Um texto de Vanessa Friedman, crítica de moda do New York Times, tem dado o que falar na indústria da moda. Na quinta (17.05), ela publicou um artigo em que questiona o fato de Karl Lagerfeld se safar com suas frases misóginas, gordofóbicas e racistas, especialmente nos tempos atuais em que os consumidores rapidamente revidam pedindo boicote em massa ao estilista e à marca que ele representa. E por mais que o texto tenha o tom sempre elegante e calmo de Friedman, fica claro que ela compara Lagerfeld a Donald Trump.
Donna Karan, Marc Jacobs, Dolce & Gabbana e Marchesa estão entre algumas grifes que já sofreram boicote. No entanto, Karl pode falar o que quiser, que nada o atinge. Nem a Chanel ou a Fendi. As marcas não precisam nem mesmo se dar ao trabalho de emitir um comunicado de desculpas.
Na semana passada, o diretor criativo deu uma entrevista ao jornal francês Le Point em que diz que está considerando renunciar a sua cidadania alemã por causa de um milhão de imigrantes mulçumanos que a chanceler Angela Merkel deixou entrar na Alemanha. Ele ainda contou que uma pessoa que conhece adotou um jovem da Síria e após quatro dias, disse: “A melhor coisa que a Alemanha inventou foi o Holocausto”.
Antes ainda, ele fez um desenho para o jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung que mostra Hitler agradecendo Merkel por, inadvertidamente, permitir que o partido de extrema direita entre no parlamento.
À revista Numéro, Lagerfeld fez pouco caso do movimento #MeToo, dizendo: “se você não quer que arranquem suas calças, então não seja uma modelo”. Vale lembrar que em 2015 a Chanel fez um desfile que encerrava com as modelos em um protesto feminista liderado por Gisele. Na época algumas vozes chamaram atenção para a hipocrisia e para o fato da marca usar feminismo como marketing. Mas como sempre, não teve ecos.
Adele, Kim Kardashian e Meryl Streep já foram alvo de seus comentários irônicos ou ofensivos. Nem os homens russos escaparam (“se eu fosse uma mulher na Rússia, eu seria lésbica porque os homens lá são muito feios”).
Em 2017, o NYT já havia publicado uma matéria chamando atenção para seus comentários de “opiniões inexplicáveis”. Toda vez que ele fala algo incendiário, há uma onda de pessoas chateadas online, que logo é contida. Como isso acontece?
Vanessa aponta para o fato de que Karl ocupa um lugar singular no universo da moda e do estilo. “Ele é alguém que moldou a indústria da moda como a conhecemos e é o mais perto de uma lenda viva que existe neste meio”. Mas ela também lembra que muito da tolerância vem do medo de mexer com um dos mais fortes players do mercado, a Chanel.
“Só porque o mundo da moda treme em seus stilettos em chamar atenção para isso, não significa que o público também deva sentir o mesmo. O que sugere que há algo mais acontecendo, e isso pode ter tanto a ver com a realidade cultural e política atual quanto os boicotes. Sim, eu estou falando de Donald Trump”, escreve Friedman. “Assim como o presidente e seus tweets, Lagerfeld tem falado coisas ultrajantes por muito tempo”.
Is Karl Lagerfeld the Donald Trump of fashion? He gets away with saying an awful lot – https://t.co/P1bmTu1tFA
— Vanessa Friedman (@VVFriedman) May 17, 2018
Essa não foi a primeira vez que uma jornalista de primeiro time faz uma crítica a Lagerfeld. Em 2012, Robin Givhan publicou um longo artigo na Newsweek em que acusa Karl Lagerfeld de ser superestimado. Como sempre, ela apoiou todas as suas declarações com muita pesquisa e entrevistas e foi cuidadosa ao também mostrar as conquistas e talentos de Karl.
O que Givhan diz:
“Este artigo não pretende implicar que Lagerfeld não é extremamente talentoso e culturalmente influente. Através de seu trabalho na Chanel, fica claro que ele é tudo isso. Mas aficionados da moda idolatram Lagerfeld não apenas pela grande habilidade com a qual ele manteve a imagem da Chanel. Ele foi homenageado pela quantidade de suas atividades – embora não necessariamente a qualidade delas.
Ele foi celebrado como um fotógrafo voraz e aplaudido por acumular uma pilha oscilante de iPods. Ele publicou livros e colaborou em livros, sendo considerado, se não um intelectual, pelo menos um homem letrado. Desenvolveu um estilo pessoal magnético e altamente memorável que combina o cabelo de Madame de Pompadour com um toque de Mick Jagger. Ele foi chamado de “um gênio”, um “homem da Renascença” e “o Kaiser”.
Mas sem riscos, há pouca recompensa. Lagerfeld pegou o vocabulário criado por Gabrielle “Coco” Chanel – as jaquetas bouclé, cardigãs descomplicados, múltiplos fios de pérolas, camélias – e usou-o para falar de uma maneira mais contemporânea. Lagerfeld expandiu a filosofia de bom gosto e conforto de Mademoiselle para conectar a marca a tudo, do hip-hop à Alta Costura. O que ele não fez foi acrescentar ao vocabulário em si. Se um grande designer é julgado por uma silhueta que ele popularizou, uma sensibilidade que ele cultivou, ou uma estética que é inconfundivelmente sua, então Lagerfeld falhou”.
Lagerfeld reagiu à matéria dizendo que nunca havia ouvido falar de Robin Givhan (que vem a ser a primeira jornalista de moda a ganhar o prêmio Pulitzer). E claro, tirou ela da primeira fila do desfile da Chanel. “Um par de binóculos teria me ajudado a ver melhor a coleção”, disse Givhan após o desfile.