], Lucia Curia [depois Moreira Salles, uma das primeiras modelos brasileiras no exterior] e Georgina Brandolini. Conheci Valentino, fomos todos jantar, depois a uma festa e nunca mais nos vimos. Dois anos mais tarde, estava numa loja chamada Mondo Cane – estudava à noite e trabalhava de dia numa loja – e a Lucia, passando pela loja, me vê e diz: “Menino, estou te procurando há dois anos. O Valentino está louco para que você vá fazer um show para ele!”. E lá fui eu para Roma, já tinha 18 anos, fiz o desfile, logo depois fui para Nova York, onde tinha outro desfile, onde conheci todo o grupo. E assim foi.
Texto originalmente publicado na FFWMAG 41, já nas bancas. Compre aqui
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