A semana de moda de Nova York começa logo mais, no dia 06.02, mas uma sombra de desânimo e falta de rumo ameaça cobrir o evento que dá a largada da temporada feminina de Inverno 2021.
De última hora, dois nomes importantes anunciaram que desfilariam em outra cidade: Tom Ford mudou seu desfile para Los Angeles para coincidir com a semana do Oscar; e Jeremy Scott irá desfilar em Paris apenas em julho, como convidado da semana de Alta Costura. Ambas as marcas já estavam com data e horário de desfile definidos no calendário oficial. Ralph Lauren, uma das grifes mais representativas da moda americana, ainda não divulgou onde irá desfilar.
Ford foi muito cobrado por conta de sua decisão, uma vez que ele é o presidente do CFDA, órgão que está à frente da semana de moda novaiorquina e tem feito algumas mudanças para que ela volte a ter relevância. Porém, mesmo sem intenção, passa uma mensagem oposta quando ele próprio decide trocar NY por outro lugar.
Mas o fato é que sua decisão faz sentido para seu negócio. Sua clientela é formada por muitas celebridades do showbiz, então Los Angeles, na semana do Oscar, parece o lugar certo para ele estar. “Alguém me perguntou outro dia como eu poderia justificar o desfile em Los Angeles, agora como presidente do CFDA, e lembrei que o CFDA representa o Conselho de Designers de Moda da América e não o Conselho de Designers de Moda de Nova York”, disse em um comunicado. “Fiz isso na última vez em que os dois calendários se sobrepuseram e funcionou bem. Los Angeles é particularmente emocionante naquela semana, é onde eu vivo e pareceu a coisa natural a se fazer”.
Mas isso não amortece o fato de que a ausência de Tom Ford ajuda a enfraquecer mais ainda algo que já não anda muito bem. Nos últimos anos, muitas marcas têm deixado o calendário Nova York e experimentado se apresentar em outras cidades. Tommy Hilfiger tem desfilado em capitais diferentes a cada temporada, como Los Angeles, Milão e Londres; Telfar foi para Paris; Pyer Moss não desfila nesta estação; Alexander Wang também está criando suas próprias datas… Isso sem contar as idas e vindas de outras grifes, como Proenza Schouler, Altuzarra e Rodarte, que também passaram algumas temporadas em Paris.
Ainda há marcas relevantes, como Rodarte, Proenza, The Row, Prabal Gurung, Jason Wu e Phillip Lim. São negócios maduros, porém pouco representativos para um mercado do tamanho de Nova York, ou ainda, dos Estados Unidos. Vale lembrar as da nova geração, que trazem propostas interessantes, como Eckhaus Latta e Sies Marjan; as tradicionais Carolina Herrera e Oscar De La Renta, e as grandes e super comerciais Micheal Kors e Tory Burch. E tem Marc Jacobs, que provavelmente é o único desfile que segura a presença de editores, compradores e formadores de opinião até o último dia.
No total, há mais de 80 marcas no calendário de Nova York que, ao que parece, ainda está sujeito a alterações. O número parece contradizer quando falamos que a semana novaiorquina está em crise. Um dos problemas é que muitas dessas grifes não são relevantes em termos de moda. Outra questão é que, em algumas datas, chegam a ter de 16 a 20 desfiles por dia, um ritmo impossível para se acompanhar. Portanto, imprensa, compradores, influenciadores, celebridades e a comunidade de moda que acompanha os desfiles precisam sempre escolher entre um e outro.
Soma-se a isso o fato de que as equipes de jornalistas que cobrem os desfiles são hoje muito menores. Com budget reduzido, as revistas têm enviado pouquíssimos representantes a viagens internacionais.
Esses são apenas alguns pontos que ajudaram a enfraquecer a semana de NY, mas fica a pergunta: como ela pode se tornar não convidativa nem mesmos aos estilistas americanos que vivem e têm a base de seus negócios lá? Em um post no Twitter, Bryan Boy comenta: “É muito estranho porque os Estados Unidos têm uma das maiores bases de consumidores do mundo (depois da China), é a casa das maiores redes de varejo do mundo, tem todo um maquinário de celebridades e entretenimento e a mídia mais poderosa do planeta Terra”.
Podemos falar que desfiles custam caro e as marcas preferem investir em outros formatos ou que as datas da temporada tradicional não servem mais a alguns designers (como já disse Alexander Wang), mas esse raciocínio cai por água abaixo quando olhamos para semanas pulsantes e cheias de energia como Londres ou Paris.
Houve um tempo que Londres também esteve em baixa. Então um esforço coletivo tratou de levantar a moral da LFW, a começar por Anna Wintour (que é inglesa), que disse que iria voltar a frequentar a semana de Londres. Stella McCartney e Alexander McQueen, que desfilam em Paris, também fizeram eventos na cidade durante a semana. A Burberry transformou seus desfiles em grandes eventos. Hoje, alguns dos melhores desfiles da temporada acontecem lá.
Quando a semana masculina de Milão precisou de ajuda, pediram para que a Gucci retornasse ao calendário masculino. A Gucci voltou e com isso trouxe junto um interesse geral maior para a temporada masculina na Itália. Era o que Tom Ford deveria fazer com nomes como Telfar e Pyer Moss, marcas pequenas mas que são fundamentais nesse novo contexto de mundo.
Na última estação, a NYFW enfrentou uma questão política quando veio à tona que o novo HQ da semana era em um prédio que pertence a um dos maiores apoiadores de Trump, causando a ira de muitas marcas participantes. Todos sabem que Nova York é a capital do business, mas hoje as pessoas buscam por algo mais além de negócios lucrativos. Querem estar em um lugar e fazer parte de um evento que, sim vai te fazer prosperar, mas que também condiz com sua ética. Nova York está saturada, desorganizada, extremamente comercial e sem originalidade. Sua alma se perdeu. O esforço agora tem que ser em encontrá-la.
It’s truly strange because America has:
1) one of the biggest consumer base out there (aside from China)
2) the most powerful media on planet earth
3) home to this whole celebrity and entertainment machinery
— bryanboy (@bryanboy) January 27, 2020