“Pink Flamingos” (1972), de John Waters, ícone do cinema independente underground ©Reprodução
No cinema ou em qualquer outra arte, não há como negar a existência de uma polêmica entre o nu e a pornografia, ainda mais se a última for levada até os confins da estética do grotesco provocativo. Em 1972, John Waters mostrou ao mundo seu filme Pink Flamingos, imortalizando a drag queen Divine em cenas contendo os mais incomuns fetiches sexuais já imaginados por qualquer bom católico. Com isso, Waters é tido como um dos maiores diretores independentes de filmes B. Na mesma década, Tinto Brass levou o sexo explícito à classe média com Calígula (1979). Agora é a vez de Bruce LaBruce se juntar ao time.
Bruce LaBruce e seus inseparáveis óculos escuros ©Reprodução
Neste ano, Bruce ganhou um documentário especial, idealizado por Angelique Bosio, em que conta com depoimentos de cineastas como John Waters e Gus Van Sant, diretor de Paranoid Park (2007), Gênio Indomável (1997) e Milk (2008). Temos também as impressões de Richard Kern, Bruce Benderson, Harmony Korine, Rick Castro e outros próximos ao infame diretor. Apesar do projeto convenientemente se chamar The Advocate for Fagdom, ou O Advogado do Viado no Brasil, o nome não surgiu ao acaso. Em uma entrevista para o Advocate, Kurt Cobain assumiu No Skin Off My Ass (1993) como o seu filme favorito, completando que considerava Bruce LaBruce o advogado do homossexualismo. Mas como muitos dizem, é preciso ver além da pornografia para entender a verdadeira mensagem. Desta forma, o autor Bruce Benderson complementa: “LaBruce satiriza a vida contemporânea. (…) Não importa se ele está fazendo um filme, participando de uma conversa ou fotografando. Tudo se encaixa como partes de um quebra-cabeça”.
The Advocate for Fagdom ©Reprodução
O documentário esteve em cartaz recentemente no Festival do Rio, mas não há previsão para uma nova exibição no Brasil. Assim como muitos filmes B, é preciso uma intensa pesquisa para conseguir ter acesso ao produto, ainda mais por este ser considerado inadequado pela maioria das lojas físicas e onlines. No entanto, é possível adquirir alguns filmes do diretor no site da Amazon. Em entrevista à DazedDigital, Bruce demonstra o quanto quer chocar em seu novo projeto, que leva o nome de Gerontofilia, a preferência sexual por pessoas idosas.
Cena de “L.A. Zombie” (2010), último filme do diretor ©Reprodução
Bruce é um cineasta e fotógrafo canadense nascido em 1964 e cultuado por seus filmes independentes pornográficos – geralmente de conteúdo homossexual -, onde até mesmo atua em alguns deles. Acima de tudo, Bruce é um provocador. Embora ser gay e produzir conteúdo pornográfico gay hoje em dia não seja mais polêmico como nos anos 70, em contrapartida a John Waters, LaBruce foca a sexualidade no contexto político e cultural, como por exemplo, filmando uma cena com um skinhead se masturbando para uma fotografia de Hitler. Além disso, toda a estética de suas imagens é voltada para o sujo e o cru, às vezes com um quê de punk oitentista. Somando isto a toda uma gama de fetiches pervertidos sendo mostrados explicitamente, temos o diretor menos indicado para se assistir em um ambiente de família tradicional. Em seu último filme, L.A. Zombie (2010), o famoso ator pornô François Sagat é um zumbi musculoso que surge das praias californianas e tem o poder de ressuscitar os mortos ao fazer sexo com eles. Mas como todo bom filme de zumbis, há muito sangue, mordidas, cenas sombrias e é no caso, sexo explícito, é claro. Não espere encontrar este filme na sua locadora convencional.
Trailer de “The Advocate for Fagdom”, documentário sobre Bruce LaBruce
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Adendo Fashion
Karl Lagerfeld e Bruce LaBruce, para a Vice Magazine ©Reprodução
Em março de 2010, a Vice Magazine publicou um bate-papo de mais de oito páginas entre Bruce LaBruce e Karl Lagerfeld, o estilista magnata da Chanel e Fendi. Confira abaixo um trecho que remete ao dilema inicial deste texto:
Bruce: Vamos falar sobre sexo. Eu não sei se você leu, mas Louis Menand, do New Yorker, soltou recentemente um artigo interessante sobre Andy Warhol.
Karl: Sim, eu gostei daquele artigo.
Bruce: Foi bom. Falou sobre a vida sexual de Warhol. Foi meio chocante para mim quando eles disseram que ele era realmente bom na cama no começo dos anos 60.
Karl: Ninguém conseguiria se lembrar disso.
Bruce: E que o seu voyeurismo não era algo assexuado. Era que na verdade ele estava mais interessado no sexo em público.
Karl: Era algo novo naquela época. O que ele fazia poderia ser considerado pornô, mas é arte agora, porque o mundo acha que é a arte erótica. Eu não sei onde está a fronteira entre a pornografia e a arte erótica. Olhe para as suas características; você tem que ser muito intelectual para ver qualquer diferença ali. Você sabe, eu participei de um filme do Warhol. Chamava-se L’Amour. Eu o conheci, assim como todos no seu círculo. Era algo na moda, divertido de se fazer na época.
Bruce: Quem mais estava no filme?
Karl: Patti D’Arbanville, Jane Forth, Coral Labrie, Donna Jordan, eu e Paul Morrissey. Eu me lembro mais das garotas.
Bruce: O que você fez com as garotas?
Karl: Eu tive que beijar a Patti D’Arbanville.
Bruce: Só isso?
Karl: Não, eu tive que fazer muitas outras coisas.
Bruce: Elas estavam topless?
Karl: Sim, naquela cena as garotas estavam topless. Talvez usando menos até.
Bruce: Você estava nu?
Karl: Às vezes. Vamos dizer que não estava com muita roupa.
Veja o bate-papo completo no site da Vice.