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    Anna Dello Russo: “Eu teria desaparecido sem a internet”
    Anna Dello Russo ©Reprodução
    Anna Dello Russo: “Eu teria desaparecido sem a internet”
    POR Redação

    Direto de de Milão

    Em agosto de 2010, o FFW encontrou Anna Dello Russo para uma conversa em Milão. Antes mesmo do Instagram ser criado (seu lançamento aconteceria meses depois, em outubro), a diretora de moda da Vogue Japão já falava sobre o poder das redes sociais e catapultava uma declaração tão atual que poderia ter sido dada esta semana, durante a visita que ela está fazendo ao Brasil para participar de ações nas lojas da Dolce&Gabbana (dará dicas de styling às clientes) e eventos da marca, em São Paulo. “Eu teria desaparecido se não fosse a internet” é o título dessa boa entrevista que merece ser lida mais uma vez. Reveja abaixo. 

    Uma tarde de verão cheia de luz. Em muitos sentidos. Foi assim o encontro do FFW com a consultora e editora de moda Anna Dello Russo, que comanda a “Vogue Nippon” há 3 anos e trabalhou outros 12 ao lado de Franca Sozzani, na “Vogue Itália”. Anna é uma daquelas pessoas que preenche qualquer ambiente em que esteja com felicidade, animação, positividade, novidade, generosidade. Sendo assim, ela é o tempero ideal para o fervilhante caldeirão que é o mundo da moda.

    Famosa por vestir “looks de passarela”, Dello Russo é amiga de estilistas, catapulta de tendências e twitteira de mão cheia. “Sou uma tela em branco, para a moda escrever o que quiser em mim”, confessa.

    Não quer se sentar?
    Estou há muito tempo sentada. Você cuida da Cucciolina enquanto vou ao banheiro? Ela pode chorar, mas não se preocupe.

    (Anna deixa Cucciolina amarrada no pé de uma cadeira. A cadelinha acompanha seus passos com um olhar aparentemente desesperado. Tento entreter o animal. A fuga de Cucciolina seria uma tragédia).

    Prefere dar uma volta?
    Vamos? Obrigada! A Cucciolina está mesmo precisando. Vem que eu carrego a sua bolsa pra você conseguir segurar o bloquinho de anotações.

    Você é chamada de “Fashion Director at Large & Creative Consultant” da “Vogue Nippon”. Na prática, o que isso quer dizer?
    É um nome imenso, coisa dos japoneses, mas quer dizer que eu sou diretora de moda. E ponto.

    Como é trabalhar com o Japão morando na Itália?
    Costumo acordar sempre muito cedo, às 5h30, para fazer 1 hora de ioga e depois 1 hora de natação. Se preciso falar com Tóquio urgentemente, ligo para eles antes de começar meu dia. Mesmo porque quando são 5h da manhã na Itália já são 14h no Japão.

    Os telefonemas que costuma dar são para quais lugares?
    Costumo falar muito com equipes que estão nos Estados Unidos. Quase todos os profissionais que preferimos estão lá. Fotógrafos de moda, maquiadores, stylists, tudo. Nova York e Los Angeles são as cidades que melhor funcionam para isso, não tem jeito.

    Que locações têm escolhido com maior freqüência?
    Todo mundo quer ir pra Tóquio! Meus colaboradores vivem me pedindo isso e na medida do possível tento agendar editoriais por lá. Não é sempre que dá. Mas a moda, você sabe, é feita em todos os lugares.

    Você tem algum editor para te ajudar no Japão?
    Não, sou eu quem escolho tudo, passo o briefing pra todo mundo. Mas, como não sei falar japonês, escrevo os textos em inglês e alguém da redação traduz.

    Você consegue acompanhar os ensaios de moda?
    Só os mais importantes, como as capas. Mas mesmo estando longe, eu arquiteto tudo, converso bastante com todos. Então não é necessário que eu esteja presente fisicamente nos shootings.

    Já teve algum problema ao dirigir um fotógrafo de estilo marcante?
    Não, não tenho esse problema. Quando eu chamo um fotógrafo é porque quero a direção dele. Senão seria chatíssimo, né? Tudo igual, apenas com a minha direção, seria muito monótono. Já escolho a história e o vestido que combinem com o fotógrafo. Sei que o Terry Richardson, por exemplo, tem capacidade de aproveitar um determinado tipo de roupa, uma determinada atitude que aquela roupa provoca. E isso também vale para os modelos e stylists. Meu trabalho é fazer essa costura, orquestrar isso, escolher as pessoas certas para trabalharem juntamente.

    Na hora de criar o conceito para os editoriais, você pensa na consumidora japonesa?
    A “Vogue Nippon” fala com a mulher japonesa em outras seções. Temos matérias de consumo, reportagens que falam com essa mulher. Nos editoriais, no entanto, faço sempre uma escolha internacional. Acredito que se olharmos os editoriais de todas as “Vogues”, não conseguimos descobrir de que país é cada uma delas. Porque estamos falando de uma mulher internacional, não importa onde são feitas as revistas. Quem faz “Vogue” trabalha para construir um sonho.

    As pessoas que trabalham para construir esse sonho da moda, nos últimos tempos, acabaram virando estrelas. Tipo a Anna Wintour.
    Sim, mas isso acontece porque estamos vivendo uma nova fase. A moda, de uns cinco anos pra cá, passou a existir de fato na internet. E a web, que tornou tudo mais aberto, provoca uma maior curiosidade em torno desse mundo. Existe a vontade de investigar, por isso todos querem saber, conhecer, entrevistar as editoras de moda. São mentes pensantes, criativas. A diferença de hoje, com a internet, é que, quem não for verdadeiro, quem não trabalhar com sinceridade e paixão, não vai durar. Ficou mais fácil separar o joio do trigo.

    Já que você entrou no assunto internet, impossível não falarmos sobre o seu perfil no Twitter.
    Óbvio! Mas o meu Twitter (@AnnaDelloRusso) surgiu depois do meu blog (annadellorusso.com). O blog tem uma função mais geral. O Twitter para mim é um diário online, de notícias que estão acontecendo ao longo do dia. Faço atualizações dos meus percursos. Por exemplo, existe um preparo para fazer uma edição mensal de uma revista: falar com pessoas, ter ideias. Pelo Twitter eu consigo compartilhar isso com muita gente. Deixar já algumas pistas, uns highlights do que estou fazendo. E também ter novas ideias e conhecer novas pessoas.

    Estar no Twitter significa também estar mais acessível aos seus admiradores.
    É a primeira vez na história da moda que o lado de cá fala com o lado de lá. A internet mudou a moda. Cairam as barreiras, capisci? Antes se imaginava que quem trabalhava com moda fazia parte de uma casta inacessível da sociedade, e na realidade era isso mesmo. Hoje, com tudo assim escancarado, conseguimos conhecer melhor quem são as mentes pensantes atrás da moda. E, claro, se descobre que realmente essas mentes são maravilhosas, são pessoas criativas, mas que trabalham muito.

    Antes, nós, criadores de moda, éramos fechados numa bolha, num grupinho separado do mundo. Éramos só nós. É estúpido isso, entende? Éramos vistos como pessoas inacessíveis. Tínhamos alguns palpites, fazíamos previsões do que as pessoas gostavam, mas era um feeling nosso de longe, não tínhamos a possibilidade de saber a verdade, de conhecer o gosto das pessoas mesmo. Hoje não existe mais isso, está tudo aí para quem quiser ver. Você posta alguma coisa, uma imagem, uma ideia, e na hora consegue saber se isso funciona. É útil não só para mim, mas para a indústria de moda no geral.

    Você gosta então de ser um personagem que existe virtualmente.
    Eu adoro ser chamada de “internet icon”! Se não fosse a internet, eu provavelmente não trabalharia como trabalho hoje. Sem a internet, eu teria desaparecido.

    Como quer que as pessoas te vejam?
    Quero que vejam que eu sou humana! Tenho minhas fraquezas, meus momentos, minhas manias, sabe?

    E sobre a sua mania de vestir “looks de passarela”… Algo a declarar?
    Existe um trabalho enorme, de meses e meses, até o look chegar à passarela! Tem o trabalho do estilista, que criou as peças. Depois do stylist, que estudou um melhor modo de combinar essas peças. Se ninguém repete o que está exatamente ali, esse trabalho é todo perdido, sabe? Vai embora, morre. Pode parecer superficial, mas para mim existe algo mais profundo nisso, em usar um “look de passarela”, não sei como definir.

    Como podemos definir uma “fashion victim”?
    Eu! A primeira de todas as fashion victims sou eu. Eu sou uma tela em branco, a moda pode desenhar o que quiser em mim. Sou obcecada, mas essa obsessão para mim não é um problema, eu adoro a moda. Por isso que trabalho bem com os japoneses, eles também são super obcecados por moda!

    Apesar de tanta obsessão pela moda, a crise deu uma balançada na indústria. A moda italiana, como a francesa, inglesa e americana devem perder a hegemonia?
    Sim, dá para sentir que isso vai mudar! O Japão, por exemplo, está se tornando mais importante. Não podemos esquecer do fenômeno irrefreável da China.Quem será o grande azarão, depois da crise? Pode ser simplesmente um país que nem mesmo imaginamos. E isso é a vida, é a impermanência da vida. É um pensamento muito bonito esse que estamos dividindo aqui, vero?

    Sim, é verdade. O conceito de impermanência como “única coisa permanente” é oriental, não?
    Sim, é oriental, e eu acredito nele. Acredito que tudo está em constante mutação. A humanidade no geral. E, não sei explicar o porquê, mas a moda é a primeira a sentir essa mutação. As mudanças chegam ao social depois de passarem pela moda. A moda tem antenas que captam isso primeiro.

    E quais sinais suas antenas estão captando?
    Já temos sinais fortes. E muito deles aconteceram por causa da Internet. Quando é que se pensou que existiria uma bambina como a Tavi [Gevinson]? Uma criança de 13 anos fazendo um blog de moda? Quando é que se imaginou que um garoto das Filipinas, o Brianboy, viraria essa personalidade que ele virou? Hoje está tudo aberto, tudo é possível. Quem for competente, vai conseguir o seu espaço. Caiu a máscara da imobilidade da moda, do que era frio, imóvel. Minhas antenas captam isso: não podemos mais ter certeza de nada _nada!_ que está por vir.

    O que exatamente é essa “máscara que caiu”?
    Imaginava-se que o mundo era feito de pessoas ricas, famosas, num infinito benessere (bem-estar). E agora, com a crise e a internet que mostra tudo, onde está o benessere? Onde estão os ricos e famosos? Estão pobres e desgraçados! Caiu tudo por terra, capisci? O tom como se falava era alto demais. Agora deu uma diminuída. A crise veio e deu uma chacoalhada tão violenta que é óbvio que tudo vai mudar. Já está mudando.

    Qual a sua opinião sobre as publicações impressas na Era Digital?
    Eu penso temos muitos jornais. Troppo, troppo. Nosso momento cultural vai selecionar o que é o melhor. E só o que for mesmo the best é que vai gozar do grande valor do papel. O valor do papel é estupendo, como o valor dos livros. Criar é bom, mas criação demais não adianta, não serve, non va bene.

    Por que não?
    Porque a criatividade deve ser respeitada, deve ter um tempo para ela. A criatividade é um dom, não dá para criar coisas como se faz sorvetes, pizzas.

    Existe já uma discussão do conceito de “slow fashion”, o que você acha disso?
    Quem já discute o slow fashion?

    Foi discutido no evento Fashion Summit, em Copenhague, durante a COP15 for Climate Change.
    Sim, eu acho que o futuro é esse, o futuro é o slow motion. Dá pra perceber que as quantidades estão diminuindo. Quase ninguém, por exemplo, está desenvolvendo pré-coleções. O produto tem que ser mais lento, ninguém consome assim com tanta velocidade. Perde-se a alma das coisas… Exato, slow fashion, como slow food…

    Na sua opinião, então, é possível que se produza menos e ainda sobreviver?
    A saída é a estrada do meio termo. Isso vale pra tudo, é preciso encontrar o caminho do meio. Cada um cuidar de si próprio e também pensar no mundo em volta. É por isso que eu medito, para trabalhar bem com as pessoas. Uma forma de salvar o planeta, para mim, é trabalhar o meu eu interior buscando a serenidade. Medito e tento passar essa mesma serenidade aos outros à minha volta.

    UMA RAPIDINHA COM… ANNA DELLO RUSSO:

    Anna Wintour
    Super powerful! É o sistema da moda em pessoa!

    Blogs de moda
    Novidade! Curiosidade! Adoro!

    Gisele Bündchen:
    Madonna mia! Que mulher! Eu queria ser ela! Não é só uma figura de moda, mas tem uma vida esportiva, cuida da alma, é positiva. Uma verdadeira top.

    Japão
    Graças a Deus me dá esse belo trabalho! Adoro os japoneses porque são obsessivos pela moda como eu!

    Brasil
    O que eu gosto do Brasil é a consciência corporal. São os melhores cultuadores do corpo. O corpo vem antes da moda. Primeiro vem o corpo. Se o corpo não caminha, você não vai à parte alguma. Acho importante dar atenção à filosofia do corpo. É essa a mensagem que o Brasil me passa. Como nomes conhecidos vindo do Brasil lembro das Havaianas! E daquele estilista, o Alexandre Herchcovitch! Agora pensando vejo que não recebo muitas informações sobre a moda brasileira, isso é uma pena… esse fluxo precisa melhorar.

    China
    A China é uma superpotência, está ganhando um mercado absurdo. Sabia que a “Vogue” chinesa chega ao ponto de rejeitar anúncios tamanha é a quantidade de ofertas? E tem a questão da cópia, não sei muito o que dizer, acho que eles estão buscando uma nova forma de trabalhar.

    Domenico Dolce & Stefano Gabbana
    São meus amigos do coração, adoro os dois. Transformaram o mercado italiano em internacional. Têm uma sólida visão estética do Mediterrâneo, do Sul, da Pulha, que é de onde vim, que é nosso “pequeno Brasil”.

    WGSN e outros escritórios de tendência
    Não conheço o trabalho do WGSN, me desculpe, não quero criticar um escritório que não conheço. Porque de repente eles são bons, não é? O que eu posso dizer sobre tendência é que a tendência é algo que eu sinto o cheiro de longe. Sinto no ar, sabe? É algo inconsciente, não podemos não acreditar nesse fator do inconsciente. E eu sou a mais sensitiva! É uma linguagem coletiva que não se pode traduzir em palavras, em explicações. Quanto mais você usa palavras pra explicar tendência, mais a perde, mais a diminui.

    *Anna Dello Russo entrou na “Vogue Nippon” em 2007. Formou-se em História da Arte na universidade de Bari. Mudou-se para Milão para fazer um mestrado em Moda na Domus Academy, que tinha como um dos professores Gianfranco Ferrè. Conseguiu, no fim dos anos 80, trabalhar como assistente nas revistas menores da “Vogue”: “Vogue Pelle”, “Vogue Gioelli”. Com a entrada de Franca Sozzani na “Vogue Itália”, em 1989, Anna Dello Russo foi convidada para fazer parte do novo team e assim foi editora de moda por 12 anos. Em 2001 foi convidada para ser editora chefe da “Uomo Vogue”. Alguns anos depois sentiu vontade de voltar para o universo feminino e finalmente voltou para a “Vogue”, em 2006. Até ser convidada, no começo de 2007, para ser editora de moda e consultoria criativa da “Vogue Nippon”. Foi nessa época que começou o blog e a se envolver bastante com a internet.

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