FFW
newsletter
RECEBA NOSSO CONTEÚDO DIRETO NO SEU EMAIL

    Não, obrigado
    Aceitando você concorda com os termos de uso e nossa política de privacidade
    Exclusivo Gucci: “O luxo não pode vir manchado de trabalho infantil”
    Exclusivo Gucci: “O luxo não pode vir manchado de trabalho infantil”
    POR Redação

    Por Juliana Lopes, direto de Florença, Itália

    Laboratório Gucci em Florença, nos anos 1950 ©Divulgação

    Não faz muito tempo, e as pessoas começaram a se perguntar: “Mas isso aqui foi feito aonde mesmo?”. Escândalos recentes no mundo da moda como o da Zara nos fizeram, no Brasil, começar a ficar desconfiados do que compramos. Tudo aquilo que é lindo na vitrine parece um pouco sujo quando vemos fotos de pessoas trancafiadas em porões úmidos, costurando madrugada adentro. Tudo aquilo ganha uma certa estranheza quando começamos a olhar a etiqueta da roupa e perguntar… mas por que “Made In Bangladesh”?

    O consumidor mudou e as empresas têm corrido atrás do prejuízo ético – que pode virar econômico. Um exemplo é que a rede de lojas Marisa, no dia 27 de março, assinou o pacto de responsabilidade contra trabalho escravo (veja íntegra do documento aqui). Infelizmente a primeira coisa que vem à cabeça é que as empresas estão se comprometendo com esses valores apenas por causa do marketing. Com o histórico de exploração no capitalismo ao qual assistimos, nossa desconfiança não poderia ser diferente. Mas, será que é, e vai ser, sempre assim? Porque empresas são, antes de mais nada, pessoas trabalhando.

    Na tentativa de acreditar na mudança efetiva e bem intencionada que algumas empresas estão promovendo foi que FFW deu espaço a uma entrevista com Rossella Ravaglia (foto abaixo), Diretora do Departamento de Responsabilidade Social e Ambiental da Gucci, empresa de moda italiana que começou dentro de uma família e ainda hoje demonstra vontade de manter os valores iniciais de sua fundação. O que nos surpreende é que Rossella falou, sem titubear, e sem interferência de nenhum assessor de imprensa “na cola”, exatamente sobre as pedras nos sapatos do luxo: uso inconveniente de peles, exploração trabalhista, poluição e outros tipos de stress.

    Boa tarde, Rossella. Gostaria primeiro de falar com você sobre a questão do termo “Sustentabilidade”. O mundo da moda no geral parece ainda não ter aprendido que sustentabilidade não é ecologia. Ecologia é apenas um aspecto.

    Exatamente. Sustentabilidade é um valor amplo que abrange muitas coisas, inclusive ecologia. Toma conta, no geral, de princípios que queiram proteger o principal recurso da natureza que é o ser humano. E o ser humano precisa de vários elementos para ser preservado.

    A questão ainda é nova, mas a Gucci começou a falar disso internamente há cerca de 10 anos. Gostaria de entender o que impulsionou vocês a começarem a inserir valores de sustentabilidade na cadeia produtiva.

    Em 2001 foi publicado o livro verde da comunidade europeia (chamado Green Paper, ver íntegra aqui). Esse livro era um documento voluntário, não coercitivo, não obrigava ninguém. Mas inspirava as empresas que eram convidadas a examinar os próprios impactos ambientais e sociais, e ir além do que a lei pedia. Porque ser responsável não significa só respeitar a lei, mas fazer qualquer coisa a mais. A Comunidade Europeia começou a sensibilizar sempre cada vez mais as empresas. E foi aí que nós, dentro da Gucci, nos analisamos, como empresa. E chegamos à conclusão de que já éramos muito atentos às pessoas que trabalhavam com a gente, mas também queríamos ser seguros ao garantir que os nossos produtos, que são esplêndidos, de uma qualidade sublime, fossem também verdadeiros portadores de valores éticos. Porque é isso o que faz, de verdade, o produto ser belo.

    Explique-me melhor, então, como você define um produto de moda “belo”.

    O produto de moda “belo” deve ser também um produto respeitoso, respeitoso das pessoas e do ambiente. O luxo não pode vir manchado de trabalho infantil, manchado de violações de direitos humanos, direitos trabalhistas ou graves desastres ambientais. Nosso produto tem que ter uma qualidade, que é vista em 360 graus. Não basta ter um couro bom, de altíssima qualidade. Não basta que seja bem feito, bonito, que vai durar no tempo, e ser mandado de geração pra geração. Tem que ser também um produto “limpo”.

    E, na prática, dentro da Gucci, como isso funcionou?

    Seguimos os princípios da certificação AS 8000 (certificação criada pela ONG americana Social Accountability International, veja íntegra em português). Primeiro começamos a observar mais de perto o processo produtivo com peles e joias. Depois passamos para as produções dos sapatos e das roupas. E aos poucos fomos revendo toda a categoria mercadológica porque a finalidade dessa certificação é a de que todas as pessoas e todos os processos de produção devam ser envolvidos num mesmo ideal.

    Looks da coleção Inverno 2012 da Gucci ©Reprodução

    Essa certificação SA 8000 fala de vários valores, você poderia exemplificar alguns?

    Fala de trabalho infantil, trabalho forçado, liberdade de associação, remuneração, saúde e segurança, horário de trabalho e depois tem um ponto relativo ao sistema de gestão onde a empresa deve assinar políticas e procedimentos para melhoramento continuativo. Isso tudo deve se aplicar não só no interno da empresa, mas em toda a cadeia de fornecimento.

    Então vocês têm que ser responsáveis também pela matéria prima que compram?

    Também.

    E como vocês fazem para transmitir essas obrigações aos seus fornecedores?

    É um processo muito complicado. (risos) É um processo no qual investimos de verdade tanto tempo em recursos e empenho. Por exemplo, a empresa no ano passado conduziu cerca de 2300 verificações nos fornecedores só em 2011.

    2300 visitas a cada um dos fornecedores? Ou seja, ir visitar cada um deles e ver como estão trabalhando?

    Exatamente. O processo de envolvimento dos fornecedores é indispensável. Porque é um conceito fundamental ligado à responsabilidade social. Como empresa de moda, nós não produzimos nossos produtos em todo o nosso interno, mas fazemos isso trabalhando com uma grande rede capilar de pessoas e empresas. Uma produção toda italiana, mas a cadeia é muito articulada e também complicada.

    Claro, por exemplo, para quem ainda não sabe, para produzir um sapato, por exemplo, é preciso juntar várias peças feitas separadamente como a fôrma, o salto, a sola, a parte de cima, não é? Sem falar de botões, zíperes…

    Sim. Por isso construímos um modelo de envolvimento com fornecedores que parte de um primeiro comunicado informativo que mandamos pra eles. Nós sempre convidamos todos eles pra participar de um seminário e nesse seminário nosso presidente transmite pessoalmente a eles o quanto é importante que cada um seja parte do nosso processo. Depois disso, pedimos aos fornecedores que assinem um documento assumindo nossos princípios de sustentabilidade. Que respeitem os direitos dos trabalhadores e o ambiente, flora e fauna. Ou seja, falamos de todos os âmbitos. E eles são obrigados a permitir fiscalização. Isso também vai assinado.

    Vira um contrato escrito então de responsabilidade?

    Pra conseguir fazer isso a Gucci tem que formar os fornecedores. Aí não falamos apenas da Gucci, mas de um “Sistema Gucci” que tem que envolver todo mundo. Porque somos nós os responsáveis de tudo o que acontece na nossa cadeia de produção de moda. Sempre tivemos isso no nosso DNA, o fato de prestar atenção ao recurso indispensável que são as pessoas. Ninguém nos pediu pra criar tudo isso, decidimos de fazer de uma maneira voluntária.

    Em relação ao mercado do Brasil vocês tomaram alguma providência?

    Sim. Nós assinamos um comprometimento com o Greenpeace. Porque o Greenpeace em 2009 lançou uma campanha contra o desmatamento da Floresta Amazônica. Decidimos firmar um acordo com eles, e não utilizamos nenhum fornecedor ou pele do Brasil que traga substâncias vindas de criação ilegal de animais.

    O que foi considerado uma criação ilegal de bois nesse caso?

    A questão em particularidade a qual nos envolvemos ao Greepenace se chamava “Amazonia, che macello” (o slogan tem duplo sentido. A palavra é usada na gíria italiana como “que zona, bagunça”, mas seu significado é de “matadouro”). A ideia era evitar não só o desmatamento, mas danos do ponto de vista social porque as comunidades eram expropriadas da terra, o que cria pobreza, é um ciclo vicioso. Somos contra qualquer tipo de sistema que cause impactos negativos com ambiente ou as pessoas. Sabemos que a Floresta Amazônica não pode ser tocada, mas nossa preocupação era também em relação à pobreza dos camponeses.

    Looks da coleção Inverno 2012 da Gucci ©Reprodução

    Muita gente fala contra o uso das peles, mas pouco se sabe verdadeiramente qual o jeito certo de trabalhar com peles de animais. Como vocês se protegem nessa questão?

    Estamos controlando o fornecimento em toda a Itália. Mas quando falamos de matéria prima também compramos de outros países, como pele, ouro e diamante. Aí saímos das fronteiras italianas. O importante é que estamos trabalhando ativamente para dar garantia que também o traço de toda a produção, inclusive internacional, seja também assegurado.

    Um super trabalho de fiscalização, que giraria todo o planeta?

    Sim, é um trabalho muito ambicioso. Porque queremos garantir que não haja o sofrimento dos animais. Que os animais sejam tratados de maneira digna. O bem estar dos animais está dentro dos nossos princípios de sustentabilidade. A pele, lembramos, é um sub-produto, uma coisa que sobra dentro da cadeia alimentar.

    A pele então teria que ser usada na moda no caso de que o animal seja aproveitado para a alimentação.

    Exatamente.

    Geralmente não se toca nesses assuntos no mundo da moda. Você acha que a imagem que as pessoas têm das empresas de moda é superficial?

    Sim, sim. É necessário agora sermos bons para comunicar mais o que estamos fazendo. Primeiro quisemos fazer, e muito tempo depois precisamos comunicar. Até então ficamos muito atentos em trabalhar na substância da coisa, arrumar a casa dentro. Nesses anos todos percorremos um enorme percurso burocrático de certificações, inclusive com os sindicatos, que são porta voz dos direitos humanos. Estávamos focados em valorizar o que tinha nosso DNA.

    Mas como comunicar isso ao mundo da moda? Porque estamos falando de uma empresa que, no final das contas, vende a moda, o desejo. Falamos do desejo de consumir a moda, ter aquele objeto ali.

    Sim, é um processo trabalhoso unir esses valores, mas temos muita vontade, investimento e consciência. Chegou o momento de fazer um balanço das atividades feitas até agora e também começar a comunicar isso. Não por uma questão de imagem e de marketing. Mas simplesmente porque essa necessidade de falar sobre isso nasceu, inclusive por parte de nos nossos clientes.

    Isso entra no conceito que vocês têm de luxo?

    O conceito de luxo tem que ser concebido como algo ligado ao luxo responsável. Não se pode separar os dois âmbitos. Luxo é qualidade, excelência. Tradição, responsabilidade e respeito. Uma série de elementos para nós quer dizer luxo.

    Então vocês perceberam que os consumidores mudaram?

    Estão mudando, seguramente. Está crescendo sempre cada vez mais uma consciência social e ambiental.

    Vocês descobriram isso em pesquisas? Ou foi percebido nas lojas?

    Sim, existem pesquisas que fazemos. E nas lojas já estão nos perguntando. (veja matéria do jornal inglês “The Guardian”, que divulgou essas pesquisas )

    Ah, então nas lojas da Gucci as pessoas começaram a perguntar de onde vieram os produtos e como são feitos?

    Exatamente!

    Bom isso, não?

    Isso é muito bom! E nos fez perceber que também devemos ser responsáveis em comunicar o que estamos fazendo.

    Existe, pelo menos do ponto de vista jornalístico, uma percepção de que o mundo está mudando com a crise. Como se as pessoas começassem a pensar “Mas, espera, onde a industrialização acabou nos levando?”. Você sente isso também acontecendo com outras marcas de moda?

    Existem sim temas de comum interesse entre nós e as outras empresas de moda. O nível de sensibilidade está crescendo no mundo do luxo. É verdade que algumas companhias só começaram agora a percorrer os primeiros passos. Mas seguramente a onda começou, a mudança vai ser inevitável, é a estrada que é preciso percorrer pra chegar ao futuro.

    Então podemos falar que quem não pensar nesses valores não vai conseguir fazer business?

    Absolutamente sim.

    Mesmo quem não se preocupar com esses valores e só pensar em lucro vai ter que rever a própria produção?

    Absolutamente sim. Já está provado que quem está afrontando o business com o conceito da sustentabilidade adquire um forte suporte interno. As empresas que afrontarem esse tema vão ter menor dificuldade para afrontar o futuro.

    Não deixe de ver
    Charth desfila coleção Soir para o Verão 2025 em São Paulo
    Pabllo Vittar em collab com a Pornograffiti, os novos modelos da Rolex, a bebida especial da Melissa e muito mais
    Sabrina Sato como nova embaixadora da Hope, as denúncias envolvendo a Zara e a H&M e o desmatamento no Brasil, a nova coleção da Dod Alfaiataria e muito mais
    Roberto Cavalli morre aos 83 anos
    Skinny x wide legs: uma preferência geracional?
    COLLAB DO ANO? NIKE E BODE LANÇAM SUA AGUARDADA COLEÇÃO
    Confira o calendário de desfiles da SPFW edição 57
    Anitta, Cher e Demi Moore na abertura da exposição da Dolce & Gabbana, em Milão
    Como Beyoncé ajudou a subir as ações da Levi’s
    Gisele Bündchen no Rio para o lançamento de seu segundo livro, a nova diretora criativa da Bulgari, o brasileiro vencedor de prêmio da Chanel e muito mais
    FFW